Monday, September 10, 2007

A arrogância do império de sua majestade


O caso de Madeleine Maccan, mais do que mostrar quão insaciável é a curiosidade humana pela miséria e azar dos outros – incluindo a miúda-, revela a sanha com que os países europeus se atacam uns aos outros e a rapidez com que o verniz se parte quando surgem quezílias entre as nações. Isto não tinha que ser assim. Ou melhor, nada no conspecto europeu indiciaria que os países que fazem parte de uma mesma união – mas que significa ela, para além de livre circulação de pessoas e bens – se pudessem digladiar pela autoria de um crime. Isto é tanto mais ridículo quanto parece que neste caso se tornou mais importante imputar o crime ao outro do que propriamente resolvê-lo.

O caso MacCan possui todos os contornos de um incidente diplomático. Por um lado, jornais a lançarem acusações contra o país adversário; especulações e comentários pouco judiciosos por parte de pessoas com alto grau de responsabilidade – Barra da Costa é a perfeita exemplificação de como se pode cair no dislate apenas por defesa de orgulho corporativo. Por outro lado, saltaram acusações de incompetência como se fossem o santo e a senha desta contenda. Se os jornais britânicos acusaram a polícia portuguesa de ser incompetente, os portugueses não se fizeram rogados e demonstraram por artíficios retóricos como era possível um laboratório britânico demorar tanto tempo com uma porcaria de umas análises. Ninguém percebe nada do raio das análises, mas assim como assim, as esclarecidas mentes jornalísticas – e policiais – disseram imediatamente que aquilo era coisa para se fazer em 48 horas. Ora num país que é famoso pela expediência com que trata todos os seus assuntos, desde operações de cirurgia até reembolsos das finanças, uma tão enfática declaração de celeridade passa por ser algo de inusitado.
Do outro lado da mancha, andam os tablóides e outros menos amarelos a especular sobre as culpas que a polícia portuguesa possa ter tido no desenrolar deste caso. Sobretudo, quanto à sua resolução, caso se conclua que os pais da pequena estiveram envolvidos no seu desaparecimento. Como diz o artigo do Guardian acima citado, eles bem que preferiam que fosse um português, feio e façanhudo, com historial de crimes sexuais, de preferência com muita pedofilia à mistura, e se pudesse ser cigano, isso seria a cereja no topo do bolo! Infelizmente as sinuosidades da criminologia não se vergam facilmente às esterotipias jornalísticas. E lá temos problemas: porque se anda um país todo a suspirar para que seja um porco de um português e resulta que sai na rifa um casal oxigenado, da melhor cepa britânica, cirurgião destacado no seu círculo eleitoral, é caso para estragar os fantasmas aos súbditos de sua majestade.
E no entanto, ou apesar disso, o impasse a que a investigação parece ter chegado não augura um desfecho fabuloso para a história. Não obstante os jornais portugueses berrarem que há provas irrefutáveis contra os MacCan, porque o teste do ADN deu positivo quer nas roupas da mãe quer num carro alugado três semanas após o desaparecimento, o facto é que se o teste de ADN não fornece uma correspondência perfeita, existe margem muita alargada para diversas hipóteses. Lá vêm os peritos ingleses, estrategicamente silenciados pela imprensa portuguesa, avisar que, sim senhora, há ADNs compatíveis, mas é preciso saber, sem margem para dúvidas, se o ADN não pertencerá aos irmãos. Não possuo conhecimentos suficientes sobre as leituras de teste de ADN, porém o que parece relevante é que ainda não há prova irrefutável, apesar de os jornais portugueses darem já o caso por encerrado.
Os britânicos, na sua arrogância costumeira, continuam a achar – e a propalar – que é impensável que a autoria de um tal crime pudesse ser atribuída a uma bela família de classe alta britânica. A polícia portugueza (e suspeita-se que o governo sócrates também) reza à senhora de fátima para que o crime tenha sido cometido pelos insidiosos burgueses da britânia, vindicando assim uma vitória que nos foi roubada nos idos de 60 (um dia hão-de ser os gregos, mas isso terá que ser por uma qualquer desavença sobre as origens da Acrópole). Portanto, as apostas estão lançadas e é ver quem dá mais. De um lado, um país suspenso no bom nome da sua polícia. Do outro, um país à beira de um ataque de nervos pelo bom nome da sua gente. Só que, se crimes e acidentes respondessem a padrões de previsibilidade (e esta é sempre fundada num qualquer preconceito) não existiam detectives nem companhias de seguro. Como dizem do outro lado do canal: Shit happens!

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