Sunday, April 30, 2006

Memória de elefante cor-de-rosa


E depois? Não vingámos os animais banidos; não fomos pelas estradas do Outono como batedores em busca do inimigo?
(sempre estás aí: sim eu sei – é pelo menos reconfortante) não me atraía mais porque quando chegava ao quarto arremetia contra a parede e dizia: - procura-me! E quando me encontrares comunica à polícia.
Nem toda a liberdade se conquista com uma disciplina comedida. A liberdade – as belas palavras, o inverno a gelar-nos nos dedos – como tropeça na nossa boca, no verdadeiro caleidoscópio das línguas em que falávamos. Éramos de uma destreza admirável porque também comunicávamos por cores. Ela voltou ao mesmo e dizia: - enganaste-me. Disseste, noutros momentos, que a liberdade era fazermos amor com cravos na boca. Pois – redarguia eu – parvoíces: a infância tem pouco de azul e a memória é um elefante. Passou a mão pela testa e quando esta descaiu da cabeça começou a tamborilar os dedos no tampo da mesa. Agora soergue-se para apanhar uma mosca que por ali voava. Perguntei-lhe: - queres seguir-me? Nem por isso – respondeu. Pronto sossega; não tens que acreditar em tudo o que eu digo. Aliás, deves desconfiar de tudo o que eu digo – principalmente quando sou eu a dizê-lo.

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