Thursday, August 02, 2007

Crise? Qual crise?

Os diários da crise do PSD escritos em rogorongo no Abrupto são uma clara ilustração de um partido onde as ideias escasseiam e apenas as alianças e os “taticismos” recebem o seu devido quinhão. Não é que precisássemos de PPereira para nos elucidar a esse respeito. Afinal, a fuga Barrosista para o Brasil dos nossos dias – a UE – não deixava grandes margens para dúvidas de que o partido vive de protagonismos avulsos, estratégias corporativas e sinecuras e muito pouco de um qualquer ideário político minimamente identificável. PP ainda se esforça por delinear contradições ideológicas no seio do seu partido; linhas de fractura coincidentes com grandes opções políticas. Todavia, quem viveu em Portugal nos últimos 40 anos sabe não só que elas são meras aparências – para as quais “intelectuais orgânicos” como PP muito contribuem – como escondem a verdadeira medula do partido: o total jogo de interesses. Eventualmente, lá para os idos de 70 do século passado, o então escol que viria, após a revolução, a formar o PPD, teria partilhado de algum ideário político e de vontade emancipatória. A chamada “Ala Liberal” da Assembleia Nacional, sacudida por ventos de mudança pressentidos na então “primavera marcelista”, terá tido algum papel propriamente político. Embora, quando lidas as intervenções na dita Assembleia, por homens como Francisco Balsemão ou Mota Amaral, apenas se possa concluir pela tibieza e inocuidade das suas prestações. Algo que, posteriormente, iria fortemente contrastar com as intervenções robustas do Povo Livre do após 25 de Abril. Estranho é que um homem tão dado às análises textuais da imprensa e televisão, como PP, não tenha nunca elaborado uma leitura exaustiva dos textos do seu próprio partido. Ler as intervenções dos parlamentares da Ala Liberal na Assembleia Nacional e em seguida compulsar o Povo Livre de 74, 75 é uma experiência do mais puro maquiavelismo e manipulação de ideias políticas. É qualquer coisa de siderante ver homens como Mota Pinto a defenderem a reforma agrária, ou Sá Carneiro a ser pela coletivização dos meios de produção. Felizmente que os arquivos são os garantes da memória, por isso é ir lá e consultar os opúsculos.
Se algo assinala de forma mais evidente a ossatura do PPD é justamente este período fracturante. Aqui se aprende que o PPD, ou PSD, é geneticamente um partido de aparências, de manipulação de ideários políticos – evito a palavra ideologia -, sem qualquer centro divisável e que se apresenta ao seu eleitorado em tantas conformações quanto aquelas que lhe permitem aceder ao poder. Hoje em dia torna-se complicado perceber o que defende o PSD, para além, obviamente, da cartilha neoliberal. Mas esta chicana dos diferentes candidatos que, aparentemente, representam facções que se digladiam dentro do partido, não passa de marketing político e tem por função mostrar que há divergências dentro de um partido onde a única coisa que existe para se divergir será a cor das gravatas.
A televisão, a imprensa, a rádio, embarcam todas, uns mais solidários outros mais descomprometidos, neste regabofe do indiferenciado, do inexistente. Como se cada vez que existissem congressos extraordinários ou eleições dentro do PSD, grandes mudanças se pressentissem no horizonte político da nação, quando na verdade, ao que se assiste, é a um mero cortejo de egos a respigarem a sua parcela de poder. Que estes “egos” são perigosos demonstram-nos as prestações de Santana Lopes, de Valentim Loureiro e, numa outra dimensão, de Marcelo Rebelo de Sousa. Quando acariciados ao limite do seu narcisismo militante, só podemos esperar o pior. E o pior reveste-se de esbulhas do erário público, negociatas mafiosas ou pura manipulação política.
Há fanfarra na praça do pelourinho; açoitam-se uns tantos indesejados com o fervor de um D. Pedro em dia aziago; e faz-se muita chinfrineira por essas ruas fora – se há coisa que melhor materializa o ruído são os congressos do PSD. E todavia toda a gente fica embeiçada por aqueles barões abjectos a passearem a sua jactância pelos jornais da noite. Toda a gente comenta como se houvesse de facto alguma coisa para comentar, para além da entronização de mais um barão. Toda a gente fica suspensa nos resultados como se tivessem à espera da nomeação de um novo selecionador nacional. Não há uma ideia, uma linha política ou governativa, que se encontre em discussão; e contudo o país pára como se assistisse a um desfile de moda na passerelle. Jornalistas de todos os quilates e tendências oferecem libações aos pugilistas em contenda. E é isso de facto que arrasta holofotes atrás desta dança de cadeiras. Depois lá vem o histriónico mal-criado da Madeira cobrar a sua dízima televisiva através de dislates e insultos – porque, mais uma vez, não tem rigorosamente nada para dizer.
É verdade que surgem os discursos mais elaborados de um Marcelo Rebelo de Sousa ou de PPereira, dando instruções a militantes e simpatizantes consoante os candidatos que eles apoiam. Desta feita, a situação é tão grave, que ambos não têm outro remédio senão o de apoiar Marques Mendes. E é quase caricato ver um homem tão crítico como MRS a tentar salvar a imagem de um Marques Mendes que não convence nem concita qualquer simpatia no eleitorado.

O vazio em que o PSD se tornou não é uma contingência da fuga de Barroso para a teta europeia. Estava, como numa tragédia grega, predestinado desde o início. Como é um partido que só existe para obter e distribuir lugares de poder – fazendo dele o mais estalinista dos partidos conservadores – quando afastadas as possibilidades de a esse mesmo poder aceder durante um período alargado, não lhe resta alternativa se não desagregar-se. É que o cimento das ideias não existe e por conseguinte não pode fazer coalescer nenhuma afinidade para além das cínicas e oportunistas negociatas. Mas não se pense que o momento anuncia o canto do cisne. Longe disso. Quando muito anuncia o fim de uma estratégia de aparência que terá que ser substituída por outra. Marques Mendes já provou que não é o homem indicado para uma tal tarefa; e por enquanto ninguém se perfila que consiga lograr uma tal mutação. Ele, ou ela, há-de surgir. Tão certo como os republicanos terem ganho as últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos.

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