Nóbel, Odete. Nóbel.
“My name has been on the short list for such a long time.” Lessing em entrevista com os jornalistas à entrada da sua casa.
O debate sobre a qualidade literária do Nobel suscitado pela revolta serôdia do Atlântico contra Doris Lessing, mostra os entorses da crítica não literária quando esta sentencia sobre literatura. O que é que isto quer dizer? Significa que a ideologia está viva e que as batalhas pelo gosto canónico são absolutamente informadas por escaramuças ideológicas.
Agarra-se no Bloom e porque este diz que Lessing não presta e vai de fazer coro com os anti-political correctness de serviço. Que estes são de todo o jaez e feitio, restam poucas dúvidas. Mas aqui, no caso dos comentários em Portugal, mostram um provincianismo, uma mesquinhez, uma menoridade confrangedoras. Se dúvidas haviam de que tendências políticas se reflectem nas escolhas literárias, penso que uma breve passagem em revista pelos jornais e blogtosfera portugueses as dissipam facilmente. Há um nome que surge em uníssono: Roth. Gritam Roth na blogosfera, e, espantoso, abro o DN hoje e lá vem um artigo de opinião a soluçar por Roth. Cada vez que Roth publica um livro é um borburinho entusiástico ao qual não podemos ficar indiferentes. De onde veio este consenso em torno de Roth? E por que razão é ele incensado tão unanimemente pela nova direita conservadora?
A minha interpretação é a de que Roth é um escritor absolutamente anódino. No sentido em que o que diz agrade sobremaneira aos críticos do politicamente correcto e não desafia minimamente a imaginação do leitor. Trata-se de uma leitura mais elaborada para yuppi cultivado. Se o Harry Potter faz a delícia dos adolescentes porque os coloca num mundo sunambúlico que não aquece nem arrefece, Roth faz o equivalente para os adultos. Não admira portanto que a direita conservadora encha a boca de Roth. Mesmo quando ele é Roth, no seu melhor, é sempre demasiado bem comportado. Quer estética quer narrativamente. Roth é o escritor que passa entre as gotas da chuva.
O que é curioso neste encadeado perfeito de reacções é que todos os críticos do Nobel deste ano, começam por dizer, não a li, mas... Há dois aspectos a distinguir nesta formulação: primeiro, é perfeitamente hipócrita considerar que este foi o único prémio Nobel concedido por outras (pressupostas) razões que não a qualidade literária. Basta lembrar o prémio Nobel da literatura dado a Churchill ou a Solzhenytsin para que nos apercebamos que a acusação tem tanto de extemporânea como de falaciosa. O prémio Nobel foi para Solyentzin em 70, mas bem que podia ter ido para Nabokov que ninguém no seu perfeito juízo ousaria sequer comparar em termos literários. A guerra-fria foi também palco para inúmeros exercícios em contorcionismo literário, chamemos-lhe assim. Para além disso o Nobel nunca premiou alguns que viriam a revelar-se como verdadeiros merecedores de figurar no panteão literário mundial, faltas imperdoáveis como Joyce e Borges ou o já referido Nabokov, mas também Greene e se recuarmos no tempo as inexplicáveis ausências de Virginia Wolf ou Conrad. Os exemplos são variados. Em resumo, o Nobel está longe de ser objectivo, e o da literatura parece que ainda o é menos.
Segundo, o que parece suscitar o escárnio de blogs como o Atlântico prende-se mais com o facto de Lessing ser feminista do que com a sua qualidade literária. Mas também não é muito complexo perceber como surgiu a ideia e como ela, como qualquer rumor, foi disseminada tão facilmente. Também aqui é o google que nos fornece a resposta. O artigo vem no Herald Tribune, bastião do jornalismo conservador nas terras do tio Sam. Veja-se como as opiniões obedecem a uma contingência condicionada. Disparate? Eventualmente. Tenhamos o despudor de enveredar então pelo disparate. Se o blog Atlântico fosse cliente da New York Review of Books teria chegado a conclusões de certo bem diversas. Diria então que Lessing é um farol para a causa feminista; escritora que deu voz à real experiência das mulheres, etc, etc. Nem Bloom com o seu azedume do costume contra tudo o que remotamente se assemelhe a politics of identity nem o coro de carpideiras a chorar pelo esquecimento, mais uma vez, de Roth. A inversão dos gostos, na nossa época de pluralismo explosivo, é tão sensível que basta uma pequena deslocação para que se provoque uma autêntica hecatombe no fim da corrente opinativa. Muito teoria do caos, concedo. E muito bloomiana esta sensação de que deixaram de haver valores coerentes e trans-contextuais que possam aferir a qualidade literária de um escritor.
Agarra-se no Bloom e porque este diz que Lessing não presta e vai de fazer coro com os anti-political correctness de serviço. Que estes são de todo o jaez e feitio, restam poucas dúvidas. Mas aqui, no caso dos comentários em Portugal, mostram um provincianismo, uma mesquinhez, uma menoridade confrangedoras. Se dúvidas haviam de que tendências políticas se reflectem nas escolhas literárias, penso que uma breve passagem em revista pelos jornais e blogtosfera portugueses as dissipam facilmente. Há um nome que surge em uníssono: Roth. Gritam Roth na blogosfera, e, espantoso, abro o DN hoje e lá vem um artigo de opinião a soluçar por Roth. Cada vez que Roth publica um livro é um borburinho entusiástico ao qual não podemos ficar indiferentes. De onde veio este consenso em torno de Roth? E por que razão é ele incensado tão unanimemente pela nova direita conservadora?
A minha interpretação é a de que Roth é um escritor absolutamente anódino. No sentido em que o que diz agrade sobremaneira aos críticos do politicamente correcto e não desafia minimamente a imaginação do leitor. Trata-se de uma leitura mais elaborada para yuppi cultivado. Se o Harry Potter faz a delícia dos adolescentes porque os coloca num mundo sunambúlico que não aquece nem arrefece, Roth faz o equivalente para os adultos. Não admira portanto que a direita conservadora encha a boca de Roth. Mesmo quando ele é Roth, no seu melhor, é sempre demasiado bem comportado. Quer estética quer narrativamente. Roth é o escritor que passa entre as gotas da chuva.
O que é curioso neste encadeado perfeito de reacções é que todos os críticos do Nobel deste ano, começam por dizer, não a li, mas... Há dois aspectos a distinguir nesta formulação: primeiro, é perfeitamente hipócrita considerar que este foi o único prémio Nobel concedido por outras (pressupostas) razões que não a qualidade literária. Basta lembrar o prémio Nobel da literatura dado a Churchill ou a Solzhenytsin para que nos apercebamos que a acusação tem tanto de extemporânea como de falaciosa. O prémio Nobel foi para Solyentzin em 70, mas bem que podia ter ido para Nabokov que ninguém no seu perfeito juízo ousaria sequer comparar em termos literários. A guerra-fria foi também palco para inúmeros exercícios em contorcionismo literário, chamemos-lhe assim. Para além disso o Nobel nunca premiou alguns que viriam a revelar-se como verdadeiros merecedores de figurar no panteão literário mundial, faltas imperdoáveis como Joyce e Borges ou o já referido Nabokov, mas também Greene e se recuarmos no tempo as inexplicáveis ausências de Virginia Wolf ou Conrad. Os exemplos são variados. Em resumo, o Nobel está longe de ser objectivo, e o da literatura parece que ainda o é menos.
Segundo, o que parece suscitar o escárnio de blogs como o Atlântico prende-se mais com o facto de Lessing ser feminista do que com a sua qualidade literária. Mas também não é muito complexo perceber como surgiu a ideia e como ela, como qualquer rumor, foi disseminada tão facilmente. Também aqui é o google que nos fornece a resposta. O artigo vem no Herald Tribune, bastião do jornalismo conservador nas terras do tio Sam. Veja-se como as opiniões obedecem a uma contingência condicionada. Disparate? Eventualmente. Tenhamos o despudor de enveredar então pelo disparate. Se o blog Atlântico fosse cliente da New York Review of Books teria chegado a conclusões de certo bem diversas. Diria então que Lessing é um farol para a causa feminista; escritora que deu voz à real experiência das mulheres, etc, etc. Nem Bloom com o seu azedume do costume contra tudo o que remotamente se assemelhe a politics of identity nem o coro de carpideiras a chorar pelo esquecimento, mais uma vez, de Roth. A inversão dos gostos, na nossa época de pluralismo explosivo, é tão sensível que basta uma pequena deslocação para que se provoque uma autêntica hecatombe no fim da corrente opinativa. Muito teoria do caos, concedo. E muito bloomiana esta sensação de que deixaram de haver valores coerentes e trans-contextuais que possam aferir a qualidade literária de um escritor.
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