Wednesday, August 22, 2007

Mas afinal que raio é um “thermidoriano”?


A expressão é usada diversas vezes pelo Bruno. A última foi na posta referente a Mário Soares, onde B. Classificava MS de “thermidoriano”, assacando-lhe as culpas do assassinato do processo revolucionário (em curso?). Esta foi durante diversos anos, e ainda se mantém, a posição de muitos responsáveis do PCP. Sei de onde B vai buscar a sua inspiração, e não é tanto a etiquetagem que ele coloca em Mário Soares que me interessa aqui discutir (a qual, em princípio, até estou de acordo), mas sim a própria noção de thermidoriano com uma conotação moral, aparentemente negativa. A esta primeira questão liga-se outra, seu corolário imediato: poderá haver outra forma que não o thermidor?
A inspiração do Bruno é Badiou; a minha também. Por isso as questões são endereçadas ao Bruno, porque não me atrevo a fazê-lo em relação ao Badiou. Como não julgo – e nada de mal estará contido neste julgamento – que o Bruno tenha a possibilidade de as responder em definitivo, elas serão afloradas com a intenção de esclarecer alguns pontos em conjunto; ou pelo menos de olhar criticamente para alguns deles. A fórmula é simples, e prende-se em larga medida com a máxima da discussão nasce a luz.
O primeiro aspecto – e eximo-me a clarificar o contexto, porque são familiares ao Bruno – tem a ver com a existência do “thermidor” e logo da figura do “thermidoriano” apenas nas reacções; ou seja, Badiou assume que o thermidoriano aparece nas contra-revoluções de direita. O que faz sentido se levarmos em conta que o termo foi cunhado após a confiscação da convenção e que marca o termo da revolução francesa. Todavia, se o thermidoriano é o contra-revolucionário (isto muito a talhe de foice) não existirá ele, exactamente na mesma configuração, na estatização de esquerda? O que são Estaline, o Gulag, as purgas políticas senão o thermidor da revolução russa? É verdade que tanto Badiou e Zizek citam frequentemente, e cada vez mais, a fórmula maoista segundo a qual “a turbulência é algo excelente” (tradução aproximada). Mas será que alguma vez o maoismo enquanto regime cumpriu este desiderato. Não são o sistema de partido único, a revolução cultural, a longa marcha, indícios de um progressiva estatização, ou como diz, Badiou, de “estatização da situação”? De tal forma, que o thermidor comunista se prolonga até à praça de Tianamen e à pena de morte para prisioneiros políticos. Será que podemos verdadeiramente tomar à letra os escritos de Mao e será que são estes confirmados pela experiência? Bem sei que isto parece o estafado subterfúgio do fosso entre a promessa (teórica) e o socialismo real. Mas custa-me um bocado admitir que o momento revolucionário só tenha sido cerceado nas contra-revoluções de direita. Se a revolução está fadada a perder o seu momentum, como até Badiou admite, porque será que o thermidoriano tem que ser necessariamente um agente reaccionário de direita? São muitas questões em aberto. E fica ainda a última interrogação e aquela, que a meu ver, remata as contradições inerentes à revolução enquanto momento imanente do político: será que pode existir uma revolução sem thermidor? O que, citando os termos filosóficos do próprio Badiou se traduz por “is thought obliged to endure Thermidorian frameworks of its own ruination?”. Algo que o próprio Badiou prefere deixar irrespondido (Metapolitics, p.139, Verso).

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