Sunday, December 02, 2007

O sexo de dentro


Como é que se faz uma crítica da trans-sexualidade sem se juntar ao conservadorismo tradicionalista e católico? Acredito que o género é uma construção social e que, independentemente das diferenças orgânicas, as diferenças na codificação do comportamento de género espelham uma sociedade patriarcal e heterosexista. A construção da identidade de género é aliás bastante precoce, desde o berço, diria eu. Basta ver como se constrói, através de objectos como a roupa e os brinquedos, a identificação de género dos bebés e das crianças. Ser “Mulher” ou ser “Homem” corresponde portanto a um conjunto de práticas socialmente determinadas. Não estou com isso a dizer que as diferenças orgânicas entre os sexos não são relevantes, apenas que os comportamentos sociais de cada género são não-naturais ou, se preferirem, são construções sociais.
Paradoxalmente, é isto que muitos dos discursos que justificam a trans-sexualidade me parecem negar. O que é que significa um indivíduo do sexo masculino dizer que se sente mulher? Ou que se sente mal no seu corpo? Esta ideia parece sugerir que existe um “eu”, uma identidade independente do corpo, algo parecido com uma alma. Não custa de facto reconhecer nesta divisão do ser humano entre “interior” e “exterior”, a velha dicotomia corpo/alma, que encontrou no pós-modernismo uma nova variação: entre o “eu” exterior, socialmente condicionado, e um “eu” interior, o verdadeiro núcleo da subjectividade individual. Basta ouvir as muitas rubricas de psicologia na rádio, ou folhear a já extinta (felizmente!) revista Xis.
Ora quando alguém que tem um corpo do sexo masculino diz que vive no corpo errado, não só está a afirmar que existe uma “alma” independente do corpo, como também que essa alma, essa interioridade, é sexuada. O que reforça a naturalização dos papéis de género.

3 Comments:

Blogger Siona said...

Quem escreveu este comentário costuma ler / pensar sobre o tema? Falar com pessoas transsexuais? Ou deixa-se ficar por uma rama, um preconceito e estereótipo convenientes, para fazer uma 'crítica' (de?... para?...) que não é conservadora, é reaccionária, racista e preconceituosa?

Gostava de saber algumas das características inerentes do autor do post para fazer uma crítica abstracta delas...

11:13 PM  
Blogger brunopeixe said...

Cara Siona,

Não sei para que é que precisa de saber mais de mim para criticar o que escrevi. O texto vale por si. Na sua opinião, pelo que escreve, vale pouco. Gostava é de saber porquê e, mais precisamente, porque é que o acha reaccionário, racista e preconceituoso. A de racista, por ser a mais específica é de facto a que mais confusão me faz. A minha crítica vai precisamente no sentido de rejeitar as práticas e representações usualmente atribuídas ao "homem" e à "mulher". Assim mesmo, entre aspas, para afirmar que género e sexo (entendido como estrutura biológica) são coisas distintas. E que essa diferença socialmente construída corresponde a uma desigualdade de poder. Á ordem fundada sobre essa desigualdade chamamos patriarcado. Tudo o que naturalize os géneros contribui para essa ordem. O que eu me interrogo é se muitos dos discursos que envolvem a trans-sexualidade (não confundir com trans-gender) reforçam essa naturalização. Fico então à espera.
Cordialmente,
bruno

12:58 AM  
Blogger Siona said...

Bruno: repare, não criticou um discurso entre outros, dentro da comunidade - criticou a comunidade:
"Como é que se faz uma crítica da trans-sexualidade"

Atribuiu um discurso percepcionado, que não tem a certeza de ser o de todas as pessoas transsexuais (e não é), e assumiu um significado específico para uma ou duas frases simplificadas.

É nisso que vejo o racismo, reaccionarismo e preconceito, e a desonestidade.

P.S. Discursar-me sobre a desconstrução de "homem" e "mulher" não é presumir que preciso de ser ensinada a fazê-lo (e por uma pessoa que está mais acima na escala social do género que eu)?
Isso não será paternalismo / patriarquismo?
Se for, peço desculpa, mas, para isso, já chegam os professores que me explicam com caras muito risonhas e vagar as coisas 'difíceis' que uma rapariga não consegue, obviamente, compreender. Quando era vista como rapaz, era tão mais inteligente, que ninguém via a necessidade de me ensinar as coisas mais básicas como se fossem a string theory. Que saudades tenho desse tempo!...

2:20 AM  

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