Wednesday, May 23, 2007

O Mestre do Aviz (em homenagem ao velho blog de JFV)


Revoltaram-se alguns sectores da blogosfera (por exemplo aqui ) com aquilo que consideram o justo pagamento devido aos convidados para falarem dos livros da sua vida. O raciocínio parece certo e faz sentido que a cultura também seja paga, como aqui é referido. A moda das listas e do arrolamento das obras que marcaram a vida das personalidades públicas, mormente os intelectuais (orgânicos e inorgânicos), tem criado adeptos e fortes pressões para a aceitabilidade dos canhanhos escolhidos. Assim, por exemplo, Sarkozy, que nem sequer é intelectual, teve que colmatar esta lacuna quando apenas contava no seu pedigree literário ter sido admirador de Céline na sua juventude e pouco mais. A sua equipa lá se enredou em citações e, por vezes, obscuros adágios, retirados de uma selecta lista de cabeças pensantes francesas, indispensável a quem se propõe governar os destinos da pátria da liberdade. Que Sarkozy tivesse que acrescentar ao seu parco conhecimento literário novas referências para dar a entender que é possuidor de um conhecimento eclético, só mostra quão manipulada é a imagem de um homem político. Bem entendido, eu considero que aquilo que um homem (ou uma mulher) diz ter lido é absolutamente irrelevante para gostar dele(a) ou não. Embora, diga-se, pode constituir um bom barómetro para avaliar as suas filiações, não só políticas como morais.

Até parece ser do mais elementar bom-senso convidar pessoas, de reconhecido mérito literário, para falarem dos livros da sua vida – isto, em abstracto. Todavia, olhando para a lista proposta por JFV não podemos deixar de ser surpreendidos pelo enviesamento político que ela denota. O organisador, como é evidente, marcou o seu cunho – político – nas escolhas que fez. Se fosse uma festa privade e FJV quisesse convidá-los para uma tertúlia em sua casa, não haveria razões que objectassem às suâs escolhas. Mas a tertúlia que JVF preparou é paga com o dinheiro da Câmara, ou seja, do contribuinte. Já é suficientemente mau pagar a pessoas para virem falar dos livros da sua vida – um circo narcisista onde pouco se aprende e que tem unicamente por função promover os tribunos. Mas fazer a lista consoante afinidades políticas é duplamente grave. Por um lado, porque mostra que nem numa iniciativa aparentemente anódina e neutra as motivações políticas se encontram arredadas; motivações essas que, por mais indulgentes que possamos ser com os gostos do organisador, têm o condão de incluir quem legitimamente pode ser considerado um litterato. Pois nem todos possuem igual valor na balança das autobiografias literárias. Quando a escolha obedece a critérios políticos está a sacrificar-se o (pouco) interesse literário pelos compadrios políticos. Mas para além dessa escorregadela para as afinidades electivas – a que poucos se podem eximir, diga-se a bem da verdade – impressiona ver a serenidade com que alguns dos participantes aceitam a possibilidade de serem pagos para falar dos livros da sua vida. Dois deles, que se saiba, recusaram o pagamento. Outros, como PP, vieram depois de anulada a iniciativa, em virtude de contingências camarárias, desmentir que alguma vez tivessem aceitado dinheiro (embora nos pareça especialmente suspeito que só o fizessem após o cancelamento). Resumindo e concluindo: no Portugal actual, numa câmara em estado de calamidade financeira, com um deficit ingovernável e insanável, há quem ache normal pagar-se a uns tantos figurões para falarem dos livros da sua vida. E a julgar pelas esparsas aparições da selecção feita por PP o escândalo ainda é maior. Faz todo o sentido pagar para ouvirmos PP dizer que leu a “Flecha” e o “Coração” e sobretudo o “Livrinho Vermelho” de Mao Tsedung.
Não admira que as finanças da Câmara de Lisboa estejam nas lonas.

1 Comments:

Blogger brunopeixe said...

Nuno, os gajos eram pagos para fazer uma conferência. É verdade que pagar ao Pacheco Pereira para falar sobre livros é como pagar à Fátima Campos Ferreira para falar sobre política ou ao João Carlos Espada para discorrer sobre filosofia. Mas isso decorre das escolhas do organizador. E de quem o escolheu para estar à frente da instituição. De resto, não me choca que as pessoas sejam pagas por conferências que, no fundo, são trabalho. Neste caso era mera feira das vaidades literárias? Era, pois. Mais uma vez tem a ver com a escolha do organizador e com a sua visão do campo literário. O que é uma pena é que as instituições culturais estejam nas mãos de quem só tenha vontade de promover o culto da celebridade literária.
Não conheço a lista de convidados, mas o almeida faria não é propriamente de direita.

3:44 AM  

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