Maddie World
A cara da pequena Maddie enfeita as paredes do Algarve. De Lagos a Vila Real de Santo António, o rosto de Maddie assoma em cada esquina, em cada coluna, em cada cabeleireiro, em cada agência imobiliária. O semanário inglês “News” exaspera por notícias da pequena Maddie, no meio de anúncios de propriedades para venda a preços escandalosos. A Maddie, lá está: grandes olhos assarapantados e risonha como todas as meninas da sua idade que passam férias numa vivenda de luxo no Algarve. É preciso reconhecer que os pais da Maddie puseram meio mundo em polvorosa. É preciso sublinhar que a indigência das forças da autoridade portuguesas foi arrastada pelos grandes media internacionais e ainda o último “News” se insurge perante o facto de o governo português pretender concentrar as forças de segurança em Lisboa devido à presidência europeia. Da Maddie, provavelmente, não vamos mais ter notícias, para além dos seus grandes olhos que surgem inesperadamente (ou nem tanto) de dentro dos correios algarvios.
Mas a pequena Madddie tem um preço, mais precisamente, 10.000 euros a quem oferecer alvíssaras sobre o seu paradeiro. O preço espelha o desespero dos pais. O mundo sufoca com o caso da criancinha desaparecida que não faz mote com o velho caso das criancinhas desaparecidas do doido genial Luís Pacheco, não só por serem estas várias, como também porque o teor do caso era bem diferente. A Maddie não deixa por isso de ser um caso. Assim o transformaram a imprensa, a televisão; e até Lagos que nunca tinha passado das costas da Mauritânia eventualmente pela boca de algum trabalhador senegalês recambiado pelas autoridades portuguesas – desta feita de imarcescível eficiência – anda agora a voejar pelos olhos paranóicos dos americanos de New Jersey. Quem rumou à grande América, com esperança de aí aprender técnicas que já deram provas na captura de terroristas da secretíssima al qaida, foi o pai de Maddie. Socorreu-se do melhor –dizem – instituto do mundo para a busca de crianças desaparecidas. Um dos responsáveis tranquilizava o pai de Maddie com palavras impregnadas de certeza e da prontidão dos grandes ideais. Dizia “we shall do whatever we can to recover your daughter” ou qualquer coisa do género. E o semblante do pai de Maddie descontraiu por momentos perante aquela assunção de eficiência reconfortante. Já não era o terceiro mundo. Nestes pode confiar-se, lia-se no sobrolho subitamente descomprimido do pai da pobre criança.
Do outro lado, na aldeia natal do pai de Maddie, trabalha uma mulher de 30 anos imigrada do Sri Lanka. Para que as mulheres das famílias como a de Maddie possam ter carreira, singrar na vida e ainda terem tempo para beberem chá com as amigas, também elas donas de promissoras carreiras e fazedoras de famílias como as de Maddie, é preciso uma mulher do Sri Lanka imigrar para cuidar de outras Maddies. Muitas Maddies a serem apascentadas por outras tantas mulheres do Sri Lanka e de outros lugares longínquos. Todas estas Maddie, Sue, Ann, Jo, etc, criadas e, de alguma forma, recriadas por mulheres do Sri Lanka que permanecem anónimas porque a imprensa não lhes prestou atenção, senão para as englobar num qualquer número redondo que encha uma parangona num tablóide anti-imigração. Mas ao que ninguém prestou atenção, é que esta mulher, imigrante do Sri Lanka para os bons auspícios das casas abastadas de Stratford-upon-Avon, deixou para trás três filhos, cujas fotografias não vão aparecer em todas as esquinas, nem nas vitrinas dos cabeleireiros, nem nas portas dos correios. Ficaram para trás. Para que a mãe lhes pudesse dar de comer e pagar a educação é preciso que esteja presente para satisfazer as pequenas urgências, os caprichos, as rotinas, as carências de uma qualquer Maddie cujos pais não vão oferecer recompensas a quem recuperar os filhos perdidos da sua nanny.
Mas a pequena Madddie tem um preço, mais precisamente, 10.000 euros a quem oferecer alvíssaras sobre o seu paradeiro. O preço espelha o desespero dos pais. O mundo sufoca com o caso da criancinha desaparecida que não faz mote com o velho caso das criancinhas desaparecidas do doido genial Luís Pacheco, não só por serem estas várias, como também porque o teor do caso era bem diferente. A Maddie não deixa por isso de ser um caso. Assim o transformaram a imprensa, a televisão; e até Lagos que nunca tinha passado das costas da Mauritânia eventualmente pela boca de algum trabalhador senegalês recambiado pelas autoridades portuguesas – desta feita de imarcescível eficiência – anda agora a voejar pelos olhos paranóicos dos americanos de New Jersey. Quem rumou à grande América, com esperança de aí aprender técnicas que já deram provas na captura de terroristas da secretíssima al qaida, foi o pai de Maddie. Socorreu-se do melhor –dizem – instituto do mundo para a busca de crianças desaparecidas. Um dos responsáveis tranquilizava o pai de Maddie com palavras impregnadas de certeza e da prontidão dos grandes ideais. Dizia “we shall do whatever we can to recover your daughter” ou qualquer coisa do género. E o semblante do pai de Maddie descontraiu por momentos perante aquela assunção de eficiência reconfortante. Já não era o terceiro mundo. Nestes pode confiar-se, lia-se no sobrolho subitamente descomprimido do pai da pobre criança.
Do outro lado, na aldeia natal do pai de Maddie, trabalha uma mulher de 30 anos imigrada do Sri Lanka. Para que as mulheres das famílias como a de Maddie possam ter carreira, singrar na vida e ainda terem tempo para beberem chá com as amigas, também elas donas de promissoras carreiras e fazedoras de famílias como as de Maddie, é preciso uma mulher do Sri Lanka imigrar para cuidar de outras Maddies. Muitas Maddies a serem apascentadas por outras tantas mulheres do Sri Lanka e de outros lugares longínquos. Todas estas Maddie, Sue, Ann, Jo, etc, criadas e, de alguma forma, recriadas por mulheres do Sri Lanka que permanecem anónimas porque a imprensa não lhes prestou atenção, senão para as englobar num qualquer número redondo que encha uma parangona num tablóide anti-imigração. Mas ao que ninguém prestou atenção, é que esta mulher, imigrante do Sri Lanka para os bons auspícios das casas abastadas de Stratford-upon-Avon, deixou para trás três filhos, cujas fotografias não vão aparecer em todas as esquinas, nem nas vitrinas dos cabeleireiros, nem nas portas dos correios. Ficaram para trás. Para que a mãe lhes pudesse dar de comer e pagar a educação é preciso que esteja presente para satisfazer as pequenas urgências, os caprichos, as rotinas, as carências de uma qualquer Maddie cujos pais não vão oferecer recompensas a quem recuperar os filhos perdidos da sua nanny.
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