Friday, July 28, 2006

Freud is dead. Long live Freud!




Porquê insistir na psicanálise? Num artigo recente Zizek explica a necessidade da psicanálise nos tempos que correm. A relação entre as pulsões e o controlo exercido pelo exterior é hoje mais urgente de analisar do que alguma vez foi. A tensão permanente que se estabelece entre estas duas dimensões – os impulsos internos e a ordem simbólica exterior ou o Grande Outro – é da ordem do trauma. Este por sua vez é revelado através da panóplia de deslocamentos enunciados e caracterizados por Freud – histeria, narcisismo, etc. A acção do Grande Outro é, naturalmente, castradora. O que leva a reduzir as pulsões internas a um sentimento de falta, um vazio que não pode ser preenchido nem pela ordem simbólica nem pelo sentimento de si, ou a consciência de que “sou”, vazio esse que Freud designava por “pulsão de morte” e que Heideger, num registo mais ontológico, denominou de “ser para a morte” (Sein zum Tod).
Este é em traços muito gerais e simplificados o eixo de compreensão que a psicanálise tem traçado para o comportamento humano. A empresa de Zizek passa por renovar este esquema analítico e aplicá-lo às condições do capitalismo pós-moderno. A melhor análise que eu conheço desta aplicação na obra de Zizek encontra-se no final do Ticklish Subject. Nesta última parte, Zizek procurou mostrar a aplicabilidade analítica do seu esquema psicanalítico. Os resultados são surpreendentes, não tanto porque trazem algo de novo, mas porque instalam Zizek no muito debatido campo, sobretudo para as ciências sociais, das reflexões sobre a possibilidade da ordem e da coexistência dos seres humanos. Em suma, do problema hobesiano.

Zizek não tem um Leviathan para oferecer, mas tem uma teoria da acção. Em verdade, não se pode confundir a visão de Zizek com a maioria das tentativas de elaborar uma versão coerente das questões que se levantam sobre o nosso “viver em comum”. Pelo contrário, se alguma coisa, Zizek procura antes a possibilidade de romper com a ordem. Mas como sabiam bem os teóricos políticos orgânicos do princípio do século XX (Carl Schmidt, Michael Oakeshott) o conhecimento, e presença, do inimigo é fundamental; donde Zizek não despreza o conhecimento da ordem e da sua construção social. O “dare” zizekiano no final do Tiklish Subject possui uma estranha ressonância com as injunções neoliberais. É, todavia, difícil perceber a quem é que ele se refere. Será aos refugiados palestinianos de Jenim? Aos sem terra do Sertão brasileiro? Aos sans papiers da Ilhe de France? Aos desempregados do Continente? Aos marcianos, como sublinha Laclau?

Zizek tem-nos habituado às suas contradições e ele próprio está permanentemente a jogar com ambiguidades e duplicidades – a suas análises são tudo menos lineares. No final do Parallax View o “dare” anterior é substituído pelo “I would prefer not to” do Bartleby de Melville. O “dare” era já seguramente um “arriscar” a retirada. O tema da retirada não é novo. Adorno e grande parte da escola de Frankfurt, pelo menos até Marcuse, insistem na mesma solução. Só que em Zizek ele tem outras conotações. Começa, por exemplo, pelas diatribes mantidas com os teóricos das ciências cognitivas. A este respeito Zizek parece querer reabilitar a velha noção do sujeito contra as ferozes tentativas de desontologização de que este é alvo por parte da neurobiologia. A psicanálise, quer nos seus primórdios com Freud, quer na sua versão sintática com Lacan, precisa de um sujeito consciente. Só assim faz sentido a inversão entre a acção consciente e a inconsciente. A resposta ao inconsciente por parte da neurobiologia é que ele é apenas uma caixa negra, mas assim que for aberto é tão decifrável como o resto. Nem traumas, nem vazios, nem faltas. Massa cinzenta, simplesmente.

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