Thursday, September 13, 2007

A Zé Povinho

A ideia da chinatown não é nova. Até já se tinha materializado ali para as bandas do Martim Moniz. Mais tarde foi devorada pelo fogo, e por isso o projecto voltou a ficar pelo território das ideias. Agora, uma coisa é ter uma chinatown, planeada de raiz, ou então resultante das dinâmicas de segregação urbana; outra, é correr com os comerciantes chineses para devolver a Baixa aos cidadãos. Mas quais cidadãos? Julgando pelo exemplo da Avenida da Liberdade, a imagem do cidadão que por lá se passeia andará entre o turista desprevenido, as putas e os senhores com as suas madames que vão fazer compras ao “comércio tradicional” dos “Rosa e Teixeira”, Luis Vuitton e quejandos. Por conseguinte, o mais tradicional do comércio tradicional.
Que a Baixa foi abandonada aos porcos, é fácil de constatar. Nenhuma outra cidade, como aqui já referi, tem um centro completamente paralisado, deserto, sem vida, como Lisboa tem aos fins-de-semana. A resposta é mais complicada, e não vale assacar as culpas aos chineses.
Não sendo eu urbanista, mas gostando de me passear pela Baixa, encontro três razões fundamentais para este estado de coisas. Primeiro, uma total ocupação por escritórios ministeriais que tornaram a Baixa propriedade do estado. Tal facto conduziu a que a maioria dos edifícios deixasse de estar disponível para aluguer, sobretudo os andares térreos onde geralmente se instala o comércio. Segundo, a (i)racionalidade do aprofeitamento de potenciais espaços de comércio através do formato urbanístico do centro comercial. Mesmo o Chiado, acabou por se sujeitar a essa forma endémica da espacialização lisboeta chamada centro comercial. Resultado: toda a gente encafuada em mais um prédio cheio de lojas. Terceiro, a racionalidade dos centros comerciais não surge por acaso; é porque os preços do aluguer são proibitivos, que os lojistas preferem soluções que lhes garantam economias de escala. Num sítio onde se concentram muitas lojas, pelo menos tenho a certeza que irei beneficiar das sinergias trazidas pela proximidade a todas as outras lojas. Por isso a Loja das Meias morreu, porque se viu gradualmente isolada de todos os potenciais espaços comerciais – salvo o animatógrafo do Rossio, mas é duvidoso que alguém que se desloque para comprar uma vagina mecânica vá a seguir adequirir um cascolzinho e uma camisa de xadrez.
Ora, o que fizeram a maioria das cidades europeias para revitalizarem os seus centros? Correram com os chineses? Não me parece. Engendraram esquemas de financiamento diferenciados para capatarem não só os matulões do comércio como também darem a oportunidade ao pequeno comércio. Pela simples razão de que um gajo não vai beber um galão e comer um queque à Luis Vitton, mas sim à tasca do Manel, que pode ser mais ou menos tasca, consoante os gostos. Por isso, a maioria das cidades europeias conseguiu revitalizar os centros com esta combinação extremamente bem sucedida de grandes lojas e pequeno comércio. Mas com esquemas de financiamento assimétricos, porque senão só lá caem os empreendimentos Belmiro.
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Mas Portugal é um país dual: de gordos e de magros. A passagem de um para outros é apenas questão de saber quando é que se há-de enfiar a próxima colherada.

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