Tuesday, June 19, 2007

Freakonomics

Uma das discussões interessantes no círculo de economistas heterodoxos é a que versa sobre as motivações humanas. Rejeitando a ideia simplificadora de um agente racional que maximiza as suas escolhas, estes economistas vêm (re)lembrar que muitas das acções humanas estão longe de obedecer a este padrão quase que algorítmico. Na verdade, ao sublinharem a relevância dos costumes, dos hábitos culturais, dos valores que são recebidos numa sociedade, não fazem mais do que prestar atenção aos factores socializantes. Aceite-se portanto como falsidade o mito do homem (da mulher) desencarnado do seu contexto. Algo que qualquer cientista social das ditas ciências menos duras (ou mesmo moles, ou amolecidas) não teria qualquer dificuldade em aceitar. Aliás é sobre isso que andam a escrever vai para mais de 100 anos. Os economistas descobriram-no agora. Grandes nomes, laureados com o Nobel e outros prestigiados prémios parecem querer inflectir aquilo que era dado como facto consumado: uma hegemonia sem rival do neoliberalismo e da retórica da maximização da utilidade. Deixem o povo escolher – gritava o velho Friedman a plenos pulmões! Privatizem que isto há-de encontrar o seu equilíbrio – esbracejava o doido anarquista Rotbath no seu banho de ácido sulfúrico para impenitentes do Welfare State. Agora chega-se paulatinamente à conclusão que a coisa não é tão preto no branco: que as pessoas fazem escolhas baseadas em informação incompleta e que, mormente os factores institucionais, possuem uma importância não negligenciável no condicionamento dessas mesmas escolhas. Para além disso, que mesmo as escolhas efectuadas sobre o pressuposto de maximização da utilidade, quando agregadas, não chegam muitas vezes à optimização de resultados. Por conseguinte, o homo economicos, esse anjo impoluto da economia mainstream, está sob pressão. Significa que cabe à economia elaborar novos e mais robustos modelos que integrem estes factores latentes; elementos transfugas das leis do equilíbrio. Talvez. Mas também é aceitável pensar que justamente por integrar factores institucionais e soft variables (como a cultura) a premissa segundo a qual o indivíduo totalmente racional e maximizador da utilidade não existe, possa simplesmente estar a negar-se a ela própria.


Admitindo que os factores sociais e estruturais possuem um peso sobre as decisões económicas, não é igualmente aceitável que esses mesmos factores têm vindo a cimentar uma visão, e portanto uma prática, que imprime nos nossos comportamentos o imperativo da acção racional? Não é a acção racional, maximizadora, aquela que é premiada e incentivada, tendendo todos os enviesamentos a serem expurgados como perturbações de um sistema? Não nos é inculcado sistematicamente que as nossas acções devem ter alvos específicos, concretos, e que devem obedecer ao princípio da maior utilidade meios-fins? Este parece ser aliás uma espécie de códice subjacente a toda a ciência gestionária; ou seja, a toda a retórica que visa eficientizar comportamentos. Na mesma linha de raciocínio, a behavioral economics escrutina os enviesamentos ao modelo de acção racional perfeita. Mas com que objectivos? Sem dúvida com a finalidade da correcção. A obsessão com a estrutura correctiva de uma dada organização ou sistema comunicacional encontra nos dias de hoje o seu apogeu: códigos de conduta, aprendizagem contínua, formação quer em áreas técnicas quer no melhoramento das capacidades comportamentais; afinamento do espírito de grupo, alinhamento das idiossincrasias pela “missão” da empresa, organisação e por aí adiante. Nada disto é novo e podemos facilmente equacionar estes exemplos com os dispositivos bio-políticos e a sua acção sobre o corpo assim como foram analisados por Foucault. Mas se este for o padrão socializador; se é justamente este modelo que nós, enquanto pessoas, introjectamos e que permite definir as nossas práticas e trocas sociais, será assim tão extraordinário que estejamos a assistir a um treino permanente no sentido da maximização da acção? E que, como indivíduos, quando socializados com sucesso, nos estejamos a tornar nos agentes maximizadores racionais pressupostos pela economia neo-clássica? Nas próximas gerações talvez venhamos a descobrir que o comportamento humano passou a corresponder exactamente ao ditado pelos modelos económicos. Quando isso acontecer não terá sido tanto a economia que explica os comportamentos económicos, mas sobremaneira os comportamentos que se ajustaram aos modelos económicos.

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