Monday, November 19, 2007

Questões de gosto




Os comentários respeitantes à caricatura do princípe e de Letícia em canzana afadigada na capa do Jueves (a revista que sale a los miercules) têm-se centrado na necessidade de não ultrapassar a fronteira do mau gosto. Com efeito, a caricatura, para estes plumitivos, é aceitável só e apenas quando não afecta o bom gosto dos respectivos. Assim, a liberdade de expressão que defenderam outrora em relação a outras caricaturas vê-se confinada às fronteiras do bom gosto. E é porque é raramente referido, pelos ditos comentaristas, que na realidade se trata de definir o bom gosto, que a coisa vai passando despercebida, tornando-se mais matéria de acordo tácito sobre o qual não se discute do que interrogação pertinente sobre que raio seja o tal mau gosto. Daí que o mau gosto, nas palavras de diversos dos defensores da liberdade de expressão (desde que esta não arranhe o gosto, está claro) é algo que, supõe-se, injurie pessoas identificáveis. Por isso, MST afirma que há coisas que não podem ser toleradas. Dentre estas não se encontram caricaturas de Maomé, mas certamente lá estarão canzanas reais.
Sobre o gosto, penso que houve um tipo que despachou o assunto para os próximos 200 anos. Refiro-me a Bourdieu que escreveu mais sobre o gosto do que o papa Bento XVII sobre cristo. E uma das coisas que ele disse sobre o gosto, é que este tinha uma sociogénese, chamemos-lhe assim. Deve ser por isso que em Espanha a maioria achou de mau gosto a decisão do tribunal e em Portugal transformaram a mesma numa questão de gosto. Todavia, continua a ser o gosto, o mau gosto, a orientar este diferendo. Parece conveniente utilizar o argumento do gosto quando tão esforçados critérios foram avançados para justificar o vexame das caricaturas de Maomé. Trata-se, no fundo, de um argumento para todos os gostos, e não apenas para o mau. E no entanto duas coisas são de sobrelevar: a primeira, é que o argumento do mau gosto só colhe se for utilizado contra o estilo da revista em geral. Podemos dizer que o Jueves faz caricaturas de mau gosto; assim como é admissível dizer que as caricaturas do Vilhena são de um mau gosto atroz. Mas não é admissível dizer que a caricatura de Cavaco, da virgem ou de Soares desenhadas por Vilhena são de mau gosto. Simplesmente porque não diferem de nenhuma das outras – em termos de gosto. Por conseguinte, o que se está a dizer é que aquela pessoa em particular não deve ser caricaturada. E isto é isolar um nome numa questão geral de gosto.
Quem lê o Jueves sabe exactamente a que me refiro. O Jueves tem canzanas para todo o gosto e feitio. Tem-nas com religiosos, com putas, com políticos, com um sem nome de tipificações e esteriótipos. Quase se diria que o Jueves tipificou a canzana dentro do retrato caricatural. E no entanto, a canzana real foi alvo de perseguição jurídica e do desconforto de tantos dos nossos plumitivos. Insisto que as reacções na imprensa espanhola não tiveram nem um décimo da intensidade das que por cá se registaram. Questionemos então as razões para um tal acesso de bom gosto português. Terá sido a canzana? Duvido. Se lêem o Jueves – e eu parto do princípio que alguns deles até sentiram curiosidade suficiente para folhear a revista na retrete – sabem que por lá vegetam indecências (mas muito bem desenhadas!) de muito baixo coturno. Terá sido a família real? Mais certo. Afinal ela faz parte do quinhão de conto de fadas que a nossa imprensa – cor-de-rosa e não só – oferece periodicamente. A família real em canzana é, notoriamente, uma quebra da imaculação do conto de fadas. O que o Jueves fez foi transformar um conto de fadas num conto de fodas.

2 Comments:

Blogger David Lourenço Mestre said...

caramba, nao tem nada a ver com mau gosto, mas com o direito à privacidade, talvez voce e a sua esposa nao se incomodassem, mas eventualmente há quem nao goste

4:18 PM  
Blogger Nuno Castro said...

Referia-me principalmente ao artigo de MST onde a expressao bom gosto e utilizada.

4:39 PM  

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