Saturday, May 20, 2006

O Desistente

Sabia-lhe a fel esta permanência chorada. Sabia-lhe a pouco, a ansiedade deslavada que carregava consigo para onde quer que fosse. Era pequeno; sentia-se pequeno e pouco enobrecido. Tinha o libelo do esquecimento por lema e remetia, com a sua cara fechada e sorriso pálido, para as catacumbas da alma. Havia quem o associasse àqueles criminosos que só se comprazem no mal – um mal abstracto que lhe construísse as raízes. Todavia, pobre homem que se lavara em prantos pela solidão que se lhe cravara na carne, era apenas o medo que o desdizia, que o fazia cair nas mais patéticas e apologéticas contradições. Como ele dizia, buscando as palavras nos recantos da boca e soprando-as como num ataque de tosse “ninguém consegue compreender como a solidão nos pode imunizar contra a felicidade”; e assim era: ou porque gostasse de se desprender dos ritmos ardentes ou porque andava já pouco preocupado com o futuro, a palavra já não se crispava na voz e em surdina ia repetindo para quem nunca o ouviria que a vida tinha muitas escolhas, mas que ele só fizera as más. Bafejado pela sorte, não se poderia dizer que não tinha sido. A sorte fizera-lhe por diversas vezes visitas de cortesia. Porém, ambicioso de uma maneira que dir-se-ia desencontrada tinha-lhe jogado dois pontapés e posto-a à porta à espera de melhores dias. Este acto, que se confundia para alguns distraídos com uma penitência, valera-lhe o epíteto de perdido, ou talvez, nas mentes mais atentas, de malsão. A doença perseguia-o, portanto. No outro dia entrou na padaria e disse "De vocês apenas aguardo a inconsistência do verbo". Saiu com três pães e um rissol.

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