Monday, July 10, 2006

O Papão


O caso do Papa que não vai ter na missa um primeiro ministro ou do primeiro ministro que não vai à missa de um papa. Este é um caso protocolar e só a atenção que suscita, enquanto caso protocolar, já é exasperante. Os papas têm demasiada dimensão – crepuscular, porque sempre aureolada pela sua pressuposta beatificação. Os papas fazem política – sempre fizeram – geralmente encapuçados pela mensagem ecuménica. Não admira portanto que o papa vá a Espanha para uma homilia sobre a família. Ora bem, isto seria de somenos, como os católicos têm protestado, e só poderia ser colocado no plano da livre profissão da fé, se os pressupostos sobre a família defendidos pela Igreja fossem inócuos. Mas não são.
Aliás o argumento invocado pelos católicos, nestas ocasiões, possui sempre o mesmo pendor – o de que a liberdade da fé que se professa apenas concerne ao próprio e portanto não deve ser assunto da esfera pública nem alvo de mecanismos decisionais comuns, vide estatais. Bem longe vão os tempos da evangelização e do proselitismo; ou pelo menos assim parece. Contra toda a evidência argumentativa por parte dos católicos e ao arrepio da liberdade da fé, o papa faz constantes e sonantes anúncios dos preceitos católicos e dentro destes da moral que encerram. A família é mais um tema na qual a moral católica quer reconquistar o seu quinhão. É redundante lembrar que a família tem sido nos últimos cinquenta anos razão privilegiada de investimentos políticos e que passou por ser o locus de uma revolução cultural que pretendia ver nela a estrutura básica do poder e da opressão. Por conseguinte, não há nada de inocente na discussão da família. Mente a grande família católica quando justifica estas preleições públicas como simples questão de fé.
Benedito XVI possui a este respeito ideias claras. Por exemplo, a condenação intransigente da homossexualidade proclamada publicamente pelo papa não fica pelas consequências a nível de crença – cada um é livre de acreditar naquilo que quiser -, mas em tempo de aceitação de facto e de protecção de jure de práticas sexuais alternativas, assemelha-se a um sombrio e nefasto anacronismo. Sombrio porque reflecte uma concepção de família como estrutura reprodutiva da comunidade humana – algo que desagrada a homossexuais e feministas por igual -, nefasto porque contraria as tentativas de lutar contra a discriminação de que são alvos ambos homossexuais e mulheres.
Se, como afirmam os católicos, o papa é livre de proclamar a sua fé para a comunidade de católicos, já não possui o mesmo direito enquanto chefe de Estado – ou pelo menos estaria sujeito às sanções da esfera pública a que normalmente estes se sujeitam. O papa, e os católicos, pretendem um estatuto de excepção para o seu líder; um que combine simultaneamente o excepcionalismo sagrado de um chefe religioso com os privilégios políticos de um chefe de Estado.

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