"A Persistência do Olhar"
Este título foi roubado a uma tese qualquer, num tempo já indistinto. O olhar é um dos temas predominantes na filosofia do século XX; se calhar dos outros séculos também, mas disso não faço a mínima ideia. Minto. Há pelo menos um momento absolutamente consagratório para a importância do olhar e, em verdade, para a sua entronização como princípio filosófico. Refiro-me à Fenomenologia do Espírito, de Hegel (quem mais?), sobretudo o excerto onde se expõe a dialéctica do olhar. Em inglês o “gaze”, em espanhol “la mirada” em croata “piljiti”; seja qual for a língua ou o dialecto, o olhar possui uma prepoderância desde que Hegel nos convidou a pensarmo-nos através do outro. O “gaze” fez caminho pela psicanálise, e o maior esgaziado de todos foi Lacan com os seus espelhos e a mirror stage. Mas já a bruxa da Branca de Neve tinha inaugurado a importância do reflexo segundo o espelho lacaniano. E a conclusão? Há quem permaneça permanentemente na fase do espelho, preso, agrilhoado qual Prometeu, sujeito a nunca se olhar através do colectivo, ou seja, a substituir o espelho pelo simbólico. Raios-parta se não é isso que acontece à maioria das pessoas? Repare-se que é a Branca de Neve que ganha a partida, mas a que preço? Será que podemos ser os mesmos depois de bebermos da água do Lete, e dar-mos um aperto de mão ao Hades? Sucede que o sono da Branca é um arremedo de morte. Acorda para o amor? Mas já não é a mesma; atravessou a fronteira que separa os vivos dos mortos – renasce como espectro.
Sartre estava preocupado com o “olhar” e dessa preocupação aduziu praticamente toda a sua filosofia. O mesmo que o outro, o das máscaras, que se submeteu à persistência do olhar deixando-se objectivar, no seu enigmático patuá diz-se...coisificar.
Ora o olhar, o “gaze”, “la mirada” objectiva, coisifica, e é justamente na sua persistência que nos confrontamos com a necessidade, indeed, a indispensabilidade, de sermos olhados. Quem olha quem, e como se olha, são as questões que se encontram nos fundamentos da ética. É claro que ao sermos olhados somos roubados de nós próprios, que de qualquer das maneiras, este “próprio”, torna-se numa impossibilidade caso não sejamos olhados.
Os portuguese curiosamente prestaram pouca atenção ao olhar. Em vez de persistência o que encontramos na cultura portuguesa é uma espécie de indolência do olhar. Indolência essa que se sagrou em expressões canónicas como “olhos de carneiro mal-morto” ou “olhos de bezugo”. Qualquer delas invoca mais do que a permanência do “gaze” a sua simples desistência, ou se quisermos, o seu adiamento. O olhar quando invocado pelos pensadores portugueses ou é um olhar para dentro, mistificação solipsista, ou é um olhar para o além – o futuro, o passado, o destino –olhar contemplativo que não actua nem se envolve. Raramente é um olhar para o “outro”.
Sartre estava preocupado com o “olhar” e dessa preocupação aduziu praticamente toda a sua filosofia. O mesmo que o outro, o das máscaras, que se submeteu à persistência do olhar deixando-se objectivar, no seu enigmático patuá diz-se...coisificar.
Ora o olhar, o “gaze”, “la mirada” objectiva, coisifica, e é justamente na sua persistência que nos confrontamos com a necessidade, indeed, a indispensabilidade, de sermos olhados. Quem olha quem, e como se olha, são as questões que se encontram nos fundamentos da ética. É claro que ao sermos olhados somos roubados de nós próprios, que de qualquer das maneiras, este “próprio”, torna-se numa impossibilidade caso não sejamos olhados.
Os portuguese curiosamente prestaram pouca atenção ao olhar. Em vez de persistência o que encontramos na cultura portuguesa é uma espécie de indolência do olhar. Indolência essa que se sagrou em expressões canónicas como “olhos de carneiro mal-morto” ou “olhos de bezugo”. Qualquer delas invoca mais do que a permanência do “gaze” a sua simples desistência, ou se quisermos, o seu adiamento. O olhar quando invocado pelos pensadores portugueses ou é um olhar para dentro, mistificação solipsista, ou é um olhar para o além – o futuro, o passado, o destino –olhar contemplativo que não actua nem se envolve. Raramente é um olhar para o “outro”.
1 Comments:
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