Escritores de todo o mundo – uni-vos!
The Guild's demand is a test of whether corporate media corporations are going to give writers a fair share of the wealth their work creates or continue concentrating profits in the hands of their executives. I urge the producers to work with the writers so that everyone can get back to work." Barack Obama sobre a greve dos escritores.
Há um espectro que paira sobre a América. O espectro da literacia. Os escritores de soaps, sitcoms e outros formatos para televisão entraram em greve. A reivindicação? Querem um quinhão dos lucros dos operadores da net que, dizem os escritores, recebem biliões com os dowloads. Os escritores sentem-se injustiçados, porque afinal o material que o pessoal “dowloada” lhes pertence por inerência. E digo por inerência porque é o escritor que faz aparecer a série, a soap ópera ou o programa humorístico. Quando nos postamos à frente do ecrân é fácil esquecer que houve alguém que teve que escrever aquilo. Aquilo é um enredo, com diálogos, com uma estrutura, com, afinal, princípio, meio e fim. Esquecemos isso facilmente. E mesmo as previsões mais negras sobre o sumiço da palavra escrita não costumam ter isso em conta. Porém, é provável que nunca, em tempo algum, a produção escrita fosse tão necessária, tão frenética, tão ilimitada, como actualmente. A prova é que os escritores têm capacidade reivindicativa. Imagina-se lá um Dickens entrar em greve porque não recebe royalties compatíveis com o seu valor literário? Ninguém daria um chavo por uma tal preocupação. E alguém teria ficado muito afobado pelo facto de Flaubert não conseguir vender a sua Madame Bovary? Ou por Kafka apenas ter vendido trezentos exemplares em vida?
A ars literaria entrou definitavamente no circuito da mercadoria. Não foram portanto as cassandras da palavra escrita que vindicaram o seu diagnóstico. O que previam – o desaparecimento gradual da palavra e a sua substituição pela imagem – não se verificou. Ou melhor, aconteceu apenas no plano das aparências, da imagem, como num ciclo de repetição infinita. A imagem esconde o texto a que ela se associa inexoravelmente. Talvez por isso o prognóstico tenha sido tão facilmente emitido. Mas se pensarmos nos milhares de produções cuja imagem oferece o seu contexto de visibilidade, somos forçados a concluir que há milhares de pessoas a concatenar palavras para que delas se possam derivar imagens. Enfim, alguém tem que escrever aquilo.
A qualidade, não surge como uma das razões significativas para a produção desproporcional de escrita. E não surge porque afinal não se trata de avaliar qualidade literária, mas sim capacidade de transubstanciar palavras em imagens. O mesmo é dizer, a palavra possui um ritmo diferente da imagem. Por isso também, apesar da reprodução geométrica de textos, a capacidade avaliativa, estética ou lógica, vê-se substancialmente reduzida. Em última análise, a avaliação literária deixa de ser minimamente central na espiral de produção textual. Há públicos, sem dúvida. Há mais públicos, mais diferenciados e idiossincráticos, do que alguma vez houve. Disso não nos restam muitas dúvidas. Porventura, é esta diferenciação de públicos, mas também a sua constituição em clusters, em formações minimamente consistentes em termos de escolhas e de gostos, que confere o valor monetário exponenciado que a textualidade adquiriu recentemente.
Voltemos então ao princípio. O sistema possui as seguintes coordenadas: as capacidades cognitivas dos produtores de texto são altamente valorizados, ou seja, têm procura num mercado; sem eles não se constróem imagens – ou melhor, podem estas ser estruturadas, mas serão sempre objectos para uma elite que se desfez da necessidade do enredo e do tal princípio, meio e fim. No fundo, não são objectos de consumo, i.e, não são objectos de consumismo. A estes chamam-se objectos artísticos. Onde a pressão para a textualidade entra é na criação de objectos de consumo mais disponíveis, com outra temporalidade. Paradoxo curioso: é justamente na produção erudita que a narrativa mais se torna um empecilho para a produção de sentido. Ao contrário, é a textualidade massificada (designemo-la assim, mas sem grande certezas em relação à precisão ou sequer relevância do termo) que recorre avidamente à narrativa para produzir sentido. Por conseguinte, são os especialistas em narrativa que possuem maior poder de pressão no mercado da imagem. Há desde pequenas até grandes narrativas. Um anúncio é uma pequena narrativa, uma narrativa minimal, mas narrativa que alguém tem de criar, ou seja, que alguém tem de escrever. Estes agentes há algum tempo que se encontravam cientes do valor de mercado que as suas capacidades cognitivas representam; e foram eles que de certa forma criaram esta inseparabilidade entre texto e imagem. A isso se chama publicidade.
Os escritores de narrativas mais elaboradas ainda não tinham, digamos (mas percorrendo-nos um calafrio pela espinha abaixo), ganhado consciência de classe. Foi preciso aparecer o meio através do qual os seus dotes podem assumir o formato de mercadoria para que esta aparecesse. Esse meio é a internet; a mercadoria é o dowload; a consciência dos escritores é a da exploração. Por isso estão em greve. Por isso exigem partilhar dos lucros astronómicos dos operadores da web. Por isso dizem que sem as suas palavrinhas não há imagens para ninguém. É o poder das palavras em todo o seu esplendor.
A ars literaria entrou definitavamente no circuito da mercadoria. Não foram portanto as cassandras da palavra escrita que vindicaram o seu diagnóstico. O que previam – o desaparecimento gradual da palavra e a sua substituição pela imagem – não se verificou. Ou melhor, aconteceu apenas no plano das aparências, da imagem, como num ciclo de repetição infinita. A imagem esconde o texto a que ela se associa inexoravelmente. Talvez por isso o prognóstico tenha sido tão facilmente emitido. Mas se pensarmos nos milhares de produções cuja imagem oferece o seu contexto de visibilidade, somos forçados a concluir que há milhares de pessoas a concatenar palavras para que delas se possam derivar imagens. Enfim, alguém tem que escrever aquilo.
A qualidade, não surge como uma das razões significativas para a produção desproporcional de escrita. E não surge porque afinal não se trata de avaliar qualidade literária, mas sim capacidade de transubstanciar palavras em imagens. O mesmo é dizer, a palavra possui um ritmo diferente da imagem. Por isso também, apesar da reprodução geométrica de textos, a capacidade avaliativa, estética ou lógica, vê-se substancialmente reduzida. Em última análise, a avaliação literária deixa de ser minimamente central na espiral de produção textual. Há públicos, sem dúvida. Há mais públicos, mais diferenciados e idiossincráticos, do que alguma vez houve. Disso não nos restam muitas dúvidas. Porventura, é esta diferenciação de públicos, mas também a sua constituição em clusters, em formações minimamente consistentes em termos de escolhas e de gostos, que confere o valor monetário exponenciado que a textualidade adquiriu recentemente.
Voltemos então ao princípio. O sistema possui as seguintes coordenadas: as capacidades cognitivas dos produtores de texto são altamente valorizados, ou seja, têm procura num mercado; sem eles não se constróem imagens – ou melhor, podem estas ser estruturadas, mas serão sempre objectos para uma elite que se desfez da necessidade do enredo e do tal princípio, meio e fim. No fundo, não são objectos de consumo, i.e, não são objectos de consumismo. A estes chamam-se objectos artísticos. Onde a pressão para a textualidade entra é na criação de objectos de consumo mais disponíveis, com outra temporalidade. Paradoxo curioso: é justamente na produção erudita que a narrativa mais se torna um empecilho para a produção de sentido. Ao contrário, é a textualidade massificada (designemo-la assim, mas sem grande certezas em relação à precisão ou sequer relevância do termo) que recorre avidamente à narrativa para produzir sentido. Por conseguinte, são os especialistas em narrativa que possuem maior poder de pressão no mercado da imagem. Há desde pequenas até grandes narrativas. Um anúncio é uma pequena narrativa, uma narrativa minimal, mas narrativa que alguém tem de criar, ou seja, que alguém tem de escrever. Estes agentes há algum tempo que se encontravam cientes do valor de mercado que as suas capacidades cognitivas representam; e foram eles que de certa forma criaram esta inseparabilidade entre texto e imagem. A isso se chama publicidade.
Os escritores de narrativas mais elaboradas ainda não tinham, digamos (mas percorrendo-nos um calafrio pela espinha abaixo), ganhado consciência de classe. Foi preciso aparecer o meio através do qual os seus dotes podem assumir o formato de mercadoria para que esta aparecesse. Esse meio é a internet; a mercadoria é o dowload; a consciência dos escritores é a da exploração. Por isso estão em greve. Por isso exigem partilhar dos lucros astronómicos dos operadores da web. Por isso dizem que sem as suas palavrinhas não há imagens para ninguém. É o poder das palavras em todo o seu esplendor.
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