Friday, July 13, 2007

Imaginando o Leste

Uma recente sequência de filmes do eixo anglo-saxónico mostra com rutilante impressionismo o poder dos esteriótipos. São eles Hostel1 e 2 e Severance.
Tarantino assina, como produtor, o primeiro deste trio. Tarantino é provavelmente, dos realizadores de culto, o mais medíocre da actualidade. Se conseguiu enganar meio-mundo com “Reservoir Dogs” e “Pulp Fiction” – uma variação mais elaborada do primeiro -, foi porque a crítica está demasiado obsecada por tudo o que seja novidade num panorama cinematográfico distendido até à descaracterização. Mas depressa se veria que a estrela de Tarantino era cadente, e nem sequer os três tradicionais desejos o salvavam de cair recorrentemente na mais pura banalidade, repetição e voyerismo. Sim, já me esquecia, deu-nos também Kill Bill1 e 2. Perdoem-me a heresia, mas depois de passar o tal efeito de novidade a única coisa que fica na retina é quão idiota pode um realizador ser com as suas trapalhices manga e os seus acessórios retro qualquer coisa.
Porventura, mais do que os filmes que contaram com a sua paleta de surpresas antecipadas, foram aqueles a quem ele deu a mão que representam seguramente a obsessão ridícula por este estilo de cinema mentecapto. Basta lembrar experiências inenarráveis como “From Dusk untill Dawn” ou a sequela do “El Mariachi” de Rodriguez, filme que em retrospectiva nos podemos perguntar como foi possível admirá-lo! O último desta prodigiosa fábrica de enganos, cuja realização coube a Eli Roth, chama-se “Hostel”, ao qual se seguiu – porque uma desgraça nunca vem só - o seu homónimo, Hostel 2.
Em “Hostel”, ficamos a saber que não há homens suficientes na Eslováquia, sobretudo em Bratislava, por causa “da guerra”. Mas que guerra? A II Guerra Mundial? A avançada do império Otomano sobre o seu congénere Austro-Húngaro? Não interessa, porque para os americanos é tudo igual: houve uma guerra lá para aqueles lados, por isso tanto faz que seja na Eslováquia, como na Croácia, como na Sérvia – é lá p’a Leste!
O facto é que sem homens nativos é preciso jovem prole americana para fecundar tanta pássara esvoaçante. Mais uma vez, o que é a Eslováquia senão os nomes estranhos que os bons dos americanos lêem nas capas dos filmes porno prometendo uma constelação de novas estrelas de alva compleição e dispostas a tudo – ainda por cima bonitas comó raio? Por isso se assimila rapidamente toda uma região a um caleidoscópio porno, povoado de Svetlanas que vão surgindo uma após outra numa sucessão vertiginosa digna de uma matrioska sob o efeito de roipnol. Para os americanos, aquilo ali é um quintal “pornotópico” de pernas abertas para os seus jovens em digressão de fim de curso. E pobres Svetlanas, privadas do membro erecto dos seus conterrâneos masculinos, vítimas ceifadas pela guerra (?), estão ansiosas por receber nos seus tumescentes regaços, os bravos soldados americanos. Mas como não há bela sem senão, estas Svetlanas escondem um segredo obscuro – de uma negritude que nem as mais demoníacas mentes do III Reich poderiam imaginar.
Claro que o Leste não é só putas e bares baratos. Não. É simultaneamente um repositório de sadismo, malevolência e perversidade como não existe em mais nenhum lado. Suspeita-se que exista uma associação subterrânea entre este sadismo manifesto e a herança comunista. Na imaginação do gigante americano, o Leste libertado gerou dois fenómenos: as mentes pervertidas dos filhos da catástrofe comunista; as mulheres que alimentam a florescente indústria pornográfica. Há, obviamente, uma continuidade entre a violência da pornografia e a violência gerada pelo sadismo paroxístico dos ex-comunistas. Se o libertinismo que a primeira promete tem que ser expiado pelas mentes distorcidas do sub-texto cristão de grande parte dos realizadores norte-americanos, a violência extrema funciona justamente como o instrumento da expiação. Foste para pecar porque a carne é fraca; terá que ser na carne que deverás sofrer até ao lmite do suportável. Nisto os dispositivos do pecado e da expiação encontram-se bem vivos no novo cinema de horror.
Contudo, as imagens recriadas de um Leste longínquo e por descobrir, possuem outra peculiariedade. A violência não é instrumental. Severance surge como o exemplo paradigmático de uma violência totalmente irracional que não encontra justificação senão ne própria natureza pérfida dos seus agentes. Se nas representações dos terroristas, em filmes de acção como Força Delta e outros do mesmo género existe, apesar de tudo, uma raiz para a violência – o fanatismo religioso, o poder ilimitado, a destruição do modo de vida ocidental, etc –; nas representações do “Leste” a violência irrompe como um automatismo. Tanto mais (i)natural quanto o seu sadismo é simplesmente jouissance. Daí a continuidade entre o puro gozo sexual, simbolizado pela satisfação imediata e mecânica da pornografia, e o seu reflexo, a violência sádica do pormenor. Esteticamente são ambas contíguas. O gozo da carne nua encontra a sua fetischização no pormenor da tortura, na exposição detalhada da, afinal também ela violação, do corpo. Porque não é da abstracção “violência” que estamos a falar. É da sua concretização minuciosa no corpo através desse mecanismo de esquadrinhamento do mesmo chamado tortura. Neste sentido, estes três filmes não apenas fixam uma representação do Leste, como anunciam a banalidade da tortura, a procura da total sujeição do corpo de outrem. O Leste surge assim como o inominável do sonho americano: pornografia e Guantanamo; sujeição e tortura. Paralelo que o realizador de Hostel, Eli Roth, é o próprio a assumir e que tem vindo a anunciar em diversas entrevistas; curiosamente sem se ter apercebido que para o “expressar” cinematograficamente foi preciso expurgá-lo para Leste. Assim se exorcizam os demónios internos.

0 Comments:

Post a Comment

Subscribe to Post Comments [Atom]

<< Home