Wednesday, October 03, 2007

Ideologia? Quem disse?


As reacções aos resultados das directas no PSD balançam entre o disparate a e congratulação extemporânea. Marques Mendes foi provavelmente o líder mais insonso, apagado e desautorizado que o PSD teve desde Nogueira. Foi também o menos convincente e aquele que mais interrogações gerou no seio do seu próprio partido sobre a sua capacidade de liderança. Filipe Menezes é “fracturante”, porque divide o PSD das elites contra o PSD das bases e porque, simultaneamente, justapõe a esta divisão, uma perene separação geográfica, entre o Norte e o Sul. Primeiro, que Filipe Menezes seja fracturante é um paralogismo: o PSD é um partido de elites, por isso não pode haver fractura entre bases e elites. O que há é uma separação entre elites há muito encostadas ao poder e elites que estão fora dele há tempo demais. Segundo, a distinção geográfica não é exclusivo narcisista de Filipe Menezes; veja-se a sistemática alusão a essa mesma divisória em Miguel Sousa Tavares, jornalista, Pinto da Costa, presidente de clube de futebol, Belmiro de Azevedo, empresário – todos sem excepção endeusam o Norte e vilipendiam o Sul. Estaríamos tentados a dizer que é expressão decorrente desse mesmo elitismo.
No rol de comentários que foram aflorando na comunicação social, há um que me parece particularmente vesgo. Daniel Oliveira, num artigo no Expresso, escalpeliza aquilo que considera ser o espaço político vazio do PSD e como a esquerda pode ter aqui a sua janela de oportunidade para empreender uma aproximação ao PS. Na medida em que a táctica nem parece absurdamente errada, concentrar-nos-emos na má leitura estratégica. Segundo Daniel Oliveira, o PS teria roubado o espaço político à direita, convertendo-se na “vanguarda ideológica da direita” apeando esta das suas cavalgadas neo-liberais. Não somente o PS defende os pontos principais da agenda neo-liberal como, ainda segundo o comentador, não precisa de o disfarçar. Por conseguinte, consumido o espaço ideológico do PSD, não resta senão este remeter-se a um silêncio comprometido, ou, em desespero de causa, ultrapassar o PS pela esquerda. A última é improvável, senão estruturalmente impossível, como sabe Daniel Oliveira. A primeira labora numa certeza que tem mais a ver com wishfull thinking do que com as possíveis manobras do PSD de Menezes. O PSD é um partido que para se manter coeso precisa de distribuir prebendas aos seus membros. Nada os une ideologicamente, a não ser a fé de que o mercado resolve tudo. E isto é pouco, porque não preside a um princípio de governabilidade, mas simplesmente a uma estratégia de absorção de poder. Ora a hipótese de o PSD não ter espaço ideológico é um truismo. A verdade é que o PSD não precisa de espaço ideológico, basta ter elites do seu lado. Até agora as elites têm estado embeiçadas por Sócrates, não tanto porque este ocupa o espaço ideológico que a elas é mais afecto, mas porque estas não acreditavam em Mendes. Como se viu na OTA, quando os negócios são chorudos, as elites económicas digladiam-se pela obtenção do seu quinhão. Estas elites não precisam, igualmente, de nenhuma ideologia para se justificarem – basta o exercício do poder fático. Menezes parece estar bem mais habilitado para exercer algum poder de atracção sobre estas elites do que Mendes estava. Por isso a guerra será uma de personalismos e não de espaço ideológico. A guerra será uma batalha de charme – ironicamente, porque ela vai utilizar todos os truques sujos do cardápio – entre Menezes e Sócrates. Mas Sócrates não tem ninguém para além do seu aparelho; e Menezes exercita-se com grande à-vontade no jogo preferido de Portas: o populismo desabrido. Embora não possuindo afinidades em termos de redes políticas, estes dois possuem definitivamente afinidades de estilo; e isso é um capital que não irão desperdiçar.

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