Tuesday, October 09, 2007

Refutação

O que provoca mais apreensão em Portugal? O adjectivo “conservador” sempre apenso ao substantivo “liberal”. Os norte-americanos, que raramente servem de exemplo, são nisto escorreitos e cristalinos: há uma divisória bem demarcada entre o que é ser liberal liberal e conservador, seja com tendências liberais ou não. Esta separação conota sensivelmente o campo democrático e republicano. O que não significa que não existam liberais mais conservadores – tendencialmente mais de acordo com o ideário republicano – ou republicanos mais abertos, tingidos com uma forte pátina de liberalismo. É evidente que a divisória é operativa; politicamente esclarecedora e que pode ser colocada como ponto médio de um continuum. E isto faz bem à geometria política. Na prática, é completamente diferente, estou ciente. Todavia, na imaginação as coisas são linerares e por isso torna-se fácil dizer que este senhor escreve a partir de um ponto de vista liberal e aqueloutro de um ângulo conservador.
Em Portugal dessiminou-se um híbrido, o chamado liberal conservador. Liberal sim!, mas nunca rejeitando o seu quê de conservador. Os híbridos, como nos doutrinam os antropólogos pós-modernos, são um lugar de transição entre espécies, e em termos culturais a expressão mais indicada é a de tradução. Um híbrido encerra, portanto, um espaço de tradução. Nada mais errado no caso do designado liberal conservador. Teremos que resgatá-lo do recipiente híbrido e colocá-lo em formol no velho frasco do antinómico. O truque, e trata-se efectivamente de um truque – porque, atenção, nisto de liberais e conservadores o que temos é prestidigitação – é esquecer ou omitir que conservador é o termo com muito mais peso do que liberal. Será qualquer coisa como um Comunista democrático – mas na sequência inversa. Facilmente se constata que é o comunista que reina soberano na conjugação dos dois termos.
O mesmo se passa com o liberal conservador. O conservador, no liberal, é tão avassaladoramente mais presente, tão indisputadamente iminente, que o primeiro, coitado, definha como uma giesta quando colocada ao lado de uma sequóia. Por isso quando te cruzares com um espécime que se assuma liberal conservador, podes estar certo que estás perante um conservador que te oferece o liberal como torrão de açúcar.

0 Comments:

Post a Comment

Subscribe to Post Comments [Atom]

<< Home