Tuesday, August 28, 2007

A arte de ser amado por um cachorro


Aos cães há que se lhes comprometer a saúde. É simples, um cão demasiado saudável torna-se um animal imprevisível. Os cães querem-se carentes, sobretudo se alimentarem pretensões a serem artistas. Um cão com vontade própria não é algo de nefasto em si mesmo, principalmente se pensarmos no espaço que isso outorga ao dono, aos vizinhos e à comunidade receptora. Um cão artista será, aventamos, um cão respeitado. O respeito grangeado estará na exacta proporção da sua debilidade física e do seu humor, sobretudo quando estes se encontram na proporção inversa. Muitos se questionam se um cão artista pode manter-se o fiel companheiro, se pode acompanhar-nos para todo o lado e lamber-nos as peúgas quando a geada cobre as folhas e as ramadas mais frágeis começam a denotar um alaranjado febril. A resposta é taxativamente, não. Mas esse é o preço a ser suportado pelo investimento na criatividade. Não tenhamos ilusões: o investimento na criatividade vem sempre em detrimento da fidelidade. Assim, se quisermos um cão fiel, é bom que lhe retiremos do alcance qualquer material que possa dar azo à acção criativa. Neste rol incluem-se pincéis, paletas, telas, lápis, canetas, mesmo pontas de carvão que possam ainda servir e que se tenham partido de velhas lapiseiras, plasticina ou qualquer derivado da argila, pedras, mármores, oxite e, porventura, xisto
e por fim, não rejeitemos a hipótese de que lhe seja estritamente vedado um piano.
Um cão artista, pelo contrário, tem de ser alimentado escrupulosamente a horas certas, a cadência com que acompanha o bater de um sapato que marca o compasso do doo-bop de Miles, é um firme indicador de que algo que se está a constituir na sua mente ainda mal mapeada em termos de agitação performativa. Alguns pensarão que o balet poderá ser uma má influência em termos da sua virilidade. Não se apoquentem se o animal começar por mostrar tendências dançarinas, como um corpo imponderável que se lançasse em direcção a um abismo sem hora marcada.

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