Depois há Fátima
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Debaixo de uma azinheira, passava o tempo Lúcia. Enquanto apascentava as cabras (o irmão e a irmã, os três pastorinhos brincavam concuspiscentemente com os seus sexos ainda mal desenvolvidos; afastava-se assim a hipótese de zezinho desflorar a irmã, algo que há muito observavam como comportamento corriqueiro nas cabritas que por ali cagavam e mijavam), mas dizia, enquanto Lúcia deitava um olho às cabras, não se preocupando enquanto o seu balido não denotasse nenhuma contraproducência (do género, ciganos a rapinarem gado, que por aquelas paragens era mato), entretinha-se Lúcia a desfolhar a amarelecida versão do Inferno de Dante traduzida pelo padre Abrantes de Oliveira. Era Lúcia dada à terça rima e nutria especial apreço pelas descrições mais violentas dos confrontos venezianos que Dante se entretera a dar vida num dos seus anéis – salvo erro, o quarto. Lúcia, que da vida apenas sabia aproveitar os bonicos das cabras para ajuntar à lareira e produzir calor, conhecia também alguns versos de Horácio, que decorara quando o padre Alfredo, da igreja mais próxima da Cova da Iria, lhe encovava na sua pequena pachacha uma velha vela de parafina já gasta, e que por isso adqui
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O primeiro segredo, assim como é relatado pela irmã, possui adjacências com o primeiro segredo de Taveira. Este último, revelaria mais tarde em frente de Câmaras de video judiciosamente colocadas em pontos providenciais que ali estava “um verdadeiro inferno”. E nem era para menos, posto que era de lura escura e inóspita que se tratava de garimpar.
O primeiro segredo é uma visão do inferno, esqueceram-se? Uma visão dantesca, com negros demónios e almas a serem arrastadas pela lava candente. Lúcia conta na sua carta ao Santa Padre, como a senhora lhe deu a conhecer o inferno (isto já depois de o padre Alfredo lhe ter dado a conhecer o céu). E a visão é estranhamente igual à visão do inferno que toda a cristandade ocidental tem alimentado desde que Bosh pintou as suas delícias. Por conseguinte, Lúcia não foi supinamente original, mas nem a senhora a queria enganar, e por isso reproduziu fielmente aquilo que toda a gente já sabia que seria mais coisa menos coisa o inferno. Vale a pena transcrever um pedaço: Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fôgo que parcia estar debaixo da terra. Mergulhados em êsse fôgo os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronziadas com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que d'elas mesmas saiam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faulhas em os grandes incêndios sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dôr e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demónios destinguiam-se por formas horríveis e ascrosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros”. Depois disto ninguém fica indiferente aos dotes l
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Se a consagração da Rússia aparece numa linguagem despida e mais chegada à aridez da geopolítica do que à imagética medieval, já o terceiro segredo regressa ao estilo visionário, profético-alucinado concordando alguns teólogos que Lúcia estaria novamente com o inglês. É por esta altura que Lúcia vê banhos de sangue Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, n'êles recolhiam o sangue dos Martires e com êle regavam as almas que se aproximavam de Deus. Anjos com regador de cristal na mão é obviamente uma metáfora sexual. Mas para significar o quê? O lado gore de Lúcia não passou despercebido a tipos como Sam Raimi, Rodriguez e King. Diriam mais tarde que a sua grande inspiração tinha sido o terceiro segredo de Fátima, não esquecendo Carpenter, claro. É controverso se foi Lúcia que se inspirou em Carpenter ou o contrário. É verdade que foi encontrado nas gavetas do segundo rabiscos com a cópia das palavras de Lúcia que dizem ter sido surripiadas da biblioteca do Vaticano no tempo em que ainda se podiam levar até três livros para casa. Carpenter viria mais tarde a utilizar a ideia dos regadores nos “Ghosts from Mars” sobretudo quando às sevícias corporais se segue o aspergir imparável de sangue. A ideia dos regadores recolherem o sangue dos mártires para depois regarem com esse mesmo sangue, até a Eli Roth pareceu excessiva que se contentou em furar uma caixa toráxica com um berbequim. Mas tudo isto não passam de especulações. O que se sabe é que o Santo Padre gostou e reviu-se no calvário de sangue que Lúcia antecipara, uma antecipação atrasada, no entanto, dado que este terceiro segredo foi revelado depois de ter acontecido. Algo que não levou ninguém a ficar p
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