Este e enorme. Mas esta ao centro.
Uma das monstruosidades políticas da actualidade é o “centro”. O centro político, não como lugar geométrico que marca uma equidistância, mas como uma master narrative do consenso. Temos assim que o “centro” simboliza o consenso, e não se trata apenas de uma divisória entre esquerda e direita. Quando Giddens colocou a hipótesse de uma superação da tradicional topologia do espaço político, tinha em mente uma sociedade do consenso; uma sociedade em que as grandes questões, assim como as grandes soluções, fossem partilhadas. E porque ganharam estas um carácter global, todos, mas todos sem excepção, estariam obrigatoriamente envolvidos na procura das soluções mais vantajosas. Estávamos “para além da esquerda e da direita” – no espaço do consenso.
De então para cá, o espaço do consenso, ou se tem mostrado demasiado poroso e cediço à pressão de lobis e do poder fático ou simplesmente resvala para derivas autoritárias, como bem exemplificam o caso Bush e Blair. Resulta daqui que o espaço do consenso é um espaço abstracto, provisório, irrealizável na facticidade da luta política. Digamos que o consenso é uma hipótese de trabalho eternamente adiável; nisso parecendo-se bastante com a utopia. Como outras utopias, não deixa esta de ser eficaz só porque não pode ser realizada. Pelo contrário, a sua força deriva justamente daí, de uma promessa inconcretizável, mas que determina o horizonte da acção. Seria demasiado redutor acantonar o consenso aos cenários de decisão política. O consenso é algo que extravassou o espaço político e atinge actualmente a maior parte das organizações. Tornou-se, por conseguinte, num mecanismo que atravessa grande parte das interacções sociais. Quem não se confrontou já com a fatídica questão em entrevistas de emprego sobre como resolver conflictos? E como ficam alegres e luzidios os olhos do entrevistador quando se lhe dá de bandeja que se tentaria chegar a um “consenso”? As miríades de reuniões, debates, comités que função possuem se não a de alcançar consensos? E a sistemática interpelação do público, dos inúmeros públicos, chamados a intervir em todos os assuntos – os fora são disso ilustração – como se todas as opiniões se equivalessem, que função podem ter que não seja o reduto último do consenso? Se pensarmos o “consenso” como um mecanismo bem mais abrangente do que os simples processos decisórios do espaço político, poderemos, com vantagens, em minha opinião, retornar à análise desse mesmo espaço.
Os partidos não estão no centro; o centro não existe, é uma ficção operativa imanente à própria política. Os partidos lutam pelo centro.
O liberalismo criou a ilusão de uma correspondência genética entre o centro e o parlamentarismo. A pretensão em consubstancializar o centro na forma parlamentar.
A modernidade originou essa outra noção que fixa, putativamente, o ponto arquimediano, a classe média. Mas, novamente, a classe média não passa de uma ficção. Se bem que os inquéritos se atarefam a dar-lhe expressão, não há nada que se fixe enquanto média nos desequilíbrios sociais. Para além de que a suposta classe média é composta por indivíduos que possuem dois desejos: ascender à classe rica; não cair nas classes pobres. Ambos significam uma potencial fuga da classe média. Seja como for, nas análises da institucionalização das democracias, como em Bendix ou Lipset ou mais recentemente Rushmayer, a classe média representa o ponto de viragem de um sistema não-democrático para um democrático. Só com o aparecimento de uma classe média suficientemente consolidade é que o trabalho preparatório para a institucionalização da democracia pode ser iniciado. Assim, a classe média é condição sociológica sine qua non para o surgimento e sustentação de um sistema democrático. A atribuição de um papel imanente à classe média no aparecimento da democracia, é a extensão lógica da ficção do centro assim como ele é visto pelo liberalismo parlamentar. Não traz portanto nada de novo: apenas uma reconfiguração das forças que lutam pelo centro. O facto de esta luta ser uma luta permanentemente inacabada – porque o centro não existe senão como horizonte da política – não foi suficientemente considerado pela ideologia liberal.
As relações entre a esquerda e o centro são, paradoxalmente, problemáticas. E digo paradoxalmente, porque o mesmo não se faz sentir, nem com a mesma intensidade nem pelas mesmas razões, à direita. Tentemos uma explicação provisória. Porque o centro é estático, na sua abstracção, mas as lutas pelo centro não o são, é provável que se crie a ilusão de um centro que se move: a ideia segundo a qual o eleitorado do centro oscila entre o centro-direita e o centro-esquerda conforme um desejo de rotatividade. Na verdade, é a própria luta pelo centro na qual os partidos estão empenhados que cria a ilusão de flutuação do eleitorado. Digamos que não é o eleitorado que se desloca, é a placa sobre a qual estes se encontram que é movida – são os eleitores que são forçados ao movimento pendular, e não os eleitores que forçam o movimento pendular. Isto tem consequências diversas para a esquerda e para a direita. A direita, até pela sua ascendência autoritarista, pretende confiscar o centro. A esquerda, porque confunde o centro com a forma do Estado (mas isto teria que ser explicado noutro lugar) tende a alienar o centro. Ora bem, não se trata, repito, de captar o eleitorado do centro, que não existe, é uma ficção. Mas nem por isso o centro deixa de ser uma ficção operativa para o funcionamento da política – aliás afigura-se a única operativa, à excepção dos sistemas que conservam o poder absoluto.
De então para cá, o espaço do consenso, ou se tem mostrado demasiado poroso e cediço à pressão de lobis e do poder fático ou simplesmente resvala para derivas autoritárias, como bem exemplificam o caso Bush e Blair. Resulta daqui que o espaço do consenso é um espaço abstracto, provisório, irrealizável na facticidade da luta política. Digamos que o consenso é uma hipótese de trabalho eternamente adiável; nisso parecendo-se bastante com a utopia. Como outras utopias, não deixa esta de ser eficaz só porque não pode ser realizada. Pelo contrário, a sua força deriva justamente daí, de uma promessa inconcretizável, mas que determina o horizonte da acção. Seria demasiado redutor acantonar o consenso aos cenários de decisão política. O consenso é algo que extravassou o espaço político e atinge actualmente a maior parte das organizações. Tornou-se, por conseguinte, num mecanismo que atravessa grande parte das interacções sociais. Quem não se confrontou já com a fatídica questão em entrevistas de emprego sobre como resolver conflictos? E como ficam alegres e luzidios os olhos do entrevistador quando se lhe dá de bandeja que se tentaria chegar a um “consenso”? As miríades de reuniões, debates, comités que função possuem se não a de alcançar consensos? E a sistemática interpelação do público, dos inúmeros públicos, chamados a intervir em todos os assuntos – os fora são disso ilustração – como se todas as opiniões se equivalessem, que função podem ter que não seja o reduto último do consenso? Se pensarmos o “consenso” como um mecanismo bem mais abrangente do que os simples processos decisórios do espaço político, poderemos, com vantagens, em minha opinião, retornar à análise desse mesmo espaço.
Os partidos não estão no centro; o centro não existe, é uma ficção operativa imanente à própria política. Os partidos lutam pelo centro.
O liberalismo criou a ilusão de uma correspondência genética entre o centro e o parlamentarismo. A pretensão em consubstancializar o centro na forma parlamentar.
A modernidade originou essa outra noção que fixa, putativamente, o ponto arquimediano, a classe média. Mas, novamente, a classe média não passa de uma ficção. Se bem que os inquéritos se atarefam a dar-lhe expressão, não há nada que se fixe enquanto média nos desequilíbrios sociais. Para além de que a suposta classe média é composta por indivíduos que possuem dois desejos: ascender à classe rica; não cair nas classes pobres. Ambos significam uma potencial fuga da classe média. Seja como for, nas análises da institucionalização das democracias, como em Bendix ou Lipset ou mais recentemente Rushmayer, a classe média representa o ponto de viragem de um sistema não-democrático para um democrático. Só com o aparecimento de uma classe média suficientemente consolidade é que o trabalho preparatório para a institucionalização da democracia pode ser iniciado. Assim, a classe média é condição sociológica sine qua non para o surgimento e sustentação de um sistema democrático. A atribuição de um papel imanente à classe média no aparecimento da democracia, é a extensão lógica da ficção do centro assim como ele é visto pelo liberalismo parlamentar. Não traz portanto nada de novo: apenas uma reconfiguração das forças que lutam pelo centro. O facto de esta luta ser uma luta permanentemente inacabada – porque o centro não existe senão como horizonte da política – não foi suficientemente considerado pela ideologia liberal.
As relações entre a esquerda e o centro são, paradoxalmente, problemáticas. E digo paradoxalmente, porque o mesmo não se faz sentir, nem com a mesma intensidade nem pelas mesmas razões, à direita. Tentemos uma explicação provisória. Porque o centro é estático, na sua abstracção, mas as lutas pelo centro não o são, é provável que se crie a ilusão de um centro que se move: a ideia segundo a qual o eleitorado do centro oscila entre o centro-direita e o centro-esquerda conforme um desejo de rotatividade. Na verdade, é a própria luta pelo centro na qual os partidos estão empenhados que cria a ilusão de flutuação do eleitorado. Digamos que não é o eleitorado que se desloca, é a placa sobre a qual estes se encontram que é movida – são os eleitores que são forçados ao movimento pendular, e não os eleitores que forçam o movimento pendular. Isto tem consequências diversas para a esquerda e para a direita. A direita, até pela sua ascendência autoritarista, pretende confiscar o centro. A esquerda, porque confunde o centro com a forma do Estado (mas isto teria que ser explicado noutro lugar) tende a alienar o centro. Ora bem, não se trata, repito, de captar o eleitorado do centro, que não existe, é uma ficção. Mas nem por isso o centro deixa de ser uma ficção operativa para o funcionamento da política – aliás afigura-se a única operativa, à excepção dos sistemas que conservam o poder absoluto.
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