Wednesday, December 26, 2007

Se de ti me esquecer, ó Jerusalém



Acabo de ler “Jerusalém”, o tão celebrado quanto premiado livro de Gonçalo M. Tavares. Apraz-me dizer que M. Tavares não é um escritor adulto. Ou melhor: é um escritor que se encontra ainda confundido com as dores de parto da escrita. Nesse sentido, reitera tudo o que é cliché, chegando por vezes (muitas) a raiar a mais ostensiva infantilidade. O que alicia, ou aliás, ofusca tanta gente nesta escrita pueril, ultrapassa o meu entendimento. Esteticamente, naquilo que se poderia atribuir a uma obra como o seu quinhão de fruição estética, o seu valor é nulo. Mal escrito; recorrendo a soluções de uma evidência desconcertante; com um vocabulário reduzidíssimo para que as suas frases, tiradas, paradoxos e piscares de olho à filosofia ocidental passem por ser mais do que simples arremedos de outras coisas mais consistentes e vastas. Assim se passa do tratamento do mal – a eterna questão do mal – para o padecimento, senescência, decadência do corpo, através de pequenas charadas, efeitos óbvios que não surpreendem (ou não deviam surpreender) nenhum leitor que se preze. Significa isto que as dezenas de luminárias que lhe dedicaram as mais variadas louvaminhas estão todos errados? Sim, tudo leva a crer que sim. E digo isto com a imodéstia de alguém que passou duas horas a ler “intensidades”, “eficácias”, “absolutamente claras”, completamente absurdas”; meninos maus à compita com “homens maus”, cheios de “agressividade” e etc. Se isto visa supostamente ilustrar o mal, afigura-se-me uma das tentativas mais canhestras com as quais já me cruzei. A literatura sobre o mal não se faz anunciar com fanfarra e esporas de cavalo no chão de mármore (de Aljezur). É subtil; revela-se gradualmente, e nunca por nunca se nomeia directamente – talvez por isso é que a religião inventou tantas metáforas para o identificar. Por exemplo, o Heathclif do Wuthering Heights – aí está uma personificação do mal, do mal absoluto que se vai denunciando à medida da urdidura. O que se passa em “Jerusalém”, é um esforço infantil de construir uma personagem que equacione o mal. Esforço gorado, posto que tem que se dizer “este homem é mau!” Os traços físicos, o físico, a explicitação do material – a sistemática aparição dos termos materiais, materialidade, materializado, etc – por oposição ao espiritual é concretizada com a mesma subtileza de um elefante num jardim japonês (variante da loja de porcelanas mais consonante com o século asiático que se avizinha). Daqui surgem as frequententes referências à “materialidade” das coisas e à “espiritualidade” de outras coisas, por vezes de acções, numa salganhada que parece inteligente, mas suspeito que não seja.
Se esteticamente é uma tortura, ou seja, se o seu valor literário aproxima-se do zero, no terreno das ideias não estamos melhor. O livro, como já vem sendo hábito nos escritos de M. Tavares, procura situar-se num território híbrido entre filosofia e literatura; entre ideias e imagens. Quanto a ideias, são de uma magreza que só os corpos dos campos de concentração apreciados por Theodor podem servir de comparação. Desde a ideia mal concebida de uma escala de maldade humana, que o escritor encontrando-se sem soluções para um passo demasiado comprido a que arriscou, afasta abruptamente, revelando um manobra tanto efusiva quanto inconsequente; até ao permanente reenvio para a redescoberta da religião, do ser religioso, tudo se arrasta num invocar penoso de outras leituras, outros tempos, outras autorias. Aliás, inventar uma escala de maldade humana para depois explicar que a história da humanidade é paralela à do indivíduo e que ambas resultam do equilíbrio entre forças negativas e positivas é de bradar aos céus – muito Zen, muito new age, muito qualquer coisa que a mim me soa àquelas tentativas de originalidade que usualemente os jovens com ambições a escritores cometem (como se fosse um crimo, pois então) quando andam no liceu. Conheci alguns.
Não esquecer o nome “Spengler” numa das personagens, mais uma erudita piscadela de olho que vale, opino, para o ego desmesurado do escritor.
Chegando aqui não vale a pena acrescentar muito mais. O livro, eventualmente, impressiona pela sua pós-modernidade; pelo seu vaidoso colear por entre mestres como Kafka, Musil, Krauss; com uma diferença: estes escreviam boa literatura e não se contentavam com sobrevoar umas curiosidades de café. Talvez gostássemos de ter o nosso Kafka. Porventura, já que temos um Ronaldo a jogar no Manchester, e agora com o rosto a encimar qualquer taipal citadino (nem o Mao insistiu tanto no culto da personalidade), gostaríamos que chegasse o nosso Musil; sobretudo para toda uma fileira de encartados letrados a quem qualquer sintoma de realismo provoca repulsa.
eu acho que não. E para que conta a minha opinião quando nomes como Saramago, Hélia Correia e Eduardo Lourenço tecem rasgados elogios? Para nada, obviamente. E se me encontro às avesas com os restantes (sem excepções, ao que parece) sou eu que devo estar enganado. Não preciso, nem quero, ser absolutamente moderno; e muito menos pós-modernaço. Resta-me a consolação de não ter largado quinze euros por uma tão descomunal pastelada.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Estoy leyendo a Tavares. He leído muy atentamente tu post y son muy apreciables, y por supuesto honestas, tus observaciones. Oesido.

5:10 PM  

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