Frustrações de 2007
Não faço listas. Nem elenco acontecimentos marcantes. Marcantes? Como se um ano pudesse estabelecer fronteiras entre o que é marcante e o que deixou de o ser. Por exemplo, considero marcante a recuperação daquele formato cabotino onde Pacheco Pereira defronta António Barreto no paroxismo da redundância. E esta expressão, tanto pedante como coxa, tem que se lhe diga. Mas não penso que isto, esta coisa, tenha marcado 2007. Não deixa por isso de ser marcante - para mim (evidentemente), para o país, para a sanidade mental dos espectadores.
A expressão anterior merece ser explicada, assim como o pouco simpático adjectivo "cabotino". Convenhamos que desde há muito que Barreto versus Pereira é um ersatz, que paradoxalmente devolve a justa medida da nossa democracia: o debate nem sempre representa diferença.
O exemplo mais ilustrativo deste paradoxo é sem dúvida este ensaiar de posições artificiais, este arremedo de Bouvard e Pécuchet para uma época televisiva; esta emulação de Dupond e Dupont. E aqui temos o cabotino e o redundante.
Por isso foi marcante vê-los regressar, agora entrevistados por uns jornalistas do Expresso cujo olhar assombrado fica preso a cada palavra proferida pelos profetas da política portuguesa.
Gramsci definia o seu intelectual orgânico como alguém ligado a uma organização. Na sua organicidade de intelectuais, poderia dizer-se que estes dois intelectuais se ligam aos media; é este o seu papel orgânico no Portugal actual.
A páginas tantas discutem os dois a questão do BCP. Ambos deixam transparecer uma preocupação (sincera? Penso que sim) pelo iminente desaparecimento do maior banco privado português. Nas palavras de Barreto, ressoa ainda o predicado "maior" emprestando-lhe uma caução moral pela simples quantidade. Como se o desaparecimento da cosa nostra, lá por ser o maior grupo mafioso da Itália, nos devesse contristar. Para não variar, Dupond diz "sim, é preocupante, o desaparecimento do maior banco privado português"; e logo a seguir, acrescenta Dupont "eu diria mesmo mais: é preocupante o desaparecimento do maior banco privado português". E há perigos que espreitam: a alienação do BCP por um qualquer grupo privado espanhol; pior, a nacionalização do BCP!
Por mim tanto se me fazia. Um bando de mafiosos que se oferecia a si próprio remunerações para além do imaginável...Qual quê: obscenas, pornográficas, escandalosas, e o caraças. Por isso, perder o BCP? Meu deus, que catástrofe, que apocalipse! Como viveremos sem o BCP? Sem o rosto simpático, honesto e profissional de Jardim Gonçalves? O BCP, esse bastião da moral; encontro entre a espiritualidade "opusdeica" e a materialidade do capital - do capital porco! E as preocupações dos nossos intelectuais orgânicos mais queridos é que o BCP desapareça. Para eles, o avanço do Estado (a ingerência, mais certo!) para dentro do BCP significa um perigoso revés para a iniciativa privada. Não interessa que o maior banco privado português fosse comandado por um conluio de mafiosos, de escroques, de vigaristas multimilionários. Não. O problema, o que abala as fundações da nossa moral nacional é que venha aí uma nacionalização. Os dois intelectuais sabem bem que não vem aí nenhuma nacionalização. Assim como aposto que sabem igualmente que a passagem de Vara da Caixa para o BCP anuncia mais uma privatização no horizonte do que o seu contrário. Se sabem isto, podiam também dizer que os negócios pouco claros do BCP em armamento, tráfico e lavagem de dinheiro, são material explosivo para ser deixado ao acaso. A "interferência" de dois "agentes" do Estado apenas implica que o governo quer ter algum controlo num polvo que está fora de controlo. E se isto soa a comissário Catani, é porque estou convencido que em relação ao BCP precisávamos de uma "operação mãos limpas".
Acontecimento marcante? Sem dúvida. Apenas temo que irá continuar a marcar por muitos e bons anos. Feliz 2008 no país da "Cosa vostra".
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