Há, mas são verdes!
O Live Earth teve um certo sabor amargo. Não é que tenha divergido muito do seu predecessor Life Aid em matéria de parafrenália e contribuições, ressalvando os avanços técnicos e as novas estrelas. Mas há qualquer coisa na produção musical, artística, no "show bizz", o que lhe quisermos chamar, actual que falseia imediatamente estas iniciativas recobertas com a patina da moral samaritana. Ouvir as pussycat dolls, que têm mais de pussy do que de cat, a cantar o vibrante e magnético refrão “don’ t you wish your girl friend was hot like me” naquilo que se assemelha ser a canção mais sexista e fútil dos últimos 50 anos esmorece a energia benfeitora mesmo da alma mais caridosa. No meio daquele desperdício de recursos a pergunta ingente seria, mas que tem isto a ver com a saúde da terra? Que realidade telúrica se pode esconder nestes esganiços que possa irmanar os elegíacos “cantos” de Whitman? Lá apareceu Al Gore na sua viagem de promoção à custa do efeito de estufa e das mazelas da estratosfera. Vi o filme que produziu em mim um efeito de estucha. Gostei da forma profissional e mestria com que Al Gore faz os slides sucederem-se uns aos outros em perfeita sincronia com o arrazoado ambiental. É de fazer inveja a qualquer amador do powerpoint. A mesma cadência, o mesmo perfeccionismo, podia ser detectado nos desempenhos das estrelas pela terra – não fosse a atonia que as estrelas, quando privadas da tecnologia de estúdio, demonstravam acintosamente. Berreiro em desgarrada; sem playbacks nem truques de caixa de mistura, o unplug é um horror para as novas promessas do pop. Numa palavra: não cantam nada. Só isto já gerava mau ambiente que chegasse. Mas não chega. Visto bem todo aquele excesso de luzes e pirotecnia anunciava a nova sociedade da informação e esta, porventura, só será compatível com a qualidade ambiental se foram utilizadas criteriosamente lâmpadas de halogéneo. O que eu espero vivamente que tenha sido seguido durante os preparativos de tão imorredoira iniciativa! E todavia tudo aquilo ressumava a disparate. Mesmo as admoestadoras palavras de Al Gore soavam a má produção de série B, um tanto ou quanto gore.
Este Gore, o que já andou em corridas presidenciais e asseguraria a mesma caso o dito presidente se finasse, identifica o calcanhar de Aquiles do futuro terrestre na falta de utilização das chamadas tecnologias verdes. Não sei se verde tem a ver com o caldo, mas assim como assim eu mergulharia o Aquiles até o submergir sem que ficasse calcanhar ou tornozelo ou sequer dedo do pé de fora. Que quereis dizer, ó velho Tirésias? Digo eu, porque do velho, do Tirésias, pouco sei e julgo que não estaria inclinado para tão sarnento assunto; dizia portanto, que a machadada final seria justamente nos padrões de consumo. Ó horror. Ou, the horror the horror que vou citar por aí. Ou, mas se assim fosse onde caberiam as pussycats, as madonnas e por aí afora? Pois não cabiam. Assim como o Elton John pouco diria aos mortos de fome do Sudão e aos desidratados do Darfur. Ah, mas isto é a terra, e a terra toca a todos; assim se a fodermos é a todos que fodemos! Até pode ser. E há uma certa beleza neste ecumenismo da perdição – o final ou é total ou é apenas uma má mímica do desejo escatológico. E nisto seria eu secundado por algum Sionista mais inconformado. E afinal a terra caraças? Pois a terra tem que se lhe diga. E o que se oferece dizer assim às primeiras é expresso por uma equação que tem tanto de singelo como de irredutível: o consumo excessivo obriga à produção excessiva; os recursos são escassos, como não nos cansamos de aprender logo nas primeiras páginas do velho e carcomido Samuelson; logo, se continuarmos a ser impelidos a consumir cada vez mais saltando para uma diversificação geométrica é natural que a produção tenha que acompanhar o ritmo; ao acompanhar o ritmo, a produção vai exigir cada vez mais dos recursos, actualmente escassos. É um ciclo vicioso, à boa maneira dos ciclos e dos nós górdios. O que Al Gore não se atreve a dizer é que, para arrepiar caminho, tal como com o nó, é preciso cortá-lo. Cortar o nó significa cortar nas pussicats, nas madonnas e afins. E isso não seria muito bem visto pelo mesmo capitalismo desorganisado que inventou este late comer designado “tecnologias verdes”. Assim dizia Jacinto Romarigães, a propósito das soluções para o estiolar da terra: há, mas são verdes.
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