Tuesday, July 04, 2006

Liebesleben



De qualquer das formas o jogo é sempre o jogo e as jogadas não são mais do que a mímica de uma jogada infinita.

(Era verdade que ela me queria. Não podia enganar: aquele sorriso meio comprometido, o olhar de soslaio com as pestanas a retorcerem-se na ponta de convites sibilinos; ou então a forma como humedecia os lábios, prensando-os um contra o outro e espevitando a língua (adivinhava-se) a acariciá-los pressurosamente dentro da boca. Não, não havia nada que enganar – queria-me e não era pouco. Também a forma como sacudia uma melena, sempre a mesma, para fora da testa, a despedi-la da fronte com a ponta dos dedos (o indicador e o médio?), sempre os mesmos, e a deixar que ela regressasse novamente já morta de cansaço – isto também, dizia, não enganava: queria-me. Obviamente que a maneira como juntava os joelhos ora fazendo-os tocarem-se ao de leve como se se beijassem sem euforias, ora apertando-os como a obrigá-los a para sempre ficarem ligados numa comunhão carnal, também poucas dúvidas deixava - queria-me e nem conseguia disfarçá-lo. Mas a forma como bifurcava os pés para logo de imediato colar uma ponta do sapato à outra operando este movimento menos mecânica que elegantemente, um movimento dançante, um pliê sem pontas mas que se repetia com a rectidão geométrica de uma velha bailarina numa aula de dança, este movimento dos pés, dizia, também dava pouco azo a confusões ou ambiguidades: queria-me e nem pretendia omiti-lo. O que verdadeiramente a denunciava era a forma escarninha com que deixava escapar uma gargalhada, menos maldosa que irónica, e com certeza menos entediada do que deslumbrada, umas vezes seguida de uma pequena farfalheira e outras pontuada por uma cambiante afectiva que se mostrava pelo ar sisudo que de repente assumia, estes sinais, dizia, constituíam irrefutáveis provas de que me queria. Sem esquecer a forma esquiva com que colocava o pé na estrada, ao descê-lo do lancil do passeio para o asfalto da rodovia, sem nunca o deixar cair pesada e desastradamente, pelo contrário, pousando-o ao de leve, insinuando um passo aéreo, primeiro ficando imponderável entre o passeio e a rua para depois, como se houvesse um degrau intermédio que só a ela lhe era dado pressentir, o fazer deslizar ao encontro da primeira lista branca da passadeira de peões. Queria-me e disso não fazia segredo.)

De qualquer das formas o desejo é a mimetização dos gestos alheios.

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