"Impolítico"
Conversa de café – ociosa, óbvio. Era esse o ódio de Salazar aos intelectuais, vi no outro dia na TV. Não tanto o seu poder subversivo, o das ideias, pelo menos, mas o seu mau exemplo – um problema de conduta que devia ser cerceado á nascença. Por isso, por mais belas que fossem as ideias, as prosas e as elegias, a conversa de café era elemento a expurgar da vida vivida dos portugueses.
Mas isto foi uma autêntica deriva por outras paragens e não tem nada a ver com o que vou escrever a seguir. Conversa de café, portanto. Neste interim – a cerveja a escorregar gelada (vive le cliché) e o amendoim matulão a encrustar-se no palato (que raio de termo, encrustar-se?) -, mas dizia, nesse mesmo interim a que me referia há pouco, que é nestas ocasiões que alguns dos momentos mais belos, igualmente dos mais inúteis, se nos oferecem pela mão caridosa da providência. Não sejamos demasiado pessimistas ou pouco reverentes com os companheiros de conversação. É claro que há uma espécie de negação do pragmatismo nestes momentos descontraídos. Conversar num café quando se podia estar a construir pontes? A encerar salões de recepção numa qualquer Câmara Municipal? A separar os filamentos do feijão-verde numa linha de montagem de produtos congelados? Ou mesmo a criar porcos no Ribatejo para que mais tarde possam estes ser saboreados pelos apetites exigentes dos empresários da Malveira? Pois tudo isto é aceitável. E no entanto lá vem conversa de café para homens e mulheres com gosto pela vida e pelas suas primícias. O que isto quer dizer, para atalhar razões, é que se foda o sentido prático e que a gente gosta mesmo é de ruminar languidamente pelos cafés de Lisboa, sobretudo se tiverem miradouros e jovens alternativos enquanto paisagem mais imediata.
Mas não era nada disto que eu tinha pensado. O que eu queria aqui explorar eram duas questões candentes, daquelas que só podem, justamente, surgir numa conversa de café. São elas: o que fazer da democracia?, E o que faz a democracia por nós? Questões complexas, sem dúvida. Por isso mesmo só passíveis de ser respondidas em e por conversas de café.
Alguém propôs enfaticamente a seguinte equação: a esquerda serve para acabar com os pobres a direita está-se nas tintas para eles, logo quando um partido aumenta o número de pobres durante a sua legislatura, só pode ser de direita. Quod erum demonstrandum. Mais uma cervejinha para limpar os poros que entretanto se entupiam de suor. Estava calor.
O que é engraçado é que, nos tempos do velho Lenine, nós sabíamos que o Estado era um instrumento da burguesia e que a democracia parlamentar um ersatz para falsificar a iniquidade das desigualdades de classe. E isto era claro como água, gostasse ou não se gostasse. O que é que acontece actualmente? A esquerda está a afogar-se e quando vai para se segurar aos escolhos do velho navio confunde a nuvem por Juno e lá vai marrar com Neptuno. E é porque a esquerda está sempre a sonhar com o Olimpo que calçam que nem luvas de cetim as alusões mitológicas.
Não falo da esquerda que se diz de esquerda, mas que, como diz o meu interlocutor, faz políticas de direita. Aliás, rectificando a imprecisão, esta já nem se diz de esquerda, mas sim “terceira via”. Falo da esquerda que se assume enquanto esquerda e que é o que mais parecido temos actualmente a uma oposição. Helas!, impõe-se a pergunta: oposição a quê? E lá vamos marrar com os cornos no Neptuno, engolindo pelo caminho muito pirolito. Nova cervejinha para acamar os ideiais e para espairecer mais um bocado, enquanto nos preparávamos para nos embalarmos nos braços de Morfeu. Vá lá o Sr. sonhar com Ciclopes, mas depois não diga que não o avisei!
Mas isto foi uma autêntica deriva por outras paragens e não tem nada a ver com o que vou escrever a seguir. Conversa de café, portanto. Neste interim – a cerveja a escorregar gelada (vive le cliché) e o amendoim matulão a encrustar-se no palato (que raio de termo, encrustar-se?) -, mas dizia, nesse mesmo interim a que me referia há pouco, que é nestas ocasiões que alguns dos momentos mais belos, igualmente dos mais inúteis, se nos oferecem pela mão caridosa da providência. Não sejamos demasiado pessimistas ou pouco reverentes com os companheiros de conversação. É claro que há uma espécie de negação do pragmatismo nestes momentos descontraídos. Conversar num café quando se podia estar a construir pontes? A encerar salões de recepção numa qualquer Câmara Municipal? A separar os filamentos do feijão-verde numa linha de montagem de produtos congelados? Ou mesmo a criar porcos no Ribatejo para que mais tarde possam estes ser saboreados pelos apetites exigentes dos empresários da Malveira? Pois tudo isto é aceitável. E no entanto lá vem conversa de café para homens e mulheres com gosto pela vida e pelas suas primícias. O que isto quer dizer, para atalhar razões, é que se foda o sentido prático e que a gente gosta mesmo é de ruminar languidamente pelos cafés de Lisboa, sobretudo se tiverem miradouros e jovens alternativos enquanto paisagem mais imediata.
Mas não era nada disto que eu tinha pensado. O que eu queria aqui explorar eram duas questões candentes, daquelas que só podem, justamente, surgir numa conversa de café. São elas: o que fazer da democracia?, E o que faz a democracia por nós? Questões complexas, sem dúvida. Por isso mesmo só passíveis de ser respondidas em e por conversas de café.
Alguém propôs enfaticamente a seguinte equação: a esquerda serve para acabar com os pobres a direita está-se nas tintas para eles, logo quando um partido aumenta o número de pobres durante a sua legislatura, só pode ser de direita. Quod erum demonstrandum. Mais uma cervejinha para limpar os poros que entretanto se entupiam de suor. Estava calor.
O que é engraçado é que, nos tempos do velho Lenine, nós sabíamos que o Estado era um instrumento da burguesia e que a democracia parlamentar um ersatz para falsificar a iniquidade das desigualdades de classe. E isto era claro como água, gostasse ou não se gostasse. O que é que acontece actualmente? A esquerda está a afogar-se e quando vai para se segurar aos escolhos do velho navio confunde a nuvem por Juno e lá vai marrar com Neptuno. E é porque a esquerda está sempre a sonhar com o Olimpo que calçam que nem luvas de cetim as alusões mitológicas.
Não falo da esquerda que se diz de esquerda, mas que, como diz o meu interlocutor, faz políticas de direita. Aliás, rectificando a imprecisão, esta já nem se diz de esquerda, mas sim “terceira via”. Falo da esquerda que se assume enquanto esquerda e que é o que mais parecido temos actualmente a uma oposição. Helas!, impõe-se a pergunta: oposição a quê? E lá vamos marrar com os cornos no Neptuno, engolindo pelo caminho muito pirolito. Nova cervejinha para acamar os ideiais e para espairecer mais um bocado, enquanto nos preparávamos para nos embalarmos nos braços de Morfeu. Vá lá o Sr. sonhar com Ciclopes, mas depois não diga que não o avisei!
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