Trans-versão
O corpo, é o corpo, é o corpo. Em princípio estamos minimamente de acordo que os papéis sexuais são construções sociais. Ou seja, o género resulta de atribuição de papéis. Mas não o sexo. A diferença entre género e sexo é difusa; por sê-lo é que as instituições exercem uma tal pressão para a consonância entre atribuições e funções. Também é evidente que não é possível separar esta discussão da sua correlata sobre a estrutura familiar. Dando um salto gigantesco, será porventura porque a estrutura familiar se flexibiliza que a diferença entre sexo e género se torna mais visível. Ora parece-me que se há lugar onde esta é perturbadoramente fracturante é no caso da transexualidade. E isto não se encontra ao nível de um discurso sobre a transexualidade; a crítica, a haver, - e teria que ser explicada a sua necessidade para além da vontade, algo diletante, de atacar o dualismo cartesiano – teria que ter em conta a condição perturbante do transexual. Perturbante no sentido de desestabilizador de um sistema categorial que se pretende fixo. Porém, não vejo nem interesse nem necessidade de uma putativa crítica. Se alguma coisa, a transexualidade é a ruptura com o simbolismo do patriarcalismo; isto é, constitui em substância a crítica a esse mesmo sistema. Pela mesma ordem de razões, o discurso sobre a homossexualidade é o lugar epistemológico que pode confrontar a família tradicional.
Neste sentido, dever-se-á separar o testemunho directo do transexual do discurso sobre a transexualidade. Afigura-se-me que no discurso da inconsistência entre corpo e “eu” não existe uma armadilha patriarcal – no sentido de uma reificação do género -, mas mais simplesmente uma constatação de incompatibilidade; ou melhor, pode-se dizer, alvitro, que as combinações assim como surgem ao “eu” são desestabilizadas. A técnica possui um papel não dispiciendo nestas conturbações do “eu”, dado que aumenta as possibilidades combinatórias entre sexo e género. Agora, lá por um papel ser aprendido, não quer dizer que não suscite incoerências, insatizfações ou deslocações. Fazer equivaler um discurso do género com a realidade do mesmo (o papel), é aceitar uma visão estrutural-funcionalista ao limite. Bem pelo contrário - e isto é tão novo quanto Freud -, a cisão entre as exigências do colectivo e os impulsos individuais, provocam uma tensão permanente. Domesticar estes impulsos é parte da função da sociedade – do significant other.
A minha insistência em termos como perturbação, desestabilização ou afins, não reside em nenhuma tentativa de rotular como anómalo ou de encerrar a transexualidade no recanto da aberração ou da patologia. Muito pelo contrário. Julgo que a inconsistência entre corpo e eu se faz sentir em muitas ocasiões, em heterossexuais e homossexuais. Julgo também que é desta inconsistência que uma significativa parte dos problemas do foro psíquico, como depressões, neuroses, etc, surgem. Quanto mais não seja porque esta consistência está constantemente a ser posta à prova pelos múltiplos estímulos a que estamos sujeitos. Terá consequências igualmente para obesos, anoréxicos, magros, gordos, feios, bonitos, etc, etc. Nem seria de esperar outra coisa, numa sociedade que associa o sentimento de si – para glosar uma expressão comummente famosa – à imagem.
Daí que a transexualidade, e a dissonância que o discurso do transexual expressa, pode ser considerada uma espécie agudizada desta inconsistência; mas em termos de sexo, não de género. Melhor dizendo, e retirando as conotações de patologia que alguns destes adjectivos encerram, consiste numa subjectividade diferente daquela que é programaticamente incorporada pelo binómio sexo-género. É um assunto sério; psicologicamente sério.
Neste sentido, dever-se-á separar o testemunho directo do transexual do discurso sobre a transexualidade. Afigura-se-me que no discurso da inconsistência entre corpo e “eu” não existe uma armadilha patriarcal – no sentido de uma reificação do género -, mas mais simplesmente uma constatação de incompatibilidade; ou melhor, pode-se dizer, alvitro, que as combinações assim como surgem ao “eu” são desestabilizadas. A técnica possui um papel não dispiciendo nestas conturbações do “eu”, dado que aumenta as possibilidades combinatórias entre sexo e género. Agora, lá por um papel ser aprendido, não quer dizer que não suscite incoerências, insatizfações ou deslocações. Fazer equivaler um discurso do género com a realidade do mesmo (o papel), é aceitar uma visão estrutural-funcionalista ao limite. Bem pelo contrário - e isto é tão novo quanto Freud -, a cisão entre as exigências do colectivo e os impulsos individuais, provocam uma tensão permanente. Domesticar estes impulsos é parte da função da sociedade – do significant other.
A minha insistência em termos como perturbação, desestabilização ou afins, não reside em nenhuma tentativa de rotular como anómalo ou de encerrar a transexualidade no recanto da aberração ou da patologia. Muito pelo contrário. Julgo que a inconsistência entre corpo e eu se faz sentir em muitas ocasiões, em heterossexuais e homossexuais. Julgo também que é desta inconsistência que uma significativa parte dos problemas do foro psíquico, como depressões, neuroses, etc, surgem. Quanto mais não seja porque esta consistência está constantemente a ser posta à prova pelos múltiplos estímulos a que estamos sujeitos. Terá consequências igualmente para obesos, anoréxicos, magros, gordos, feios, bonitos, etc, etc. Nem seria de esperar outra coisa, numa sociedade que associa o sentimento de si – para glosar uma expressão comummente famosa – à imagem.
Daí que a transexualidade, e a dissonância que o discurso do transexual expressa, pode ser considerada uma espécie agudizada desta inconsistência; mas em termos de sexo, não de género. Melhor dizendo, e retirando as conotações de patologia que alguns destes adjectivos encerram, consiste numa subjectividade diferente daquela que é programaticamente incorporada pelo binómio sexo-género. É um assunto sério; psicologicamente sério.
1 Comments:
Melhor que o post anterior, sem dúvida!
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