Praha
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Uma explosao de oferta que dá de caras com a tao desejada procura - como desejam todos os manuais de economia -; um mundo onde o dinheiro percorre as ruas como uma enxurrada, correndo de supetao para as sarjetas mais proximas. Sim, porque ha vitimas desta terapia de choque espalhadas pela cidade, cuidadosamente rejeitadas dos centros turisticos, empilhadas em jardins e em cantos das estacoes de comboios. A ver passar os comboios, portanto, como uma das personagens de Hrabal.
No meio da euforia concentracionaria de turistas e passeantes, duas coisas, pelo menos ressaltam da vida nas ruas de Praga. Primeiro, uma classe de novos-ricos, riquissimos, que se passeiam em Lamborghinis e Porches. Estes, adivinha-se, resultaram do processo de privatizacoes em catadupa onde a especulacao atingiu niveis ineditos. Pois aí esta a nova aristocracia checa, embora a velha ainda sobreviva, regressada dos EUA e mais ricos do que nunca. Os Lobowics, as suas coleccoes, as fortunas restituidas, sabe deus porque, mas ainda bem porque agora doam os seus espolios á cidade e todo o turista com uma camara fotografica, mesmo no telemovel, pode com elas maravilhar-se.
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Um busto de Havel encima umas escadarias de marmore, um busto num retabulo dourado, mas este Havel é o engenheiro que construi o centro comercial. E pergunto-me se seriam da mesma família e se por ironia do destino, um velho familiar do Havel politico, teria constuido o café onde mais tarde este ultimo iria conspirar. As linhas familiares predizem o destino com a presciencia das tragedias gregas, pensei, distraindo-me simultaneamente com umas pernas esculturais que atravessavam o átrio de onde o busto de Havel, o engenheiro, espreitava.
Mas esqueci-me da segunda coisa que ressalta da paisagem, se afastarmos as cortinas de turistas que insistem em separar Praga dos seus soliloquios. Uma vinganca sobre Kafka e essa sua mania de fazer tudo a sua medida. A aspiracao quase doente, demente, insuportavel, de fazer parte da grande vaga do capitalismo, de comungar com a especulacao, com a riqueza bruta e imediata, com a ascensao a qualquer preco - e que preco tem ela por vezes -, uma vontade de arrazar tudo para vencer, para subir, para mostrar que se vale bem mais do que todos os outros, para aparecer, para demonstrar, para cuspir, para rejeitar, uma forca comunicavel nas minimas accoes e posturas - mulheres sentadas em cafes com oculos escuros a mostrar que sao, ou ainda podem vir a ser, donas do mundo -, mulheres belas com velhos gordos e ricos, status a perder de vista, a comocao consumista numa vida que nao tem rasto para a compaixao. Morre Shopenhauer, nasce o homem novo. Marx is dead, long live Marx!
E Kafka estará desgostoso, á porta de qualquer coisa, da sua Praga talvez, á porta já nao da lei, mas do quarto no qual assiste a esta ultima metamorfose: a da sua Praga transformada em parque de diversoes. E na sua éfigie nota-se que Praga lhe retribuiu em dose equivalente, empurrando-o para um canto onde o seu rosto se molda a uma esquina, um rosto magro penetrado por um angulo recto como a perpetuar-lhe a angustia.
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