Sunday, October 21, 2007
Coming back to Roth and the accolades from the right-wing blogs that he has received recently… Giving some thought about, reading through an article on the invention of the individual and how it has become “an ideology of how we regard it proper to think about ourselves and others” I got to the conclusion that my angle was wrong. Or at least it was not exactly to the point. So with a little twist to the argument, one can say instead, that Roth probably deserves all this attention from the conservative bulk because of the relentless individuality of its main characters. Even when they are tormented by their origins, whether racial or political, as in the case of “The Human Stain” and “I Married a Communist”, they still come to terms with it in a rather individualistic way. Roth characters are driven by individual thrust; by the heroic chants of the untamed individual human will. Indeed, by the intensity of human form that he identifies in himself, the author - Philip Roth. They are strong characters, even when they seem to be torn by fear of death, or by the ambiguities of being from American Jewish background. They are assertive characters, though extremely introspective. This individual drive blends naturally with the sexual one; an unrestrained breach of the reality principle that renders sexuality a sort of ersatz against death. The first Roth - a flurry of sexual desire and male unobstructed predation. The old Roth - how to save manhood from the ashes of old age and regain the impetus of Don Juan as a revenge against death? Indeed, it has award him the accusation of being an uncorrectable misogynist; no wonder that the consensus in the Swedish academy has not been easy to reach.
Old men sexuality, mirroring to a certain extent the author withering away of the unrestrained falus, is not an all rothian theme. On the contrary, it is not difficult to find such a traumatic display of senescence on the greatest contemporary writers. Such names as Coetzee and Garcia Marquez do come to mind. They too reiterate mercilessly the untiring topic of old men sexuality. Garcia Marquez with his Putas tristes and the reveries of the ever-young male body. Coetzee with his despise for the corporeal and the life up for grabs that his heroes pursue in teenagers bodies. And even Lobo Antunes is in a permanent battle against death and its bodily inflicted debris. Take the individuality for granted, it would seem that death versus sex would be the perfect formulae to scare the most unflinching conservative away. Yet, it doesn’t. It seems to lure them like the light bulb does to tiny scary insects.
There is of course another explanation. The stult conservatives, extreme-right wing in their essentials, only know from Roth but his last books. Maybe this comes close to the truth. I have many times wondered why people that display the Pope’s ten best utterances of the year, hold Roth in such high consideration? Haven’t they come across the piercing puns regarding Catholics – and any other religion, for that matter, even the Jewish one – that Roth delivers without as much as flinching in such books as Sabbath’s Theater and Portnoy’s Complaint? How can they cope with it? How can, in their innermost catholic search for harmony, spiritual or otherwise, feel comfortable with the all or nothing that Roth gives us through, for instance, Mickey Sabbath? This sort of nihilist jump into the mortal coil as Hamlet would have it, just for the sake of it. There is, painfully visible, a contradiction, a gap, between the euphoric receiving of the last Roth amidst the conservative circle. A sort of mongrelizing of literary taste and affections. Sex can play a role in the fetishising of the new and the old right alike. It can be the measure of escaping the encumbrance of strict Catholicism. We can even add that the last Roth’s books might have come with a secret religious halo; one that touches the deeps of their catholic fervour. Indeed, Roth’s latest books have but been striped of its initial force, its original magma. Roth signing in his old age; his giving up slowly to the promises of everlasting life by means of literary creation. Is this what the right is so fond of? The giving up on his introspective mood – with all the devils and ghosts jumping around in a demonic frenzy – for a more palatable story telling; a more circumstantial mise en abîme; a more consensual outward-looking – or, as they said, expansive books? If this proves correct, than what the right-wing actually likes in Roth is his gagging, his recent containment, and not his deliverance.
Friday, October 19, 2007
Nós por cá temos a Atlântico e eles têm a CULT - ou porque devia Cabral fazer a viagem ao contrário.
O assassinato e a tortura são possíveis porque o outro deixa de ser considerado como humano. Lévi-Strauss disse que tendemos a recusar a humanidade àqueles que surgem como "bárbaros". A barbárie para a Tropa está no traficante e vice-versa. Já para os que lucram com o tráfico, a barbárie é daqueles que se submetem à matança. Imagine se Tropa e tráfico se rebelassem, fizessem greve, suspendessem suas atividades e pedissem seu reconhecimento enquanto seres humanos.
sobre o filme Tropa de Elite no artigo de Patrícia Porchat.
Don't Nag Again
Às vezes estou de acordo com os liberais e com a sua retórica do freedom of speech. Uma dessas vezes prende-se com o cancelamento da palestra de James Watson no museu da ciência em Londres. O cancelamente surge no decorrer de declarações como estas
In an interview with The Sunday Times, the 79-year-old said he was "inherently gloomy about the prospect of Africa" because "all our social policies are based on the fact that their intelligence is the same as ours - whereas all the testing says not really".
He went on to say he hoped everyone was equal but that "people who have to deal with black employees find this is not true".
In an interview with The Sunday Times, the 79-year-old said he was "inherently gloomy about the prospect of Africa" because "all our social policies are based on the fact that their intelligence is the same as ours - whereas all the testing says not really".
He went on to say he hoped everyone was equal but that "people who have to deal with black employees find this is not true".
Em vez de cancelarem a palestra, James Watson devia ser exposto à ira dos outros cientistas e os seus argumentos fortemente rebatidos. A justificação, dada pelos responsáveis do museu segundo a qual Watson “has gone beyond the point of acceptable debate” não colhe. É justamente porque a ele impende tamanha responsabilidade que lhe cabe explicar a razão das suas boutades. E isso implica expô-lo ao contraditório. Assim, ficará sempre a pairar a ideia, nos espíritos mais renitentes (e racistas), que ele se calhar até tem razão.
Thursday, October 18, 2007
Tergiversação sobre os malefícios blogosféricos das polémicas inconsequentes.
Há gajos que ou são parvos ou fazem-se. Um deles é o Mexia. Apesar de ter uma verdadeira fascinação pelos pires da avó, fascínio que reitera em cada livro seu de poesia, é uma prima dona enfronhada que tem por prática perdilecta, como outro também bem célebre, brandir automaticamente a sua erudição literária quando o confrontam com posições contrárias. Dá-se o caso de o ter interpelado sobre o texto que publicara no seu blog revelando um certo incómodo em relação ao Nobel atribuído a Doris Lessing. Como achei curiosa a coincidência de um tal azedume dirigido à senhora, azedume que perpassa por essa blogosfera afora – de direita, pois claro – perguntei, por que raio todos eles afinavam pelo mesmo diapasão?
Por outro lado, algo ainda mais enigmático, esta mesma facção blogosférica idolatra o Roth; reza de manhã à noite para que ele ganha o Nobel; pede à senhora de Fátima para que o escritor leve o galardão máximo da literatura mundial, até se rojam de joelhos ao franquear o já famoso arco da Imaculada Conceição. Roth é de facto um excelente escritor, nem isso está em discussão, apesar de as últimas obras se parecerem todas umas com as outras. E mesmo assim, cada peido que o Roth dá merece rasgadíssimos elogios, encómios desproporcionados, como se o escritor que é Roth ofuscasse qualquer coisa que o tivesse antecedido ou que lhe venha a suceder. Sucede que, para além da pátria do mesmo, não encontro entusiasmo tão excessivo em nenhum outro país como o que se vê em Portugal. Estranho .
Por excepção de partes, Roth agradaria à nova direita porque é americano. Mas há muitos bons escritores norte-americanos que não merecem metade do júbilo ... Joyce Carol Oates, excelente. O jovem Safran Foer, grande revelação. O quase estreante Mohsin Hamid, com o seu “The reluctant fundamentalist”, uma surpresa de leitura obrigatória; o Dellilo, grande prosador, e Cormac MacCarthy, grande livro que é o de Road. A lista está longe de ser exaustiva como é óbvio. Seja como for, nenhum dos anteriores mereceu as distinções que foram sendo apensadas aos blogs dos jovens conservadores.
Porém, o fraquito Everyman foi acompanhado de fanfarra; tapete vermelho, livro nunca antes lido e outros exageros a que este grupúsculo é dado.
Para além disso, Roth é pouco politicamente correcto. Razão de sobra para fazer as delícias dos novos conservadores que odeiam tudo o que se assemelhe remotamente ao pc. Mas Cormac também não pode ser enlencado nos pcs norte-americanos, Dellilo não me parece que esteja muito para aí virado, Oates, qualquer coisa que se pareça com pc é-lhe naturalmente incompatível, e Foer está-se positivamente cagando. Por conseguinte, isto também não chega.
Chegamos ao pior, que é também aquilo para o qual mais me inclino. Não sem antes fazer uma deriva pela questão do antisemitismo. Sugeri que o amor por Roth se devesse fundamentalmente a uma solidariedade sionista. Uma tal consideração é por demais arriscada, sobretudo no contexto em que qualquer crítica ao que existe é imediatamente assimilada a um anti qualquer. Roth não é sionista. Foi até bastante crítico do sentimento apologético que a maioria dos porta-vozes da comunidade judia têm perante a actuação do Estado de Israel. Não obstante não ser um crítico proeminente, como, digamos, Judith Butler. E desde os seus mais tenros anos que não tem sido particularmente notória a sua revolta ou discordância. Por que o sugeri, fui imediatamente acusado de antisemitismo; mais, fui automaticamente catalogado em remanescências heichmanianas ainda mal depuradas. Com cortante originalidade, o poeta, que não tem por nome de guerre “sem-abrigo” como um outro famoso personagem literário – este vive bem que se farta (será inveja? Se calhar.) remata um dos seus posts dizendo que os extremos se tocam. Sei do poeta, que em pose muito pouco lírica, excumungou os árabes e incitou os cães da guerra a deglutirem o mal infrene do terrorismo (dá-lhe lirismo, caralho!). Este mesmo poeta que associou ao antisemitismo toda e qualquer crítica ao Estado de Israel. É fácil. Desloca imediatamente o contendor para um campo inqualificável. E aqui não há argumentação possível.
O Mexia foi tirar escritores judeus das prateleiras, revoltado com o antisemitismo grassante na esquerda e preparava-se para os devolver à embaixada de israel – que não se esquecesse de lhes dar baixa na Mossad. Com este acto Lili Caneças versão erudita apenas revelou ao mundo a pobreza das suas estantes. Por lá andavam autores de renome como Kafka e Proust, Joseph Roth e Osip Mandelstam, mas faltavam tantos e bons que eu acho que o Mexia, antes de se entregar a um auto-de-fé voluntário, devia apetrechar melhor a sua bibriotéca. Ficam algumas sugestões: Schnitzler, Arthur; Zweig, Stefan; Singer; Isac; Sachs, Nelly; Mailer, Norman; Perutz, Leo; Raninzky, qualquer coisa que não recordo; Brod, Max; Pinter, Harold; Buruma Ian (livro recente e não pouco interessante sobre a morte do Theo Vgogh); Canetti, Elias; Koestler, Arthur (estranho que não esteja no retábulo do Mexia????); Heller, Joseph; Asimov, Isac; Doctorow, E.L., Ginsberg, Allen; Mamet, David; Sontag, Susana; Stein, Gertrudes; e last but not the least Celan, o grande Celan. Estes foram os que já lhes toquei, quer com concentrada atenção quer de raspão; e são aqueles que me ocorrem no momento. Estão muito, mas muito longe de esgotar os inúmeros escritores judeus por esse mundo fora. No entanto ficámos também a saber que o sujeito não tem por lá nem Marx nem Trotsky! (e não me venham dizer que não são romancistas!). So much pró tipo que se diz não arregimentável.
Qual é o objectivo deste name dropping asqueroso. Primeiro, responder ao outro name dropping asqueroso, mesmo que de forma diletante, insidiosa, nojenta e em certa medida cobarde (mas o outro também foi, embora ninguém faça ni puta idea de quem eu seja e toda a gente conheça o poeta Pedro Mexia). Segundo, porque estou farto de que por qualquer merda lá venha o labéu do antisemita. Porra, um gajo diz – no que é simplesmente uma especulação quiçá desinformada – que o Roth recolhe os favores todos da direita, no que parece, repita-se, uma contradiction in terms, porque a direita não perdoa quando um gajo é um bocadinho que seja contra Israel (veja-se o Mexia) -, porque se calhar é judeu, americano e qualquer outra coisa que me escapa, e leva logo com o relambório do antisemitismo. Continuo na minha busca pelo esclarecimento colectivo. E se esta empresa não faz sentido nenhum, e se a minha mirífica crítica à nova direita portuguesa é perfeitamente deslocada, esquizofrénica e abúlica, então desculpem qualquer coizinha. Mas porquê o Roth, caraças? Resposta: porque a qualidade literária é transversal às filiações ideológicas, partidárias, religiosas e quejandas. O tanas é que é! O Saramago que o diga.
Ps. Não sou, nunca fui, nunca serei antisemita. Venho de famílias onde pontificam nomes como Zacarias, Benjamim, e outros que tais. Queres ver que sou um self-hating jew?
Por outro lado, algo ainda mais enigmático, esta mesma facção blogosférica idolatra o Roth; reza de manhã à noite para que ele ganha o Nobel; pede à senhora de Fátima para que o escritor leve o galardão máximo da literatura mundial, até se rojam de joelhos ao franquear o já famoso arco da Imaculada Conceição. Roth é de facto um excelente escritor, nem isso está em discussão, apesar de as últimas obras se parecerem todas umas com as outras. E mesmo assim, cada peido que o Roth dá merece rasgadíssimos elogios, encómios desproporcionados, como se o escritor que é Roth ofuscasse qualquer coisa que o tivesse antecedido ou que lhe venha a suceder. Sucede que, para além da pátria do mesmo, não encontro entusiasmo tão excessivo em nenhum outro país como o que se vê em Portugal. Estranho .
Por excepção de partes, Roth agradaria à nova direita porque é americano. Mas há muitos bons escritores norte-americanos que não merecem metade do júbilo ... Joyce Carol Oates, excelente. O jovem Safran Foer, grande revelação. O quase estreante Mohsin Hamid, com o seu “The reluctant fundamentalist”, uma surpresa de leitura obrigatória; o Dellilo, grande prosador, e Cormac MacCarthy, grande livro que é o de Road. A lista está longe de ser exaustiva como é óbvio. Seja como for, nenhum dos anteriores mereceu as distinções que foram sendo apensadas aos blogs dos jovens conservadores.
Porém, o fraquito Everyman foi acompanhado de fanfarra; tapete vermelho, livro nunca antes lido e outros exageros a que este grupúsculo é dado.
Para além disso, Roth é pouco politicamente correcto. Razão de sobra para fazer as delícias dos novos conservadores que odeiam tudo o que se assemelhe remotamente ao pc. Mas Cormac também não pode ser enlencado nos pcs norte-americanos, Dellilo não me parece que esteja muito para aí virado, Oates, qualquer coisa que se pareça com pc é-lhe naturalmente incompatível, e Foer está-se positivamente cagando. Por conseguinte, isto também não chega.
Chegamos ao pior, que é também aquilo para o qual mais me inclino. Não sem antes fazer uma deriva pela questão do antisemitismo. Sugeri que o amor por Roth se devesse fundamentalmente a uma solidariedade sionista. Uma tal consideração é por demais arriscada, sobretudo no contexto em que qualquer crítica ao que existe é imediatamente assimilada a um anti qualquer. Roth não é sionista. Foi até bastante crítico do sentimento apologético que a maioria dos porta-vozes da comunidade judia têm perante a actuação do Estado de Israel. Não obstante não ser um crítico proeminente, como, digamos, Judith Butler. E desde os seus mais tenros anos que não tem sido particularmente notória a sua revolta ou discordância. Por que o sugeri, fui imediatamente acusado de antisemitismo; mais, fui automaticamente catalogado em remanescências heichmanianas ainda mal depuradas. Com cortante originalidade, o poeta, que não tem por nome de guerre “sem-abrigo” como um outro famoso personagem literário – este vive bem que se farta (será inveja? Se calhar.) remata um dos seus posts dizendo que os extremos se tocam. Sei do poeta, que em pose muito pouco lírica, excumungou os árabes e incitou os cães da guerra a deglutirem o mal infrene do terrorismo (dá-lhe lirismo, caralho!). Este mesmo poeta que associou ao antisemitismo toda e qualquer crítica ao Estado de Israel. É fácil. Desloca imediatamente o contendor para um campo inqualificável. E aqui não há argumentação possível.
O Mexia foi tirar escritores judeus das prateleiras, revoltado com o antisemitismo grassante na esquerda e preparava-se para os devolver à embaixada de israel – que não se esquecesse de lhes dar baixa na Mossad. Com este acto Lili Caneças versão erudita apenas revelou ao mundo a pobreza das suas estantes. Por lá andavam autores de renome como Kafka e Proust, Joseph Roth e Osip Mandelstam, mas faltavam tantos e bons que eu acho que o Mexia, antes de se entregar a um auto-de-fé voluntário, devia apetrechar melhor a sua bibriotéca. Ficam algumas sugestões: Schnitzler, Arthur; Zweig, Stefan; Singer; Isac; Sachs, Nelly; Mailer, Norman; Perutz, Leo; Raninzky, qualquer coisa que não recordo; Brod, Max; Pinter, Harold; Buruma Ian (livro recente e não pouco interessante sobre a morte do Theo Vgogh); Canetti, Elias; Koestler, Arthur (estranho que não esteja no retábulo do Mexia????); Heller, Joseph; Asimov, Isac; Doctorow, E.L., Ginsberg, Allen; Mamet, David; Sontag, Susana; Stein, Gertrudes; e last but not the least Celan, o grande Celan. Estes foram os que já lhes toquei, quer com concentrada atenção quer de raspão; e são aqueles que me ocorrem no momento. Estão muito, mas muito longe de esgotar os inúmeros escritores judeus por esse mundo fora. No entanto ficámos também a saber que o sujeito não tem por lá nem Marx nem Trotsky! (e não me venham dizer que não são romancistas!). So much pró tipo que se diz não arregimentável.
Qual é o objectivo deste name dropping asqueroso. Primeiro, responder ao outro name dropping asqueroso, mesmo que de forma diletante, insidiosa, nojenta e em certa medida cobarde (mas o outro também foi, embora ninguém faça ni puta idea de quem eu seja e toda a gente conheça o poeta Pedro Mexia). Segundo, porque estou farto de que por qualquer merda lá venha o labéu do antisemita. Porra, um gajo diz – no que é simplesmente uma especulação quiçá desinformada – que o Roth recolhe os favores todos da direita, no que parece, repita-se, uma contradiction in terms, porque a direita não perdoa quando um gajo é um bocadinho que seja contra Israel (veja-se o Mexia) -, porque se calhar é judeu, americano e qualquer outra coisa que me escapa, e leva logo com o relambório do antisemitismo. Continuo na minha busca pelo esclarecimento colectivo. E se esta empresa não faz sentido nenhum, e se a minha mirífica crítica à nova direita portuguesa é perfeitamente deslocada, esquizofrénica e abúlica, então desculpem qualquer coizinha. Mas porquê o Roth, caraças? Resposta: porque a qualidade literária é transversal às filiações ideológicas, partidárias, religiosas e quejandas. O tanas é que é! O Saramago que o diga.
Ps. Não sou, nunca fui, nunca serei antisemita. Venho de famílias onde pontificam nomes como Zacarias, Benjamim, e outros que tais. Queres ver que sou um self-hating jew?
Wednesday, October 17, 2007
Notícia de última hora.
Dizem-me que um deputado numa qualquer região italiana prometeu publicamente que, se o governo regional avançasse com o projecto de construir uma mesquita na sua cidade, que ele, deputado, passearia com um porco no local onde está prevista a construção. Chamaram-me a atenção para o facto de isto ser o equivalente a poluir um lugar sagrado e que seria o mesmo que urinar nas imediações de uma igreja católica. Não conhecem as minudências do sagrado. Quantos de nós, crentes e ateus, num momento de aperto, não pedimos que deus olhasse para o lado enquanto mijávamos repimpadamente numa esquina de igreja? E isto apesar do povo dizer “pecado é mijar no adro”.
Em negativo
Pessoas sentadas no café. A luz brumosa a escoar-se pelo chão de madeira. Nos cantos, a penumbra. Candeeiros de pé a iluminarem mesas e cabeças com os seus focos concêntricos. Alguns clientes levam o cigarro à boca; outros remexem entretidos as colheres nas chávenas vazias. Burburinho de vozes. Espanto, de raparigas juntas numa das mesas, espanto verbalizado em estridentes injunções. A vitrina deixa ver a rua, até à esquina cinzenta. Pessoas que passam, para cima e para baixo. Alheadas do espanto das raparigas, dos cigarros presos displicentemente nos dedos, da luz que se côa nas paredes. Quadros. Diversos quadros, com pessoas, que trabalham e divertem-se, em simultâneo. Turistas, alguns. Outros, em velhas motorizadas, saídas de um tempo ausente. Pendurados nas paredes, quadros que não suscitam a atenção nem das raparigas, nem dos clientes que fumam, nem dos que olham compenetradamente para as chávenas. Que esperam eles encontrar? Nem das pessoas que passam na rua, passo estugado, e que são nos dadas a apreciar como no daguerriótipo do ilustre Daguerre. Que esperava ele encontrar?
Prontos pá porrada
Começa a assentar a duvidosa poeira que se tinha levantado em torno dos atributos de Menezes. Disso nos dá conta BB no seu último artigo do DN. Demorou tempo, mas vamos chegando à conclusão que não só Menezes não é tão canhestro como o tinham pintado Pacheco Pereira e VGM, como se encontra a léguas do indistinto Marques Mendes. Os interesses arreigados de certos sectores do PSD estavam de tal forma cristalizados que se chegou ao disparate de defender um candidato sem nenhum dos predicados necessários para vencer eleições. Por aqui se vê que a racionalidade em política é coisa muito difusa. Como diz BB, acusar Menezes de ser populista é o último reduto de uma direita que se encontrava confortavelmente acobertada pela sombra tutelar de Cavaco. Marques Mendes era o chaperon que levava certos barões a passear sob essa sombra protectora. Entretanto, após as últimas directas, algo de diferente se passou no PSD. A frente populista recuperou o poder; que é como quem diz o PSD regressa à sua essência. Menezes é populista, como Sócrates é populista, e como Portas leva o populismo ao seu ápice. Menezes não é particularmente populista, nem por causa disso se dissocia extraordinariamente dos restantes líderes do PSD. Durão Barroso, era, e é, populista. Talvez de uma maneira mais ilustrada, com certos ademanes, que rapidamente o identificavam com a elite. O populismo de Menezes deriva de uma elite menos política, mais de negócios, uma elite que usa o populismo na sua versão hard-core. Digamos que é um populismo diferente. Mas de uma coisa não pode haver dúvidas: Menezes faz muito mais estragos do que Marques Mendes alguma vez sonharia fazer.
Tuesday, October 16, 2007
Depois há Fátima
Fátima é só por si um milagre. 80 Milhões de contos que podiam ter sido utilizados em estádios de futebol foram canalizados para um santuário. O quarto maior santuário católico do mundo. Não é coisa que se apouque com graçolas e dixotes sobre a nescidade dos segredos de Fátima. Nem é a senhora que merece respeito aqui – são os dotes prosísticos de Lúcia, a irmã.
Debaixo de uma azinheira, passava o tempo Lúcia. Enquanto apascentava as cabras (o irmão e a irmã, os três pastorinhos brincavam concuspiscentemente com os seus sexos ainda mal desenvolvidos; afastava-se assim a hipótese de zezinho desflorar a irmã, algo que há muito observavam como comportamento corriqueiro nas cabritas que por ali cagavam e mijavam), mas dizia, enquanto Lúcia deitava um olho às cabras, não se preocupando enquanto o seu balido não denotasse nenhuma contraproducência (do género, ciganos a rapinarem gado, que por aquelas paragens era mato), entretinha-se Lúcia a desfolhar a amarelecida versão do Inferno de Dante traduzida pelo padre Abrantes de Oliveira. Era Lúcia dada à terça rima e nutria especial apreço pelas descrições mais violentas dos confrontos venezianos que Dante se entretera a dar vida num dos seus anéis – salvo erro, o quarto. Lúcia, que da vida apenas sabia aproveitar os bonicos das cabras para ajuntar à lareira e produzir calor, conhecia também alguns versos de Horácio, que decorara quando o padre Alfredo, da igreja mais próxima da Cova da Iria, lhe encovava na sua pequena pachacha uma velha vela de parafina já gasta, e que por isso adquirira uma tal ductilidade que o oficiante do senhor se servia dela como dildo nas suas brincadeiras com as beatas. Apenas o sacristão tinha conhecimento destas práticas no confessionário, e mesmo assim, jurara pela Virgem nunca revelá-las. Este era o primeiro segredo de Fátima, que não foi o consagrado pela mais tarde adulta Lúcia porque de virgem já não tinha nada. Por isso quando chegou ao convento de Ponte Vedra, terá dito desditosa: em Fátima é que eu as passava bem passadas – até via o sol rodopiar! Algo que mais de 70.000 fiéis coadjuvariam mais tarde quando confrontados com as declarações de Irmã Lúcia: oh sim, ela até o via rodopiar. A piquena tinha ginete!
O primeiro segredo, assim como é relatado pela irmã, possui adjacências com o primeiro segredo de Taveira. Este último, revelaria mais tarde em frente de Câmaras de video judiciosamente colocadas em pontos providenciais que ali estava “um verdadeiro inferno”. E nem era para menos, posto que era de lura escura e inóspita que se tratava de garimpar.
O primeiro segredo é uma visão do inferno, esqueceram-se? Uma visão dantesca, com negros demónios e almas a serem arrastadas pela lava candente. Lúcia conta na sua carta ao Santa Padre, como a senhora lhe deu a conhecer o inferno (isto já depois de o padre Alfredo lhe ter dado a conhecer o céu). E a visão é estranhamente igual à visão do inferno que toda a cristandade ocidental tem alimentado desde que Bosh pintou as suas delícias. Por conseguinte, Lúcia não foi supinamente original, mas nem a senhora a queria enganar, e por isso reproduziu fielmente aquilo que toda a gente já sabia que seria mais coisa menos coisa o inferno. Vale a pena transcrever um pedaço: Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fôgo que parcia estar debaixo da terra. Mergulhados em êsse fôgo os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronziadas com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que d'elas mesmas saiam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faulhas em os grandes incêndios sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dôr e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demónios destinguiam-se por formas horríveis e ascrosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros”. Depois disto ninguém fica indiferente aos dotes literários de Lúcia. Eram portanto demónios transparentes e negros que a atazanavam. Estes mesmos demónios andavam, a bem da verdade, a assolar meio-mundo. Reinavam impunemente na velha Rússia ao qual a senhora se refere como a “Rússia” embora quando ela apareceu já se começavam a delinear os contornos da futura União Soviética. O segundo segredo é sobre a conversão da Rússia ao cristianismo, mais precisamente, a consagração da Rússia ao Imaculado coração da virgem. A profecia não foi desmentida, e a Rússia espalhou de facto seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sufrer, várias nações serão aniquiladas. Só que, e aqui a senhora não pode ser inculpada de ter confundido a geografia futura, quem o fez foi a União Soviética. As razões pelas quais Lúcia mantém o nome Rússia são largamente discutidas pelos mais prestigiados exegetas do Vaticano e as diversas conclusões foram compiladas na obra “Eles não nos deram fruta” fazendo alusão à passagem de triste memória do Benfica pelos campos do Dínamo de Moscovo. Aí se discute a consagração da Rússia e as razões pelas quais Lúcia desarranjou a geo-história não se referindo à União Soviética. Alguns afirmam que foi um problema de parcimónia e que em vez de escrever União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – sabendo-se que Lúcia é dada a estes preciosismos – preferiu, para atalhar, a mais cómoda Rússia. Outros contrapõem que a grande consagração da Rússia ao Imaculado coração ainda não aconteceu, e só quando Putin for entronizado pela sexta vez se poderá começar a sugerir que é milagre.
Se a consagração da Rússia aparece numa linguagem despida e mais chegada à aridez da geopolítica do que à imagética medieval, já o terceiro segredo regressa ao estilo visionário, profético-alucinado concordando alguns teólogos que Lúcia estaria novamente com o inglês. É por esta altura que Lúcia vê banhos de sangue Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, n'êles recolhiam o sangue dos Martires e com êle regavam as almas que se aproximavam de Deus. Anjos com regador de cristal na mão é obviamente uma metáfora sexual. Mas para significar o quê? O lado gore de Lúcia não passou despercebido a tipos como Sam Raimi, Rodriguez e King. Diriam mais tarde que a sua grande inspiração tinha sido o terceiro segredo de Fátima, não esquecendo Carpenter, claro. É controverso se foi Lúcia que se inspirou em Carpenter ou o contrário. É verdade que foi encontrado nas gavetas do segundo rabiscos com a cópia das palavras de Lúcia que dizem ter sido surripiadas da biblioteca do Vaticano no tempo em que ainda se podiam levar até três livros para casa. Carpenter viria mais tarde a utilizar a ideia dos regadores nos “Ghosts from Mars” sobretudo quando às sevícias corporais se segue o aspergir imparável de sangue. A ideia dos regadores recolherem o sangue dos mártires para depois regarem com esse mesmo sangue, até a Eli Roth pareceu excessiva que se contentou em furar uma caixa toráxica com um berbequim. Mas tudo isto não passam de especulações. O que se sabe é que o Santo Padre gostou e reviu-se no calvário de sangue que Lúcia antecipara, uma antecipação atrasada, no entanto, dado que este terceiro segredo foi revelado depois de ter acontecido. Algo que não levou ninguém a ficar perplexo, na medida em que já tinha acontecido o mesmo ao segundo. E quanto ao inferno? Esse sempre lá esteve. A adesão do Santo Padre, mais, a fusão, com o relato do terceiro segredo nem é de estranhar. Lúcia diz que viu um “bispo vestido de branco” pressentindo acto contínuo que se tratava do Santo Padre a subir umas escadarias enquanto era alvejado por setas e balas. Mas ela própria cismou: qual seria o santo padre? Um bispo vestido de branco, de facto, não traduz muitas características identificatórias. A um pedófilo vestido de preto, podemos facilmente associar um padre. Mas a pergunta mantém-se: qual padre? Um bispo branco levou Lúcia a excluir, mais por intuição do que por dedução, o Monsenhor Desmond Tuto. Todavia, a misteriosa figura de um bispo vestido de branco revolteava na mente infantil de Lúcia. E por ali ficou a revoltear até bem entrada na idade madura. Não fosse a incrível coincidência de um Santo Padre, João Paulo II, ter sido quase assassinado nas escadarias de um outro templo sagrado.
Debaixo de uma azinheira, passava o tempo Lúcia. Enquanto apascentava as cabras (o irmão e a irmã, os três pastorinhos brincavam concuspiscentemente com os seus sexos ainda mal desenvolvidos; afastava-se assim a hipótese de zezinho desflorar a irmã, algo que há muito observavam como comportamento corriqueiro nas cabritas que por ali cagavam e mijavam), mas dizia, enquanto Lúcia deitava um olho às cabras, não se preocupando enquanto o seu balido não denotasse nenhuma contraproducência (do género, ciganos a rapinarem gado, que por aquelas paragens era mato), entretinha-se Lúcia a desfolhar a amarelecida versão do Inferno de Dante traduzida pelo padre Abrantes de Oliveira. Era Lúcia dada à terça rima e nutria especial apreço pelas descrições mais violentas dos confrontos venezianos que Dante se entretera a dar vida num dos seus anéis – salvo erro, o quarto. Lúcia, que da vida apenas sabia aproveitar os bonicos das cabras para ajuntar à lareira e produzir calor, conhecia também alguns versos de Horácio, que decorara quando o padre Alfredo, da igreja mais próxima da Cova da Iria, lhe encovava na sua pequena pachacha uma velha vela de parafina já gasta, e que por isso adquirira uma tal ductilidade que o oficiante do senhor se servia dela como dildo nas suas brincadeiras com as beatas. Apenas o sacristão tinha conhecimento destas práticas no confessionário, e mesmo assim, jurara pela Virgem nunca revelá-las. Este era o primeiro segredo de Fátima, que não foi o consagrado pela mais tarde adulta Lúcia porque de virgem já não tinha nada. Por isso quando chegou ao convento de Ponte Vedra, terá dito desditosa: em Fátima é que eu as passava bem passadas – até via o sol rodopiar! Algo que mais de 70.000 fiéis coadjuvariam mais tarde quando confrontados com as declarações de Irmã Lúcia: oh sim, ela até o via rodopiar. A piquena tinha ginete!
O primeiro segredo, assim como é relatado pela irmã, possui adjacências com o primeiro segredo de Taveira. Este último, revelaria mais tarde em frente de Câmaras de video judiciosamente colocadas em pontos providenciais que ali estava “um verdadeiro inferno”. E nem era para menos, posto que era de lura escura e inóspita que se tratava de garimpar.
O primeiro segredo é uma visão do inferno, esqueceram-se? Uma visão dantesca, com negros demónios e almas a serem arrastadas pela lava candente. Lúcia conta na sua carta ao Santa Padre, como a senhora lhe deu a conhecer o inferno (isto já depois de o padre Alfredo lhe ter dado a conhecer o céu). E a visão é estranhamente igual à visão do inferno que toda a cristandade ocidental tem alimentado desde que Bosh pintou as suas delícias. Por conseguinte, Lúcia não foi supinamente original, mas nem a senhora a queria enganar, e por isso reproduziu fielmente aquilo que toda a gente já sabia que seria mais coisa menos coisa o inferno. Vale a pena transcrever um pedaço: Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fôgo que parcia estar debaixo da terra. Mergulhados em êsse fôgo os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronziadas com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que d'elas mesmas saiam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faulhas em os grandes incêndios sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dôr e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demónios destinguiam-se por formas horríveis e ascrosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros”. Depois disto ninguém fica indiferente aos dotes literários de Lúcia. Eram portanto demónios transparentes e negros que a atazanavam. Estes mesmos demónios andavam, a bem da verdade, a assolar meio-mundo. Reinavam impunemente na velha Rússia ao qual a senhora se refere como a “Rússia” embora quando ela apareceu já se começavam a delinear os contornos da futura União Soviética. O segundo segredo é sobre a conversão da Rússia ao cristianismo, mais precisamente, a consagração da Rússia ao Imaculado coração da virgem. A profecia não foi desmentida, e a Rússia espalhou de facto seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sufrer, várias nações serão aniquiladas. Só que, e aqui a senhora não pode ser inculpada de ter confundido a geografia futura, quem o fez foi a União Soviética. As razões pelas quais Lúcia mantém o nome Rússia são largamente discutidas pelos mais prestigiados exegetas do Vaticano e as diversas conclusões foram compiladas na obra “Eles não nos deram fruta” fazendo alusão à passagem de triste memória do Benfica pelos campos do Dínamo de Moscovo. Aí se discute a consagração da Rússia e as razões pelas quais Lúcia desarranjou a geo-história não se referindo à União Soviética. Alguns afirmam que foi um problema de parcimónia e que em vez de escrever União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – sabendo-se que Lúcia é dada a estes preciosismos – preferiu, para atalhar, a mais cómoda Rússia. Outros contrapõem que a grande consagração da Rússia ao Imaculado coração ainda não aconteceu, e só quando Putin for entronizado pela sexta vez se poderá começar a sugerir que é milagre.
Se a consagração da Rússia aparece numa linguagem despida e mais chegada à aridez da geopolítica do que à imagética medieval, já o terceiro segredo regressa ao estilo visionário, profético-alucinado concordando alguns teólogos que Lúcia estaria novamente com o inglês. É por esta altura que Lúcia vê banhos de sangue Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, n'êles recolhiam o sangue dos Martires e com êle regavam as almas que se aproximavam de Deus. Anjos com regador de cristal na mão é obviamente uma metáfora sexual. Mas para significar o quê? O lado gore de Lúcia não passou despercebido a tipos como Sam Raimi, Rodriguez e King. Diriam mais tarde que a sua grande inspiração tinha sido o terceiro segredo de Fátima, não esquecendo Carpenter, claro. É controverso se foi Lúcia que se inspirou em Carpenter ou o contrário. É verdade que foi encontrado nas gavetas do segundo rabiscos com a cópia das palavras de Lúcia que dizem ter sido surripiadas da biblioteca do Vaticano no tempo em que ainda se podiam levar até três livros para casa. Carpenter viria mais tarde a utilizar a ideia dos regadores nos “Ghosts from Mars” sobretudo quando às sevícias corporais se segue o aspergir imparável de sangue. A ideia dos regadores recolherem o sangue dos mártires para depois regarem com esse mesmo sangue, até a Eli Roth pareceu excessiva que se contentou em furar uma caixa toráxica com um berbequim. Mas tudo isto não passam de especulações. O que se sabe é que o Santo Padre gostou e reviu-se no calvário de sangue que Lúcia antecipara, uma antecipação atrasada, no entanto, dado que este terceiro segredo foi revelado depois de ter acontecido. Algo que não levou ninguém a ficar perplexo, na medida em que já tinha acontecido o mesmo ao segundo. E quanto ao inferno? Esse sempre lá esteve. A adesão do Santo Padre, mais, a fusão, com o relato do terceiro segredo nem é de estranhar. Lúcia diz que viu um “bispo vestido de branco” pressentindo acto contínuo que se tratava do Santo Padre a subir umas escadarias enquanto era alvejado por setas e balas. Mas ela própria cismou: qual seria o santo padre? Um bispo vestido de branco, de facto, não traduz muitas características identificatórias. A um pedófilo vestido de preto, podemos facilmente associar um padre. Mas a pergunta mantém-se: qual padre? Um bispo branco levou Lúcia a excluir, mais por intuição do que por dedução, o Monsenhor Desmond Tuto. Todavia, a misteriosa figura de um bispo vestido de branco revolteava na mente infantil de Lúcia. E por ali ficou a revoltear até bem entrada na idade madura. Não fosse a incrível coincidência de um Santo Padre, João Paulo II, ter sido quase assassinado nas escadarias de um outro templo sagrado.
O riso é sagrado
Sempre pensei que contar anedotas racistas ou onde o esteriótipo é reforçado, era saudável, e mais, era sinal de que se exorcizavam fantasmas. A anedota racista ou religiosa possui um potencial humorístico que dificilmente anedotas sobre patos ou peidos atingem. Ninguém persegue as anedotas sobre patos ou peidos. Por infortúnio, são as anedotas racistas e desrespeitadoras das crenças religiosas que estão na mira das lavagens de consciência. Por exemplo,
Dois canibais estão a assar um cigano no espeto
Chega um terceiro e nota que eles estão a virar o espeto incrivelmente depressa
Então pergunta: é pá porque é que estão a virar o espeto tão depressa? Não vêm que ele assim não fica bem tostado?
Então respondem os outros dois: não vês que se não for assim o cigano rouba-nos as batatas todas!
Simples, eficaz e, em certa medida contundente. Tem batatas, tem ciganos e tem canibais. É portanto uma anedota que contém a história de uma civilização. E isto é insultuoso? Para os ciganos? Para as batatas? Para os canibais? Seja qual for a resposta, reservo-me o direito de lhes achar piada, quero dizer, às anedotas racistas e desrespeitadoras de crenças religiosas. Não se pode tocar em Maomé, pois é uma porra. E eles, os muçulmanos, até têm piada; nem seria exagerado dizer que têm um sentido de humor hilariante. Basta conversar com um deles. Mas quando chega a Maomé, está tudo estragado. Trocadilhos com cerveja, gajas, camelos ou mullas, tudo bem; mesmo gozar com o muezin, dizendo, faz de conta, aquele gajo parece um peido a desprender-se do topo do minarete. Nem expressão de desagrado, nem sequer um ligeiro franzir do sobrolho. Nada de nada. Mas quando chega a Maomé, deus nos livre e guarde. Pressinto que existam alguns muçulmanos mais à-vontade com o tema; e nem precisam de ser os renegados ou os réprobos. Dizer: ontem vi uma gaja boa, mas boa, com uma burqa, pode suscitar a apreensão de um purista da cognição ou de alguém com um espírito demasiado linear que não se enterneça com as delícias da imaginação. Mas daí a concluir que se pode dizer o que bem nos aprover sobre Maomé, vai um passo gigantesco, e não só para a humanidade. Será isto assim tão enviesadoramente moral apenas para os muçulmanos? Contar anedotas sobre o segredo de fátima, os pastorinhos ou o papa, seria extremamente tonificante. O problema é onde encontrá-las? No anedotário nacional, o panorama é extremamente desolador em relação às figuras mais proeminentes da nossa religiosidade. E no entanto, pouco há que não passe por anedota. O papa a pedir aos fiéis que não se esqueçam dele quando inaugurarem o novo templo em fátima. Que não se esqueçam dele, para o quê? Como beneficiário da côngrua? Um homem inteligente como MRS a fazer campanha contra o aborto. Para quê? A favor da vida dos fetos que nem sabemos em que espécie de seres humanos se tornarão? Homens e mulheres inteligentes, de reconhecido mérito (ou demérito, depende do ponto de vista) a jurarem que a virgem apareceu a planar sobre uma azinheira, e que há segredos que quando revelados espantarão o mundo. E enfim, um dos Sumo Pontifícies a recontar um sonho onde lhe era revelado o terceiro dos famosos segredos mencionados atrás. Isto possui tudo carácter anedótico, e no entanto poucos são os que se arriscam a torná-lo motivo do risível ou da irrisão.
Dizem que com o sagrado não se brinca. Ou pelo menos com o nosso sagrado não se deve brincar, porque faz parte do nosso sagrado – das razões que o sacralizam – brincar com o sagrado dos outros. Nem sempre é assim, e estas ilações sobre a alteridade do sentimento religioso aplicam-se sobretudo às grandes religiões monoteístas – palavras únicas, deus único, livro único. Quererá isto dizer que as outras, as panteístas, admitem piadas com o seu sagrado? Nem por isso. A raíz zen é de tal forma blindada contra a piadística que não há humor que lhe penetre. Podemos dispormo-nos a fazer humor com monges carecas, cantares meio apetatados ou túnicas e sandálias. Não passa de indumentária. Contudo, com os aspectos religiosos propriamente ditos?, dificilmente. Como é que se podem contar anedotas sobre o vazio, sobre o conhecimento interior, sobre a busca da anulação do eu? Pois parece difícil, mesmo impossível. Já com os hindus as possibilidades são maiores e mais nuanceadas. Podemos sempre tentar inventar maneiras de ridicularizar a reencarnação e o elenco de animais com que ela ameaça; ou o facto de adorarem uma vaca quando estavam a morrer de fome. Estas incongruências pagam-se caras quando perpassadas pelo olhar arguto do fazedor de anedotas. Os sikhs oferecem-nos um manancial de gozo virtualmente inesgotável, e não me refiro apenas ao turbante. Contudo, há uma certa adequação fonética entre a religião sikh e o inglês, o que proporciona que as melhores intervenções humorísticas sejam no terreno desta língua. Pode, por exemplo, ser sistematicamente repetido, do you feel sikh? Ou uma variante, how sikh do you feel? Ou ainda, do you feel sikh today, se a intenção for a de insistir até ao desespero do interlocutor. Eventualmente quem tem potencial para ocupar o topo são os Mormons e o seu Rumspringa!, literalmente saltar por aí, andar aos pinotes, espinotear como um gamo alvejado por uma seta com curare (até à paralesia total, que se dá passado 5 minutos). Os Mormons passariam por ser o alvo inesgotável da maledicência humorística. Não apenas os seus casacos cintados e os chapeús de aba larga são ridículos, como os gorros de renda que as suas mulheres são obrigadas a usar fariam as delícias dos mais abusadores. Ainda se queixam do véu! O véu é moderno; chega mesmo a ser modernaço. O véu é sexy, deixa apenas entrever as linhas dos olhos, um sombreado enigmático e promessas indecifráveis (começa a parecer a Marie Claire ou o Paulo Coelho, porra!). E tem qualquer coisa daquele exotismo oriental que nos recorda as leituras juvenis das mil e uma noites. E por aqui ficamos, porque se há sherazades que inventam o diabo a quatro para não perderem a cabeça, outras há que mandam um bafo a camelo ou cujo sovaco não vê sabão há mais de quatrocentas luas.
Chega um terceiro e nota que eles estão a virar o espeto incrivelmente depressa
Então pergunta: é pá porque é que estão a virar o espeto tão depressa? Não vêm que ele assim não fica bem tostado?
Então respondem os outros dois: não vês que se não for assim o cigano rouba-nos as batatas todas!
Simples, eficaz e, em certa medida contundente. Tem batatas, tem ciganos e tem canibais. É portanto uma anedota que contém a história de uma civilização. E isto é insultuoso? Para os ciganos? Para as batatas? Para os canibais? Seja qual for a resposta, reservo-me o direito de lhes achar piada, quero dizer, às anedotas racistas e desrespeitadoras de crenças religiosas. Não se pode tocar em Maomé, pois é uma porra. E eles, os muçulmanos, até têm piada; nem seria exagerado dizer que têm um sentido de humor hilariante. Basta conversar com um deles. Mas quando chega a Maomé, está tudo estragado. Trocadilhos com cerveja, gajas, camelos ou mullas, tudo bem; mesmo gozar com o muezin, dizendo, faz de conta, aquele gajo parece um peido a desprender-se do topo do minarete. Nem expressão de desagrado, nem sequer um ligeiro franzir do sobrolho. Nada de nada. Mas quando chega a Maomé, deus nos livre e guarde. Pressinto que existam alguns muçulmanos mais à-vontade com o tema; e nem precisam de ser os renegados ou os réprobos. Dizer: ontem vi uma gaja boa, mas boa, com uma burqa, pode suscitar a apreensão de um purista da cognição ou de alguém com um espírito demasiado linear que não se enterneça com as delícias da imaginação. Mas daí a concluir que se pode dizer o que bem nos aprover sobre Maomé, vai um passo gigantesco, e não só para a humanidade. Será isto assim tão enviesadoramente moral apenas para os muçulmanos? Contar anedotas sobre o segredo de fátima, os pastorinhos ou o papa, seria extremamente tonificante. O problema é onde encontrá-las? No anedotário nacional, o panorama é extremamente desolador em relação às figuras mais proeminentes da nossa religiosidade. E no entanto, pouco há que não passe por anedota. O papa a pedir aos fiéis que não se esqueçam dele quando inaugurarem o novo templo em fátima. Que não se esqueçam dele, para o quê? Como beneficiário da côngrua? Um homem inteligente como MRS a fazer campanha contra o aborto. Para quê? A favor da vida dos fetos que nem sabemos em que espécie de seres humanos se tornarão? Homens e mulheres inteligentes, de reconhecido mérito (ou demérito, depende do ponto de vista) a jurarem que a virgem apareceu a planar sobre uma azinheira, e que há segredos que quando revelados espantarão o mundo. E enfim, um dos Sumo Pontifícies a recontar um sonho onde lhe era revelado o terceiro dos famosos segredos mencionados atrás. Isto possui tudo carácter anedótico, e no entanto poucos são os que se arriscam a torná-lo motivo do risível ou da irrisão.
Dizem que com o sagrado não se brinca. Ou pelo menos com o nosso sagrado não se deve brincar, porque faz parte do nosso sagrado – das razões que o sacralizam – brincar com o sagrado dos outros. Nem sempre é assim, e estas ilações sobre a alteridade do sentimento religioso aplicam-se sobretudo às grandes religiões monoteístas – palavras únicas, deus único, livro único. Quererá isto dizer que as outras, as panteístas, admitem piadas com o seu sagrado? Nem por isso. A raíz zen é de tal forma blindada contra a piadística que não há humor que lhe penetre. Podemos dispormo-nos a fazer humor com monges carecas, cantares meio apetatados ou túnicas e sandálias. Não passa de indumentária. Contudo, com os aspectos religiosos propriamente ditos?, dificilmente. Como é que se podem contar anedotas sobre o vazio, sobre o conhecimento interior, sobre a busca da anulação do eu? Pois parece difícil, mesmo impossível. Já com os hindus as possibilidades são maiores e mais nuanceadas. Podemos sempre tentar inventar maneiras de ridicularizar a reencarnação e o elenco de animais com que ela ameaça; ou o facto de adorarem uma vaca quando estavam a morrer de fome. Estas incongruências pagam-se caras quando perpassadas pelo olhar arguto do fazedor de anedotas. Os sikhs oferecem-nos um manancial de gozo virtualmente inesgotável, e não me refiro apenas ao turbante. Contudo, há uma certa adequação fonética entre a religião sikh e o inglês, o que proporciona que as melhores intervenções humorísticas sejam no terreno desta língua. Pode, por exemplo, ser sistematicamente repetido, do you feel sikh? Ou uma variante, how sikh do you feel? Ou ainda, do you feel sikh today, se a intenção for a de insistir até ao desespero do interlocutor. Eventualmente quem tem potencial para ocupar o topo são os Mormons e o seu Rumspringa!, literalmente saltar por aí, andar aos pinotes, espinotear como um gamo alvejado por uma seta com curare (até à paralesia total, que se dá passado 5 minutos). Os Mormons passariam por ser o alvo inesgotável da maledicência humorística. Não apenas os seus casacos cintados e os chapeús de aba larga são ridículos, como os gorros de renda que as suas mulheres são obrigadas a usar fariam as delícias dos mais abusadores. Ainda se queixam do véu! O véu é moderno; chega mesmo a ser modernaço. O véu é sexy, deixa apenas entrever as linhas dos olhos, um sombreado enigmático e promessas indecifráveis (começa a parecer a Marie Claire ou o Paulo Coelho, porra!). E tem qualquer coisa daquele exotismo oriental que nos recorda as leituras juvenis das mil e uma noites. E por aqui ficamos, porque se há sherazades que inventam o diabo a quatro para não perderem a cabeça, outras há que mandam um bafo a camelo ou cujo sovaco não vê sabão há mais de quatrocentas luas.
Pela manhã
A pior coisa que pode acontecer num dia soalheiro pela manhã? Encontrar um colega, amigo, familiar no transporte para o trabalho. Vimo-lo(a) aproximar-se. Um calafrio percorre-nos a espinha, foda-se que já me foderam a leitura! Mesuras variadas: então por aqui (seu filho da puta)?, olha, olha quem é ele (o cabrão que já me fodeu a manhã)?, senta-te aqui, tás à vontade (até te podes cagar!). Depois, fechamos o livro, revista, jornal, magazine literário ou desportivo, a contragosto e ainda pior preparamo-nos para entabular conversa. O, ou a, comparsa, entretanto sentou-se com o seu corpo pesado de fardos de sono, à nossa frente; mesmo que seja magro e esquálido, adquiriu um peso inusitado por se ter intrometido à sorrelfa no retábulo da manhã. Santinhos, estávamos nós, fechados em compenetrada beatitude, esperando apenas a epifania das portas de correr do metropolitano e alguns saltos altos a trautear marchas castrenses. E eis que senão, donde veio esta aparição? E então, está tudo bem contigo? Tudo, e contigo? Vai-se andando. E que frio, hem. Nem por isso (ou, podes crer, que frio de rachar!). Entrementes, a página que se deixou ainda a flutuar, a pedir meças. Aquela ideia que se deixou pendente, no parágrafo ainda não terminado, a colar-se às pupilas enquanto se franqueia, paulatinamente, uma daquelas conversas forçadas que exigem um estoicismo de espartano em greve de fome. O embaraço é comum. Sejamos simpáticos, cordiais, cordatos e outros adjectivos da terminologia urbana. Falar sobre a família, e a tua mulher tem passado bem? Sobre o dia de trabalho que começa, tenho uma pilha de papelada na minha secretária para despachar? Sobre planos futuros, então e as férias para o ano que vem? Nada que substituísse uma linha sequer do livro que acabámos pressurosamente de guardar na mala. Chamam-lhe, alguns, a função fática. Boa educação, cordialidade são outros termos que ocorrem à mente. Esforço, sacrifício, tortura, são expressões menos usadas, em boa verdade tingidas com um halo de desprezo pelo humano e pela comunicação. Misantropia, será isso? Pelo menos até às 10 da manhã, onde farrapos de sonhos ainda teimam em languescer por aí e ideias de um combóio que devia ter continuado eternamente se interpõem aos esforços do recomeço.
Monday, October 15, 2007
Sick, Sicko, Sickening!
Imaginem cortarem dois dedos numa serra mecânica. Imaginem irem a uma urgêrncia hospitalar e ser-vos dado a escolher qual dos dedos queriam que fosse reconstituído porque não têm dinheiro para pôr os dois. Então é-vos dito: o dedo médio custa 60.000 dólares e o anelar, porque o pedaço de carne arrancado foi menor, custa apenas 12.000. Isto é Sicko!
Quando se sai do cinema, a primeira coisa que nos assola é uma vontade tremenda de estrangular um qualquer áulico do mercado livre; desses que afirmam peremptoriamente que as coisas funcionam muito melhor quando o Estado não intervém, seja em que circunstância for. O filme de Moore mostra que não é assim. Não só não é assim, como o sistema imposto tem muito pouco a ver com a eficiência geral do sistema de saúde. É ver.
Nóbel, Odete. Nóbel.
“My name has been on the short list for such a long time.” Lessing em entrevista com os jornalistas à entrada da sua casa.
O debate sobre a qualidade literária do Nobel suscitado pela revolta serôdia do Atlântico contra Doris Lessing, mostra os entorses da crítica não literária quando esta sentencia sobre literatura. O que é que isto quer dizer? Significa que a ideologia está viva e que as batalhas pelo gosto canónico são absolutamente informadas por escaramuças ideológicas.
Agarra-se no Bloom e porque este diz que Lessing não presta e vai de fazer coro com os anti-political correctness de serviço. Que estes são de todo o jaez e feitio, restam poucas dúvidas. Mas aqui, no caso dos comentários em Portugal, mostram um provincianismo, uma mesquinhez, uma menoridade confrangedoras. Se dúvidas haviam de que tendências políticas se reflectem nas escolhas literárias, penso que uma breve passagem em revista pelos jornais e blogtosfera portugueses as dissipam facilmente. Há um nome que surge em uníssono: Roth. Gritam Roth na blogosfera, e, espantoso, abro o DN hoje e lá vem um artigo de opinião a soluçar por Roth. Cada vez que Roth publica um livro é um borburinho entusiástico ao qual não podemos ficar indiferentes. De onde veio este consenso em torno de Roth? E por que razão é ele incensado tão unanimemente pela nova direita conservadora?
A minha interpretação é a de que Roth é um escritor absolutamente anódino. No sentido em que o que diz agrade sobremaneira aos críticos do politicamente correcto e não desafia minimamente a imaginação do leitor. Trata-se de uma leitura mais elaborada para yuppi cultivado. Se o Harry Potter faz a delícia dos adolescentes porque os coloca num mundo sunambúlico que não aquece nem arrefece, Roth faz o equivalente para os adultos. Não admira portanto que a direita conservadora encha a boca de Roth. Mesmo quando ele é Roth, no seu melhor, é sempre demasiado bem comportado. Quer estética quer narrativamente. Roth é o escritor que passa entre as gotas da chuva.
O que é curioso neste encadeado perfeito de reacções é que todos os críticos do Nobel deste ano, começam por dizer, não a li, mas... Há dois aspectos a distinguir nesta formulação: primeiro, é perfeitamente hipócrita considerar que este foi o único prémio Nobel concedido por outras (pressupostas) razões que não a qualidade literária. Basta lembrar o prémio Nobel da literatura dado a Churchill ou a Solzhenytsin para que nos apercebamos que a acusação tem tanto de extemporânea como de falaciosa. O prémio Nobel foi para Solyentzin em 70, mas bem que podia ter ido para Nabokov que ninguém no seu perfeito juízo ousaria sequer comparar em termos literários. A guerra-fria foi também palco para inúmeros exercícios em contorcionismo literário, chamemos-lhe assim. Para além disso o Nobel nunca premiou alguns que viriam a revelar-se como verdadeiros merecedores de figurar no panteão literário mundial, faltas imperdoáveis como Joyce e Borges ou o já referido Nabokov, mas também Greene e se recuarmos no tempo as inexplicáveis ausências de Virginia Wolf ou Conrad. Os exemplos são variados. Em resumo, o Nobel está longe de ser objectivo, e o da literatura parece que ainda o é menos.
Segundo, o que parece suscitar o escárnio de blogs como o Atlântico prende-se mais com o facto de Lessing ser feminista do que com a sua qualidade literária. Mas também não é muito complexo perceber como surgiu a ideia e como ela, como qualquer rumor, foi disseminada tão facilmente. Também aqui é o google que nos fornece a resposta. O artigo vem no Herald Tribune, bastião do jornalismo conservador nas terras do tio Sam. Veja-se como as opiniões obedecem a uma contingência condicionada. Disparate? Eventualmente. Tenhamos o despudor de enveredar então pelo disparate. Se o blog Atlântico fosse cliente da New York Review of Books teria chegado a conclusões de certo bem diversas. Diria então que Lessing é um farol para a causa feminista; escritora que deu voz à real experiência das mulheres, etc, etc. Nem Bloom com o seu azedume do costume contra tudo o que remotamente se assemelhe a politics of identity nem o coro de carpideiras a chorar pelo esquecimento, mais uma vez, de Roth. A inversão dos gostos, na nossa época de pluralismo explosivo, é tão sensível que basta uma pequena deslocação para que se provoque uma autêntica hecatombe no fim da corrente opinativa. Muito teoria do caos, concedo. E muito bloomiana esta sensação de que deixaram de haver valores coerentes e trans-contextuais que possam aferir a qualidade literária de um escritor.
Agarra-se no Bloom e porque este diz que Lessing não presta e vai de fazer coro com os anti-political correctness de serviço. Que estes são de todo o jaez e feitio, restam poucas dúvidas. Mas aqui, no caso dos comentários em Portugal, mostram um provincianismo, uma mesquinhez, uma menoridade confrangedoras. Se dúvidas haviam de que tendências políticas se reflectem nas escolhas literárias, penso que uma breve passagem em revista pelos jornais e blogtosfera portugueses as dissipam facilmente. Há um nome que surge em uníssono: Roth. Gritam Roth na blogosfera, e, espantoso, abro o DN hoje e lá vem um artigo de opinião a soluçar por Roth. Cada vez que Roth publica um livro é um borburinho entusiástico ao qual não podemos ficar indiferentes. De onde veio este consenso em torno de Roth? E por que razão é ele incensado tão unanimemente pela nova direita conservadora?
A minha interpretação é a de que Roth é um escritor absolutamente anódino. No sentido em que o que diz agrade sobremaneira aos críticos do politicamente correcto e não desafia minimamente a imaginação do leitor. Trata-se de uma leitura mais elaborada para yuppi cultivado. Se o Harry Potter faz a delícia dos adolescentes porque os coloca num mundo sunambúlico que não aquece nem arrefece, Roth faz o equivalente para os adultos. Não admira portanto que a direita conservadora encha a boca de Roth. Mesmo quando ele é Roth, no seu melhor, é sempre demasiado bem comportado. Quer estética quer narrativamente. Roth é o escritor que passa entre as gotas da chuva.
O que é curioso neste encadeado perfeito de reacções é que todos os críticos do Nobel deste ano, começam por dizer, não a li, mas... Há dois aspectos a distinguir nesta formulação: primeiro, é perfeitamente hipócrita considerar que este foi o único prémio Nobel concedido por outras (pressupostas) razões que não a qualidade literária. Basta lembrar o prémio Nobel da literatura dado a Churchill ou a Solzhenytsin para que nos apercebamos que a acusação tem tanto de extemporânea como de falaciosa. O prémio Nobel foi para Solyentzin em 70, mas bem que podia ter ido para Nabokov que ninguém no seu perfeito juízo ousaria sequer comparar em termos literários. A guerra-fria foi também palco para inúmeros exercícios em contorcionismo literário, chamemos-lhe assim. Para além disso o Nobel nunca premiou alguns que viriam a revelar-se como verdadeiros merecedores de figurar no panteão literário mundial, faltas imperdoáveis como Joyce e Borges ou o já referido Nabokov, mas também Greene e se recuarmos no tempo as inexplicáveis ausências de Virginia Wolf ou Conrad. Os exemplos são variados. Em resumo, o Nobel está longe de ser objectivo, e o da literatura parece que ainda o é menos.
Segundo, o que parece suscitar o escárnio de blogs como o Atlântico prende-se mais com o facto de Lessing ser feminista do que com a sua qualidade literária. Mas também não é muito complexo perceber como surgiu a ideia e como ela, como qualquer rumor, foi disseminada tão facilmente. Também aqui é o google que nos fornece a resposta. O artigo vem no Herald Tribune, bastião do jornalismo conservador nas terras do tio Sam. Veja-se como as opiniões obedecem a uma contingência condicionada. Disparate? Eventualmente. Tenhamos o despudor de enveredar então pelo disparate. Se o blog Atlântico fosse cliente da New York Review of Books teria chegado a conclusões de certo bem diversas. Diria então que Lessing é um farol para a causa feminista; escritora que deu voz à real experiência das mulheres, etc, etc. Nem Bloom com o seu azedume do costume contra tudo o que remotamente se assemelhe a politics of identity nem o coro de carpideiras a chorar pelo esquecimento, mais uma vez, de Roth. A inversão dos gostos, na nossa época de pluralismo explosivo, é tão sensível que basta uma pequena deslocação para que se provoque uma autêntica hecatombe no fim da corrente opinativa. Muito teoria do caos, concedo. E muito bloomiana esta sensação de que deixaram de haver valores coerentes e trans-contextuais que possam aferir a qualidade literária de um escritor.
Cesariana
A única razão por que alguém sugeriu esta segunda hipótese, evidentemente pior, é porque já temos um aeroporto médio em excelentes condições, onde aliás acabaram de se fazer obras substanciais e dispendiosas. (César das Neves in DN)
Talvez se o termo de comparação for Podgorica.
Talvez se o termo de comparação for Podgorica.
Friday, October 12, 2007
Relativismo, racismo, sob o signo do ismo
O relativismo moral serve de acusação para tudo o que não seja estoicamente tradicionalista. Tem portanto as costas largas. Por relativismo moral entendem-se coisas tão díspares como o direito da mulher abortar – segundo César das Neves, por exemplo – ou o multiculturalismo, segundo o comentário de DLM. Esta confusão não faz bem à heurística e turva em grande medida o principal da discussão. Foi por isso que, para fugir aos escolhos teóricos, avancei, aliás apenas secundei, a hipótese de que vivemos em condições multi-culturais de facto e não apenas de jure. Ora isto não implica qualquer relativismo, muito menos moral. Seria relativismo se eu dissesse que assistimos actualmente a uma emersão de diferentes hábitos e práticas num banho cultural comum? Julgo que teria dificuldades em negar a evidência. Seria relativismo dizer que as fronteiras geográficas assim como as conhecíamos se têm tornado cada vez mais permeáveis? Não me parece que a posição contrária resistisse à prova dos factos.
Porém, uma coisa é negar a existência de algo, outra coisa é resistir à sua aceitação. E esta resistência traduz, em larga medida, o velho binómio entre o que é e o que deve ser. Com efeito, se retirarmos a objurgatória contra o relativismo – que, repito, serve apenas de cortina – o que fica é um outro ismo, mas desta feita de...racismo. O raciocínio corre o risco de se tornar circular, e tenho poucas dúvidas que essa possibilidade será finamente aproveitada pelos detractores da multiplicidade cultural (algo que, nos dias que correm, se aproxima a ser contra a gravidade). Afinal de contas, a defesa moral é sempre a de recusarem o epíteto de “racistas” afirmando que qualquer crítica será imediatamente rotulada como tal. Trata-se de certa maneira do mesmo turtuoso raciocínio sobre o anti-americanismo. Qualquer crítica contra os Estados Unidos é imediatamente catalogada de anti-americanismo. É uma estratégia interessante, que colhe os seus frutos, mas que se baseia em falácias lógicas. O mínimo que seria aceitável era que quem afirma tais posições assumisse o seu racismo. Claro, transparente, e, no melhor espírito pluralista, admissível. Não fora o problema de não ser de facto coerente com uma linguagem que tanto acarinha as liberdades, a escolha, a vontade e todo o menu a la carte da terminologia liberal. Mas não há confusão possível: o conservadorismo a la Oakshot não é apenas por coincidência que toca sistematicamente a mais atávica noção de unidade. Diz DLM, preservemos a “tradição, a cultura e comunidade como fim inquestionável do homem”. Dir-se-ia que uma tal formulação reflecte fielmente o velho nacionalismo étnico. O problema, obviamente, é o paradoxo que reside no seio de qualquer liberal conservador: são liberais ao domingo e conservadores o resto da semana. Quando se esperaria que após a sua inflamada exposição sobre direito natural e o parto da figura do cidadão apontasse para um nacionalismo extra-nação, DLM enviesa a conclusão mais plausível e retorna aos limites da cultura, e mais, à coincidência entre esta, uma dada tradição e, extrapolamos, uma dada nação. Percebe-se que a figura do cidadão forjada no cadinho do Iluminismo (mas eu quase que apostava que o DLM não envereda por uma adessão sem concessões ao Iluminismo; algo me diz que ela é travada pela crítica à religião) possa ser retraçada a uma cultura particular – a cultura europeia. O que seja a cultura europeia é algo de muito discutível. Mas admitamos que esta cultura criou uma figura singular, o cidadão. Em que medida é ela universal, como parece sugerir DLM? Hanna Arendt levanta a questão crucial quando analisa a situação dos milhões de refugiados que se deslocavam por essa Europa afora após a II Guerra. Na realidade tratava-se de apátridas. O atributo que todos possuiam em comum era justamente o não terem qualquer vínculo ao direito natural. Hanna Arendt usa uma expressão elucidativa a este respeito: o direito de ter direitos. A razão prende-se com o facto de o indivíduo, o cidadão, o portador de direitos só o ser em relação a um Estado. Na condição de sem-estado nem sequer existe o direito a ter direitos. É verdade que os direitos humanos colocariam rapidamente uma tal evidência em questão, ou não fossem eles extra-estatais, supra-estatais, e etc. Não há, no entanto, qualquer força jurídica dos direitos humanos; e não há porque eles não possuem mecanismos de legitimação semelhantes aos que são impostos pela deliberação democrática. Apesar de toda a retórica em contrário – de que os direitos humanos têm preponderância – o que se passa é que a sua efectivação responde a pressões lobísticas, portanto ao jogo dos interesses. Pelo menos, até agora; não parecendo que vá mudar tão cedo.
Depois desta deriva pela cidadania, regresso à questão central, a de que o multiculturalismo encerra o espectro do relativismo moral. Não existe um único exemplo prático que possa sustentar um tal receio. A menos que sejam as fantasias xenófobas segundo as quais os muçulmanos querem todos praticar a excisão nas suas filhas e que isso lhes está impresso no adn cultural. São meras fantasias. Mas coloquemo-lo no plano teórico. Primeiro, importa referir que não é seguro que o canibalismo seja exclusivo do “outro” – posição bastante bem inserida no discurso racista. Com efeito, nada me garante que o meu vizinho com quem eu partilho os mesmos códigos não possa ser ele o canibal. Por isso, nesta história de canibais, nunca se sabe muito bem donde vão eles aparecer. Segundo, as culturas não são monolíticas. Apenas o raciocínio mais arreigadamente nacionalista pode partir da premissa de que as culturas se encontram cristalizadas e incomunicáveis, que não possuem nada a aprender umas com as outras. Normalmente, a consequência de uma tal lógica é o sentimento de superioridade de uma cultura em relação a outra. Note-se que não é a asserção de que há coisas que podem ser trocadas, partilhadas, etc. É sobretudo um sentimento de superioridade unificado que leva a uma hierarquização. Neste aspecto o que o hierarquizador faz não é mais do que reificar um dos traços culturais – a avareza para os judeus, a excisão para os muçulmanos, a sensualidade para os africanos, etc – excluindo a sua própria cultura deste mesmo jugo reificador. Ao fazê-lo, imprime necessariamente uma estatura moral superior à sua própria cultura, a única que não pode, nem deve, ser reificada. Fica aqui desfeita a possibilidade dialógica. O hierarquizador esquece que este sistema possui a propriedade de ser reversível, i.e., pode ser ele sempre o alvo da reificação. E diríamos que fora de uma aceitação básica dos princípios multiculturais a reificação é o inescapável senso-comum nas relações entre diferentes culturas. Ora bem, ninguém disse que resistir a um tal resultado é uma espécie de atributo natural. Muito pelo contrário, ele tem que ser aprendido. Como se aprende a escrever e a ler. O conflito cultural tem sempre um potencial não negligenciável. Daí que a melhor atitude não é a de cruzar os braços e dizer que estamos perante campos irredutíveis, ou, o seu simétrico em negativo, que qualquer diferença ameaça uma pressuposta pureza inicial, como parece ser o sentido da parábola do canibal. Nada nos proíbe de entabular conversa com o outro; de confrontar normas, regras e práticas; de as traduzir numa forma racional, da qual argumentos possam ser aduzidos. Ora isto não faz com que todas as práticas se equivalam nem que não haja possibilidade de as julgar racionalmente. Se é esse o seu entendimento de multiculturalismo – um relativismo total onde as regras e práticas recebem a sua caução apenas porque provém inevitavelmente de uma cultura – então posso dizer-lhe que se me afigura um entendimento muito restrito do que é o multiculturalismo actual, e não é sequer o que eu partilho. No dialogismo não há forçosamente a queda no relativismo. Pelo contrário, evitamos a fuga – os bárbaros à porta, onde o caro David parece querer entrincheirar-se – e a aceitação plena. Esta forma de dialogismo, se alguma coisa, aceita o confronto como jogo de soma positiva. É eventualmente aquela que não coloca o outro à distância, não o reificando na sua condição de outro, trazendo-o pelo contrário para o centro. Já sei que nesta altura o David estará a pensar que não há diálogo possível com o canibal, que enquanto estivermos distraídos a conversar, ele devorar-nos-á. Pois é uma conclusão em substância racista.
Porém, uma coisa é negar a existência de algo, outra coisa é resistir à sua aceitação. E esta resistência traduz, em larga medida, o velho binómio entre o que é e o que deve ser. Com efeito, se retirarmos a objurgatória contra o relativismo – que, repito, serve apenas de cortina – o que fica é um outro ismo, mas desta feita de...racismo. O raciocínio corre o risco de se tornar circular, e tenho poucas dúvidas que essa possibilidade será finamente aproveitada pelos detractores da multiplicidade cultural (algo que, nos dias que correm, se aproxima a ser contra a gravidade). Afinal de contas, a defesa moral é sempre a de recusarem o epíteto de “racistas” afirmando que qualquer crítica será imediatamente rotulada como tal. Trata-se de certa maneira do mesmo turtuoso raciocínio sobre o anti-americanismo. Qualquer crítica contra os Estados Unidos é imediatamente catalogada de anti-americanismo. É uma estratégia interessante, que colhe os seus frutos, mas que se baseia em falácias lógicas. O mínimo que seria aceitável era que quem afirma tais posições assumisse o seu racismo. Claro, transparente, e, no melhor espírito pluralista, admissível. Não fora o problema de não ser de facto coerente com uma linguagem que tanto acarinha as liberdades, a escolha, a vontade e todo o menu a la carte da terminologia liberal. Mas não há confusão possível: o conservadorismo a la Oakshot não é apenas por coincidência que toca sistematicamente a mais atávica noção de unidade. Diz DLM, preservemos a “tradição, a cultura e comunidade como fim inquestionável do homem”. Dir-se-ia que uma tal formulação reflecte fielmente o velho nacionalismo étnico. O problema, obviamente, é o paradoxo que reside no seio de qualquer liberal conservador: são liberais ao domingo e conservadores o resto da semana. Quando se esperaria que após a sua inflamada exposição sobre direito natural e o parto da figura do cidadão apontasse para um nacionalismo extra-nação, DLM enviesa a conclusão mais plausível e retorna aos limites da cultura, e mais, à coincidência entre esta, uma dada tradição e, extrapolamos, uma dada nação. Percebe-se que a figura do cidadão forjada no cadinho do Iluminismo (mas eu quase que apostava que o DLM não envereda por uma adessão sem concessões ao Iluminismo; algo me diz que ela é travada pela crítica à religião) possa ser retraçada a uma cultura particular – a cultura europeia. O que seja a cultura europeia é algo de muito discutível. Mas admitamos que esta cultura criou uma figura singular, o cidadão. Em que medida é ela universal, como parece sugerir DLM? Hanna Arendt levanta a questão crucial quando analisa a situação dos milhões de refugiados que se deslocavam por essa Europa afora após a II Guerra. Na realidade tratava-se de apátridas. O atributo que todos possuiam em comum era justamente o não terem qualquer vínculo ao direito natural. Hanna Arendt usa uma expressão elucidativa a este respeito: o direito de ter direitos. A razão prende-se com o facto de o indivíduo, o cidadão, o portador de direitos só o ser em relação a um Estado. Na condição de sem-estado nem sequer existe o direito a ter direitos. É verdade que os direitos humanos colocariam rapidamente uma tal evidência em questão, ou não fossem eles extra-estatais, supra-estatais, e etc. Não há, no entanto, qualquer força jurídica dos direitos humanos; e não há porque eles não possuem mecanismos de legitimação semelhantes aos que são impostos pela deliberação democrática. Apesar de toda a retórica em contrário – de que os direitos humanos têm preponderância – o que se passa é que a sua efectivação responde a pressões lobísticas, portanto ao jogo dos interesses. Pelo menos, até agora; não parecendo que vá mudar tão cedo.
Depois desta deriva pela cidadania, regresso à questão central, a de que o multiculturalismo encerra o espectro do relativismo moral. Não existe um único exemplo prático que possa sustentar um tal receio. A menos que sejam as fantasias xenófobas segundo as quais os muçulmanos querem todos praticar a excisão nas suas filhas e que isso lhes está impresso no adn cultural. São meras fantasias. Mas coloquemo-lo no plano teórico. Primeiro, importa referir que não é seguro que o canibalismo seja exclusivo do “outro” – posição bastante bem inserida no discurso racista. Com efeito, nada me garante que o meu vizinho com quem eu partilho os mesmos códigos não possa ser ele o canibal. Por isso, nesta história de canibais, nunca se sabe muito bem donde vão eles aparecer. Segundo, as culturas não são monolíticas. Apenas o raciocínio mais arreigadamente nacionalista pode partir da premissa de que as culturas se encontram cristalizadas e incomunicáveis, que não possuem nada a aprender umas com as outras. Normalmente, a consequência de uma tal lógica é o sentimento de superioridade de uma cultura em relação a outra. Note-se que não é a asserção de que há coisas que podem ser trocadas, partilhadas, etc. É sobretudo um sentimento de superioridade unificado que leva a uma hierarquização. Neste aspecto o que o hierarquizador faz não é mais do que reificar um dos traços culturais – a avareza para os judeus, a excisão para os muçulmanos, a sensualidade para os africanos, etc – excluindo a sua própria cultura deste mesmo jugo reificador. Ao fazê-lo, imprime necessariamente uma estatura moral superior à sua própria cultura, a única que não pode, nem deve, ser reificada. Fica aqui desfeita a possibilidade dialógica. O hierarquizador esquece que este sistema possui a propriedade de ser reversível, i.e., pode ser ele sempre o alvo da reificação. E diríamos que fora de uma aceitação básica dos princípios multiculturais a reificação é o inescapável senso-comum nas relações entre diferentes culturas. Ora bem, ninguém disse que resistir a um tal resultado é uma espécie de atributo natural. Muito pelo contrário, ele tem que ser aprendido. Como se aprende a escrever e a ler. O conflito cultural tem sempre um potencial não negligenciável. Daí que a melhor atitude não é a de cruzar os braços e dizer que estamos perante campos irredutíveis, ou, o seu simétrico em negativo, que qualquer diferença ameaça uma pressuposta pureza inicial, como parece ser o sentido da parábola do canibal. Nada nos proíbe de entabular conversa com o outro; de confrontar normas, regras e práticas; de as traduzir numa forma racional, da qual argumentos possam ser aduzidos. Ora isto não faz com que todas as práticas se equivalam nem que não haja possibilidade de as julgar racionalmente. Se é esse o seu entendimento de multiculturalismo – um relativismo total onde as regras e práticas recebem a sua caução apenas porque provém inevitavelmente de uma cultura – então posso dizer-lhe que se me afigura um entendimento muito restrito do que é o multiculturalismo actual, e não é sequer o que eu partilho. No dialogismo não há forçosamente a queda no relativismo. Pelo contrário, evitamos a fuga – os bárbaros à porta, onde o caro David parece querer entrincheirar-se – e a aceitação plena. Esta forma de dialogismo, se alguma coisa, aceita o confronto como jogo de soma positiva. É eventualmente aquela que não coloca o outro à distância, não o reificando na sua condição de outro, trazendo-o pelo contrário para o centro. Já sei que nesta altura o David estará a pensar que não há diálogo possível com o canibal, que enquanto estivermos distraídos a conversar, ele devorar-nos-á. Pois é uma conclusão em substância racista.
Thursday, October 11, 2007
Viver livre
Os gajos que normalmente passam a vida a dizer coisas anódinas são os que estão sempre a declarar que não são arregimentados nem por causas, nem por partidos, nem por ideologias. Dizem-se livres. Pudera. São levados à inocuidade por outra ordem de interesses: estar bem com deus e com o diabo. São mestres do vago e só se pronunciam em relação a assuntos em que o acordo é quase consensual – seja com os outros seja no interior das seitas a que pertencem.
Zé brasileiro, português de Braga
Uma reportagem do DN dá conta da preocupação (legítima?) dos portugueses em relação ao novo museu da imigração. Como sempre, ou quase sempre, no jornalismo português a análise do acontecimento concreto é algo que não interessa e as declarações ficam pelo mais elementar. O que importa é Portugal e a imagem que lá fora fazem de nós. Quando não é o Figo, é o Ronaldo; e quando não são estes dois, lá desencantam um génio qualquer que cavou para uma Universidade americana high tech. Por isso quando sucedem coisas destas, como a que vem reproduzida em baixo, fica tudo estonteado e as reacções vão desde a gaguez até ao desnorte completo.
Ora isto, segundo a notícia, é um excerto de uma gravação a um ilustre imigrante português em França que faz parte da exposição do Museu da Imigração. Vejam como termina o parágrafo: “o áudio é acessível a todos os visitantes”, como se um terrível segredo que apenas era partilhado entre nós, tivesse de repente sido posto a claro, e com consequências indeterminadas. Uma vergonha. Então é esta a imagem que os franceses têm de nós? Nem Figo, nem Ronaldo, nem sequer Eusébio? Só por distração, ou má-fé, se pode reagir assim. Fazemos sistematicamente a mesma coisa com os nossos imigrantes. Eles vieram à procura de uma vida melhor; Portugal agradece o esforço, mas vai dizendo que é caridade e que isto não pode ser sempre quando um homem quiser, como o Natal. O escândalo, esse, já vai qual laparoto aos pulinhos pelas ruas de Paris. Um bom Parisiense ficará comovido ao ouvir a gravação com o testemunho de um imgrante português: aquilo deve ser cá uma merda, pensará. Ainda bem que eles tiveram a França para venir! E não andará muito longe da verdade. Então usamos avonde a mesma implicação: qué quesses pretos querem? Não tinham lá nada na terra deles e agora vêm páqui protestar! Não é inusitado ouvi-lo em taxistas e outros porta-vozes da consciência lusa. Camões, lá para o canto x passa tudo a pente fino, desde cães infiéis e “inicos” das arábias até brutos negros que na sua brutidade não sabem o que é a humana consciência. Assim, pelo menos para nós, terá começado. Não temos o exclusivo, como é evidente. Contudo, é sempre engraçado deparar com certas reacções de pânico como esta que perpassa pela afirmação de um “áudio” acessível a todos. Ecoa o verdadeiro lamento: como é que eles nos poderam fazer isto? É sempre uma experiência tenebrosa quando nos colocamos no lugar do outro.
Tuesday, October 09, 2007
Tunharias
A resposta de Tunhas ao burburinho em torno da desprezível caricatura do Che é aterradoramente estúpida. Ou melhor, toma os outros por estúpidos – forma néscia de se considerar muito esperto. Segundo Tunhas, na medida em que Che e Hitler partilham o desrespeito pela vida humana, um, o segundo, não constitui mais do que o prolongamento do outro. É basicamente o que se encontra subjacente ao argumento de Tunhas. Por isso não tem problema nenhum, porque eles são, como soi de dire, intermutáveis. Segundo esta escala de valoração, eu poderia considerar o Tunhas, julgando por aquilo que ele escreve, a meio caminho entre o Paulo Portas e o Salazar. Donde uma caricatura do Tunhas com um nariz adunco e a srª Maria ao lado, não seria apenas justa, mas fiel representação do que é, foi e será o Tunhas. Estou em querer que o Tunhas não ficaria muito contente e que eventualmente não se reveria nesta imagem (mas que sei eu?). Por que razão, perguntamo-nos? Afinal, esta parece ser a conclusão necessária do raciocínio de Tunhas. Outro exemplo seria pintar uns bigodes de Hitler na cara de Ratzinger. Ora como eu acho que quer o Papa quer Hitler têm um fundamental desrespeito pela vida humana – o Papa quando vai a África pregar contra o preservativo comete algo aproximado a um genocídio, mesmo que involuntariamente – admite-se a caricatura. Alvitro que o Tunhas não teria problemas em concordar com isso. Mas duvido. Porque afinal o que está aqui em causa é exactamente o que se entende por desrespeito pela vida humana – algo que o Tunhas não esclarece, nem explica por que tal se aplicaria a Che. Por aquilo que ele escreveu? Por aquilo que ele não chegou a fazer? Por pretender a revolução permanente? Por ter abandonado a família? Suspeita-se que Tunhas, e a sua trupe, estejam a imputar a Che a situação de Cuba actual: os atropelos aos direitos humanos, o totalitarismo, etc. A resposta encontra-se na palavra “secundaríssima”. A experiência do Che não é “secundaríssima” em relação a um Hitler – é incomensurável. Como a de Tunhas é em relação a um Salazar, ou a de Ratzinger em relação a Hitler. Pode justificar-se a caricatura de diversas formas: porque é uma brincadeira; porque importa dessacralizar os mitos, etc. Mas a justificação moral é a mais cínica delas todas. Tunhas é um cínico. Isso já sabíamos. É um cínico retrógado. Também não é novo. Um cínico sem vergonha – começa a ser agora evidente.
Bloomingdays
Lobby gay according to Bloom
Another day, I was speaking about five of my favourite poets: Whitman, Pessoa, Lorca, Hart Crane and the wonderful Luis Cernuda. All of them were gay, but why should I have to care whether they preferred to go to bed with men or women?'"
O Controverso Bloom
But is there any more socially repugnant idea than to claim that it's more helpful for a young woman from Cape Verde who comes to live in Portugal to read her fellow nationals' books, however bad they are, than Eça or Almeida Garrett?
O incontroverso Bloom
"'I've read 'Harry Potter and the Philosopher's Stone'. It's so badly written! It's full of clichés and repetitions. Frankly, I was most disappointed. If the Harry Potter books are now the most popular books in the world, then we've got a terrible problem'" (...)"'Of all my writings in recent years, the one that caused the greatest furore was a small article in which I said, actually in a quite kindly tone, that the Harry Potter books have no value whatever, neither aesthetic, psychological or any other kind"'.
Another day, I was speaking about five of my favourite poets: Whitman, Pessoa, Lorca, Hart Crane and the wonderful Luis Cernuda. All of them were gay, but why should I have to care whether they preferred to go to bed with men or women?'"
O Controverso Bloom
But is there any more socially repugnant idea than to claim that it's more helpful for a young woman from Cape Verde who comes to live in Portugal to read her fellow nationals' books, however bad they are, than Eça or Almeida Garrett?
O incontroverso Bloom
"'I've read 'Harry Potter and the Philosopher's Stone'. It's so badly written! It's full of clichés and repetitions. Frankly, I was most disappointed. If the Harry Potter books are now the most popular books in the world, then we've got a terrible problem'" (...)"'Of all my writings in recent years, the one that caused the greatest furore was a small article in which I said, actually in a quite kindly tone, that the Harry Potter books have no value whatever, neither aesthetic, psychological or any other kind"'.
Refutação
O que provoca mais apreensão em Portugal? O adjectivo “conservador” sempre apenso ao substantivo “liberal”. Os norte-americanos, que raramente servem de exemplo, são nisto escorreitos e cristalinos: há uma divisória bem demarcada entre o que é ser liberal liberal e conservador, seja com tendências liberais ou não. Esta separação conota sensivelmente o campo democrático e republicano. O que não significa que não existam liberais mais conservadores – tendencialmente mais de acordo com o ideário republicano – ou republicanos mais abertos, tingidos com uma forte pátina de liberalismo. É evidente que a divisória é operativa; politicamente esclarecedora e que pode ser colocada como ponto médio de um continuum. E isto faz bem à geometria política. Na prática, é completamente diferente, estou ciente. Todavia, na imaginação as coisas são linerares e por isso torna-se fácil dizer que este senhor escreve a partir de um ponto de vista liberal e aqueloutro de um ângulo conservador.
Em Portugal dessiminou-se um híbrido, o chamado liberal conservador. Liberal sim!, mas nunca rejeitando o seu quê de conservador. Os híbridos, como nos doutrinam os antropólogos pós-modernos, são um lugar de transição entre espécies, e em termos culturais a expressão mais indicada é a de tradução. Um híbrido encerra, portanto, um espaço de tradução. Nada mais errado no caso do designado liberal conservador. Teremos que resgatá-lo do recipiente híbrido e colocá-lo em formol no velho frasco do antinómico. O truque, e trata-se efectivamente de um truque – porque, atenção, nisto de liberais e conservadores o que temos é prestidigitação – é esquecer ou omitir que conservador é o termo com muito mais peso do que liberal. Será qualquer coisa como um Comunista democrático – mas na sequência inversa. Facilmente se constata que é o comunista que reina soberano na conjugação dos dois termos.
O mesmo se passa com o liberal conservador. O conservador, no liberal, é tão avassaladoramente mais presente, tão indisputadamente iminente, que o primeiro, coitado, definha como uma giesta quando colocada ao lado de uma sequóia. Por isso quando te cruzares com um espécime que se assuma liberal conservador, podes estar certo que estás perante um conservador que te oferece o liberal como torrão de açúcar.
Em Portugal dessiminou-se um híbrido, o chamado liberal conservador. Liberal sim!, mas nunca rejeitando o seu quê de conservador. Os híbridos, como nos doutrinam os antropólogos pós-modernos, são um lugar de transição entre espécies, e em termos culturais a expressão mais indicada é a de tradução. Um híbrido encerra, portanto, um espaço de tradução. Nada mais errado no caso do designado liberal conservador. Teremos que resgatá-lo do recipiente híbrido e colocá-lo em formol no velho frasco do antinómico. O truque, e trata-se efectivamente de um truque – porque, atenção, nisto de liberais e conservadores o que temos é prestidigitação – é esquecer ou omitir que conservador é o termo com muito mais peso do que liberal. Será qualquer coisa como um Comunista democrático – mas na sequência inversa. Facilmente se constata que é o comunista que reina soberano na conjugação dos dois termos.
O mesmo se passa com o liberal conservador. O conservador, no liberal, é tão avassaladoramente mais presente, tão indisputadamente iminente, que o primeiro, coitado, definha como uma giesta quando colocada ao lado de uma sequóia. Por isso quando te cruzares com um espécime que se assuma liberal conservador, podes estar certo que estás perante um conservador que te oferece o liberal como torrão de açúcar.
Monday, October 08, 2007
A brincar, a brincar...
O Daniel publicou no seu blog a fotografia do Che com bigodes de Hitler que faz a capa da revista Atlântico. Não gosto de caricaturistas de merda que só caricaturam quem eles não gostam. Goebbels também gostava muito de caricaturas de judeus; não gostava nada é que estes o caricaturassem.
A história da caricatura não é inocente. E dificilmente se pode dizer que quando se pintam os bigodes do Hitler em alguém se está apenas a brincar. Não se está; e não vale a pena descontextualizar, porque sabemos bem que os bigodes do Hitler oportunamente colocados no Che se inserem na mesma catalinária de comparações absurdas entre Sadam e Hitler e ultimamente Ahmadinejad. No Atlântico, suspeito, já não se faria a mesma transmudação com a cara de Pinochet, ou de Franco, ou já agora de Salazar. Os dois últimos, esses sabemos nós, foram de facto aliados do Terceiro Reich. Quanto ao primeiro, no Atlântico, conjecturo, o ditador não merece a bigodaça porque estava apenas a libertar o seu país da “ideologio sino-soviética grassante na sua pátria”, como ele próprio diria durante o julgamento pelo Juíz Baltasar Garçon. Mesmo que para isso tivesse sido preciso limpar o sebo a mais de 100.000. Ainda estamos longe de Hitler e do Anshluss, é verdade que sim. Porém em Pinochet, curiosamente, o esforço caricatural é alijado pela presença, já de si espantosa, de tão semelhante buço.
Num mundo ideal, brincar ao design com as caras, com os símbolos, não tem qualquer importância. É irreverência, dessacralização; tudo coisas boas que fortificam a liberdade e a consciência democrática. Não vivemos num mundo ideal. O Atlântico é a prova cabal disso mesmo. Sendo assim, pintar uns bigodes de Hitler em Che Guevara deixando todos os outros isentos da máscara, tem um significado preciso. Ficamos à espera da próxima irreverência do Atlântico quando pintar uns cornos em Salazar ou acentuar o bigode de Pinochet. Podemos é esperar sentados.
Os bigodes da revista Atlântico aparecem na sequência da reportagem que saiu na Veja sobre os podres de Guevara. Não tenho o link para o artigo, mas podem consultar o que diz o Observatório da Imprensa Brasileiro sobre a dita reportagem.
A história da caricatura não é inocente. E dificilmente se pode dizer que quando se pintam os bigodes do Hitler em alguém se está apenas a brincar. Não se está; e não vale a pena descontextualizar, porque sabemos bem que os bigodes do Hitler oportunamente colocados no Che se inserem na mesma catalinária de comparações absurdas entre Sadam e Hitler e ultimamente Ahmadinejad. No Atlântico, suspeito, já não se faria a mesma transmudação com a cara de Pinochet, ou de Franco, ou já agora de Salazar. Os dois últimos, esses sabemos nós, foram de facto aliados do Terceiro Reich. Quanto ao primeiro, no Atlântico, conjecturo, o ditador não merece a bigodaça porque estava apenas a libertar o seu país da “ideologio sino-soviética grassante na sua pátria”, como ele próprio diria durante o julgamento pelo Juíz Baltasar Garçon. Mesmo que para isso tivesse sido preciso limpar o sebo a mais de 100.000. Ainda estamos longe de Hitler e do Anshluss, é verdade que sim. Porém em Pinochet, curiosamente, o esforço caricatural é alijado pela presença, já de si espantosa, de tão semelhante buço.
Num mundo ideal, brincar ao design com as caras, com os símbolos, não tem qualquer importância. É irreverência, dessacralização; tudo coisas boas que fortificam a liberdade e a consciência democrática. Não vivemos num mundo ideal. O Atlântico é a prova cabal disso mesmo. Sendo assim, pintar uns bigodes de Hitler em Che Guevara deixando todos os outros isentos da máscara, tem um significado preciso. Ficamos à espera da próxima irreverência do Atlântico quando pintar uns cornos em Salazar ou acentuar o bigode de Pinochet. Podemos é esperar sentados.
Os bigodes da revista Atlântico aparecem na sequência da reportagem que saiu na Veja sobre os podres de Guevara. Não tenho o link para o artigo, mas podem consultar o que diz o Observatório da Imprensa Brasileiro sobre a dita reportagem.
Innuendo
Detalhes elaborados de um tempo em Zoom. A cultura, essa aventura da compreensão extremada, está refém do conservadorismo. Sentenciação banal. Na revista Obscena a quem o nome se ajusta para além do epidérmico, dedica-se um número à cultura na Europa. Duas grandes entrevistas, uma a Durão Barroso, outra a Vasco Graça Moura, cobrem o espectro das ideias neste domínio, cobrindo igualmente metade das páginas da revista. Esta tentação concentracionário do português é o que não nos permite respirar, é o que cria o verdete em torno das juntas – metáfora mecânica que é intemporal, pese embora a lembrança de uma época mais dilatada – de um mecanismo que se pretende em permanente lubrificação. Como uma vagina (que disparate!). E esta paisagem suburbana em que nos enterraram; este ermo de insolações; este formato acorrentado; é este plano inclinado onde se reprime, ou se reduz, ou se compromete, ou se desautoriza, ou mesmo, chegando a destruir-se, o mundo. Alguém disse no outro dia: em Portugal não se presta atenção ao mundo; tudo o que acontece, tem de acontecer no interior do jardim virginal que é Portugal. Camões deixou o mote, e daqui para a frente foi sempre a mesma glosa. Forma caritativa, forma introvertida. Então a cultura, mesmo a literária, organiza-se? Olá se se organiza! E mostra os seus batalhões, a sitiarem cidades e a condenar olimpicamente os demónios que se passeiam ao crepúsculo (o crepúsculo deles, bem ententido, porque o nosso, o das flores volantes e das asas distendidas em face do pelotão de fuzilamento, não tem remorsos). São pequenos estes tipos. Merecem desprezo, e mostram a sua real face no interior de pipas de vinho azedo.
Friday, October 05, 2007
Cara de pau
E continuarão as oposições silenciosas quando se agrava a tensão entre a Igreja Católica (mas não só) e o Governo a propósito da assistência religiosa a doentes crentes em hospitais públicos? Será que pensam que o tema é entre alguns padres e o Governo e não entendem que está em causa a diferença entre um Estado laico, logo independente das religiões, e um Estado jacobino, inimigo das crenças religiosas?" (JMF, editorial do Público)
O editorial de JMF leva muito a sério o estilo FOX News. Aliás, não fosse JMF escrever um pouco acima da qualidade habitual da FOX e teria este todos os predicados para ser um seu fiel trabalhador. É claro que um jornalista da FOX nunca é apenas um jornalista; é mais qualquer coisa: um apaniguado, um comprometido do regime FOX, um marçano, etc. O estilo FOX não funciona para noticiar; o selo FOX é o da manipulação. Donde, temos a FOX mais elaborada, mais abrilhantada, mais cultivada, mas temos a nossa FOX. Ela dá pelo nome de jornal Público. Fazendo jus à capacidade manipulatória da FOX, JMF vem verter umas lágrimas de solidariedade pelos capelães em risco de perder o emprego. Estranha atitude de um liberal que vê em qualquer intromissão do Estado nada menos do que as manhas do mafarrico. Talvez porque estes sejam capelães e venham com a chancela do divino, sejam imunes às trevas da praga estatal. Talvez seja por isso que quando se ameaça tocar nos interesses da Santa Madre Igreja, mesmo que provenham estes, não do óbulo sacral, mas da teta estatal, o liberal assanhado se assanha ainda mais contra o fim das prerrogativas de um bando de madraços. E vai de gritar: jacobinos! Pois para JMF um Estado laico, preservado segundo a sua tanto caricata como porosa ideia de laicismo, tem de ter 193 capelães a prestarem sagradas exéquias. Nos hospitais militares só lá estão 70 para dar a extremunção aos pacientes crentes (católicos). Nos hospitais públicos encontram-se os restantes. Gasto absurdo do erário público? Não, para JMF, este deve ser o único serviço que o mercado não pode cabalmente suprir.
Mas a piéce de resistence é quando JMF, moralisticamente, se insurge contra a cegueira jacobina do governo. Então vocifera, estamos perante “um estado jacobino inimigo das crenças religiosas”. Note-se o plural, enfático e patético, porque se o caso é o de existirem 193 capelães, católicos, como não podia deixar de ser, então não representam “as crenças”, mas sim um monopólio da igreja católica. Que isto seja uma excrescência do Estado Novo que não foi devidamente decepada, só mostra que a medida é tardia.
Mas a piéce de resistence é quando JMF, moralisticamente, se insurge contra a cegueira jacobina do governo. Então vocifera, estamos perante “um estado jacobino inimigo das crenças religiosas”. Note-se o plural, enfático e patético, porque se o caso é o de existirem 193 capelães, católicos, como não podia deixar de ser, então não representam “as crenças”, mas sim um monopólio da igreja católica. Que isto seja uma excrescência do Estado Novo que não foi devidamente decepada, só mostra que a medida é tardia.
Finalmente, assiste-se uma medida tendencialmente laica num Estado que continua refém da beatice.
Thursday, October 04, 2007
Literatura obscena
Por que será que no meio de rasgados elogios a tantos escritores, de "a não perder" no lançamento do Canário de Rodrigues Guedes de Carvalho, de "um dos maiores prosadores da literatura americana e mundial" atribuído a Delillo, de uma homenagem a Pitta pela sua poesia (???), vem isto sobre Saramago?
"Alcir Pécora argumenta num especial para a Folha de S.Paulo que "José Saramago não é poeta." E que "O Ano de 1993 [1975] é prova cabal disso." Não se furtando a apresentar provas."
E depois? Será que é função da Casa Fernando Pessoa exibir publicamente os seus ódios literários? Até no que deveria ser assexuado somos obscenos.
"Alcir Pécora argumenta num especial para a Folha de S.Paulo que "José Saramago não é poeta." E que "O Ano de 1993 [1975] é prova cabal disso." Não se furtando a apresentar provas."
E depois? Será que é função da Casa Fernando Pessoa exibir publicamente os seus ódios literários? Até no que deveria ser assexuado somos obscenos.
O nariz do pinóquio
Do you feel responsible for giving the U.N. flawed intelligence?
I didn’t know it was flawed. Everybody was using it. The CIA was saying the same thing for two years. I gave perhaps the most accurate presentation of the intelligence as we knew it—without any of the “Mushroom clouds are going to show up tomorrow morning” and all the rest of that stuff. But the fact of the matter is that a good part of it was wrong, and I am sorry that it was wrong.
O cerrar fileiras do populismo de direita
É essencial perceber que é tempo de abrir um novo ciclo, tempo de fazer política de mudança e não de continuidade, tempo de actuar para fora dos partidos, para os cidadãos e para o País, em vez de esgotar as energias em lutas domésticas improfícuas. Se Menezes perceber isso, já ganhámos alguma coisa.
Maria José Nogueira Pinto, DN, hoje
Maria José Nogueira Pinto, DN, hoje
Wednesday, October 03, 2007
Bad Dreams Are Good
The cats are in the flower beds
A red hawk rides the sky
I guess I should be happy
Just to be alive
But
We have poisoned everything
And oblivious to it all
The cell-phone zombies babble
Through the shopping malls
While condors fall from Indian skies
Whales beach and die in sand
Bad Dreams are good
In the Great Plan
And you cannot be trusted
Do you even know you are lying?
It’s dangerous to kid yourself
You go deaf, dumb, and blind
You take with such entitlement
You give bad attitude
You have No grace
No empathy
No gratitude
You have no sense of consequence
Oh, my head is in my hands
Bad Dreams are good
In the Great Plan
Before that altering apple
We were one with everything
No sense of self and other
No self-consciousness
But now we have to grapple
With this man-made world backfiring
Keeping one eye on our brother’s deadly selfishness
Everyone’s a victim here
Nobody’s hands are clean
There’s so very little left of wild Eden Earth
So near the jaws of our machines
We live in these electric scabs
These lesions once were lakes
We don’t know how to shoulder blame
Or learn from past mistakes
So who will come to save the day?
Mighty Mouse. . . ? Superman. . . ?
Bad Dreams are good
In the Great Plan
In the dark
A shining ray
I heard a three-year-old boy say
Bad Dreams are good
In the Great Plan
A red hawk rides the sky
I guess I should be happy
Just to be alive
But
We have poisoned everything
And oblivious to it all
The cell-phone zombies babble
Through the shopping malls
While condors fall from Indian skies
Whales beach and die in sand
Bad Dreams are good
In the Great Plan
And you cannot be trusted
Do you even know you are lying?
It’s dangerous to kid yourself
You go deaf, dumb, and blind
You take with such entitlement
You give bad attitude
You have No grace
No empathy
No gratitude
You have no sense of consequence
Oh, my head is in my hands
Bad Dreams are good
In the Great Plan
Before that altering apple
We were one with everything
No sense of self and other
No self-consciousness
But now we have to grapple
With this man-made world backfiring
Keeping one eye on our brother’s deadly selfishness
Everyone’s a victim here
Nobody’s hands are clean
There’s so very little left of wild Eden Earth
So near the jaws of our machines
We live in these electric scabs
These lesions once were lakes
We don’t know how to shoulder blame
Or learn from past mistakes
So who will come to save the day?
Mighty Mouse. . . ? Superman. . . ?
Bad Dreams are good
In the Great Plan
In the dark
A shining ray
I heard a three-year-old boy say
Bad Dreams are good
In the Great Plan
Joni Mitchell
Ideologia? Quem disse?
As reacções aos resultados das directas no PSD balançam entre o disparate a e congratulação extemporânea. Marques Mendes foi provavelmente o líder mais insonso, apagado e desautorizado que o PSD teve desde Nogueira. Foi também o menos convincente e aquele que mais interrogações gerou no seio do seu próprio partido sobre a sua capacidade de liderança. Filipe Menezes é “fracturante”, porque divide o PSD das elites contra o PSD das bases e porque, simultaneamente, justapõe a esta divisão, uma perene separação geográfica, entre o Norte e o Sul. Primeiro, que Filipe Menezes seja fracturante é um paralogismo: o PSD é um partido de elites, por isso não pode haver fractura entre bases e elites. O que há é uma separação entre elites há muito encostadas ao poder e elites que estão fora dele há tempo demais. Segundo, a distinção geográfica não é exclusivo narcisista de Filipe Menezes; veja-se a sistemática alusão a essa mesma divisória em Miguel Sousa Tavares, jornalista, Pinto da Costa, presidente de clube de futebol, Belmiro de Azevedo, empresário – todos sem excepção endeusam o Norte e vilipendiam o Sul. Estaríamos tentados a dizer que é expressão decorrente desse mesmo elitismo.
No rol de comentários que foram aflorando na comunicação social, há um que me parece particularmente vesgo. Daniel Oliveira, num artigo no Expresso, escalpeliza aquilo que considera ser o espaço político vazio do PSD e como a esquerda pode ter aqui a sua janela de oportunidade para empreender uma aproximação ao PS. Na medida em que a táctica nem parece absurdamente errada, concentrar-nos-emos na má leitura estratégica. Segundo Daniel Oliveira, o PS teria roubado o espaço político à direita, convertendo-se na “vanguarda ideológica da direita” apeando esta das suas cavalgadas neo-liberais. Não somente o PS defende os pontos principais da agenda neo-liberal como, ainda segundo o comentador, não precisa de o disfarçar. Por conseguinte, consumido o espaço ideológico do PSD, não resta senão este remeter-se a um silêncio comprometido, ou, em desespero de causa, ultrapassar o PS pela esquerda. A última é improvável, senão estruturalmente impossível, como sabe Daniel Oliveira. A primeira labora numa certeza que tem mais a ver com wishfull thinking do que com as possíveis manobras do PSD de Menezes. O PSD é um partido que para se manter coeso precisa de distribuir prebendas aos seus membros. Nada os une ideologicamente, a não ser a fé de que o mercado resolve tudo. E isto é pouco, porque não preside a um princípio de governabilidade, mas simplesmente a uma estratégia de absorção de poder. Ora a hipótese de o PSD não ter espaço ideológico é um truismo. A verdade é que o PSD não precisa de espaço ideológico, basta ter elites do seu lado. Até agora as elites têm estado embeiçadas por Sócrates, não tanto porque este ocupa o espaço ideológico que a elas é mais afecto, mas porque estas não acreditavam em Mendes. Como se viu na OTA, quando os negócios são chorudos, as elites económicas digladiam-se pela obtenção do seu quinhão. Estas elites não precisam, igualmente, de nenhuma ideologia para se justificarem – basta o exercício do poder fático. Menezes parece estar bem mais habilitado para exercer algum poder de atracção sobre estas elites do que Mendes estava. Por isso a guerra será uma de personalismos e não de espaço ideológico. A guerra será uma batalha de charme – ironicamente, porque ela vai utilizar todos os truques sujos do cardápio – entre Menezes e Sócrates. Mas Sócrates não tem ninguém para além do seu aparelho; e Menezes exercita-se com grande à-vontade no jogo preferido de Portas: o populismo desabrido. Embora não possuindo afinidades em termos de redes políticas, estes dois possuem definitivamente afinidades de estilo; e isso é um capital que não irão desperdiçar.
No rol de comentários que foram aflorando na comunicação social, há um que me parece particularmente vesgo. Daniel Oliveira, num artigo no Expresso, escalpeliza aquilo que considera ser o espaço político vazio do PSD e como a esquerda pode ter aqui a sua janela de oportunidade para empreender uma aproximação ao PS. Na medida em que a táctica nem parece absurdamente errada, concentrar-nos-emos na má leitura estratégica. Segundo Daniel Oliveira, o PS teria roubado o espaço político à direita, convertendo-se na “vanguarda ideológica da direita” apeando esta das suas cavalgadas neo-liberais. Não somente o PS defende os pontos principais da agenda neo-liberal como, ainda segundo o comentador, não precisa de o disfarçar. Por conseguinte, consumido o espaço ideológico do PSD, não resta senão este remeter-se a um silêncio comprometido, ou, em desespero de causa, ultrapassar o PS pela esquerda. A última é improvável, senão estruturalmente impossível, como sabe Daniel Oliveira. A primeira labora numa certeza que tem mais a ver com wishfull thinking do que com as possíveis manobras do PSD de Menezes. O PSD é um partido que para se manter coeso precisa de distribuir prebendas aos seus membros. Nada os une ideologicamente, a não ser a fé de que o mercado resolve tudo. E isto é pouco, porque não preside a um princípio de governabilidade, mas simplesmente a uma estratégia de absorção de poder. Ora a hipótese de o PSD não ter espaço ideológico é um truismo. A verdade é que o PSD não precisa de espaço ideológico, basta ter elites do seu lado. Até agora as elites têm estado embeiçadas por Sócrates, não tanto porque este ocupa o espaço ideológico que a elas é mais afecto, mas porque estas não acreditavam em Mendes. Como se viu na OTA, quando os negócios são chorudos, as elites económicas digladiam-se pela obtenção do seu quinhão. Estas elites não precisam, igualmente, de nenhuma ideologia para se justificarem – basta o exercício do poder fático. Menezes parece estar bem mais habilitado para exercer algum poder de atracção sobre estas elites do que Mendes estava. Por isso a guerra será uma de personalismos e não de espaço ideológico. A guerra será uma batalha de charme – ironicamente, porque ela vai utilizar todos os truques sujos do cardápio – entre Menezes e Sócrates. Mas Sócrates não tem ninguém para além do seu aparelho; e Menezes exercita-se com grande à-vontade no jogo preferido de Portas: o populismo desabrido. Embora não possuindo afinidades em termos de redes políticas, estes dois possuem definitivamente afinidades de estilo; e isso é um capital que não irão desperdiçar.
Tuesday, October 02, 2007
Leitura de choque
Se querem perceber por que é que Blair agiu como o fez; se querem saber qual o programa dos conservadores e neoconservadores; se querem entender por que razão os neoliberais têm ganho tanto terreno e se têm assumido como a única alternativa possível; se querem descobrir os aspectos messiânicos e utópicos da ideologia de mercado; se querem ver como as forças de mercado não aparecem espontaneamente; e se querem ficar a conhecer as raízes religiosas de tudo isto, então leiam:
Um a seguir ao outro, porque analisam as duas faces da mesma moeda (falsa)
Um a seguir ao outro, porque analisam as duas faces da mesma moeda (falsa)
Monday, October 01, 2007
Digam lá que eles não têm juízo?
A última edição dos “Transatlantic Trends” apresenta algumas conclusões sobre as relações entre a Europa e a Turquia. De acordo com esta sondagem os Turcos não estão pelos ajustes com as atitudes da Europa em relação à sua acessão. Compreende-se porquê. A Turquia pediu a entrada na então Comunidade Europeia nos idos de 1987, antes da Áustria, Finlândia, Suécia e, obviamente, antes de qualquer estado-membro dos UE10. Na altura parecia mais plausível a entrada de uma Turquia não comunista do que dos países do Pacto de Varsóvia. Transcorridos alguns anos, e depois de uma fase preparatória que surgia como o culminar deste longo processo negocial, Sarkozy opôs-se à entrada da Turquia e a UE suspendeu 8 dos 35 capítulos nas negociações de adesão. Seria de grande parcialidade não mencionar o facto de a Turquia ter gorado sistematicamente as expectativas de adaptação do acquis communitaire, condição sine qua non para a adesão à UE. Acresce que o respeito pelas liberdades civis, pelos direitos humanos e o regular funcionamento das instituições democráticas – elementos fundamentais do acquis communitaire – têm sido, no mínimo, atípicos. Não obstante, uma coisa parece ser clara: os Turcos afastam-se cada vez mais da Europa e, por arrastamento, do chamado Ocidente democrático.
Na terminologia afectuosa do relatório, as atitutes dos Turcos em relação à UE e aos Estados Unidos têm vindo consistentemente a “esfriar”. Assim, enquanto 56 % do Europeus considera provável a adesão da Turquia à UE, apenas 26 % dos Turcos partilha dessa opinião. O contentamento com a adesão surge com a mesma tendência decrescente. Aqueles que a consideram positiva caem de 54% para 40%, uma quebra de 14%. Mas onde as coisas surgem pouco auspiciosas é nas atitudes em relação ao papel dos Estados Unidos e da Europa na condução da política mundial. Enquanto 56% dos europeus são críticos da “U.S leadership in world affairs”, com países como a Inglaterra, a Holanda e a Romania, a serem, no entanto, maioritariamente favoráveis a esta liderança,
Turkish respondents continued to have the most critical
views of U.S. and EU leadership in world affairs,
with 74% of Turkish respondents who viewed U.S.
leadership in world affairs as undesirable, an increase
of five percentage points since 2006. For the first
time, a majority (54%) also viewed EU leadership as
undesirable, an increase of seven percentage points
since 2006. Similarly, only three percent approved of
President Bush’s handling of international policies and
83% disapproved.
Por outro lado, ainda há 17% de europeus que são favoráveis à política externa de George Bush; Turcos, são apenas 3%. Perante isto ainda acham que a Turquia é um país atrasado?
Na terminologia afectuosa do relatório, as atitutes dos Turcos em relação à UE e aos Estados Unidos têm vindo consistentemente a “esfriar”. Assim, enquanto 56 % do Europeus considera provável a adesão da Turquia à UE, apenas 26 % dos Turcos partilha dessa opinião. O contentamento com a adesão surge com a mesma tendência decrescente. Aqueles que a consideram positiva caem de 54% para 40%, uma quebra de 14%. Mas onde as coisas surgem pouco auspiciosas é nas atitudes em relação ao papel dos Estados Unidos e da Europa na condução da política mundial. Enquanto 56% dos europeus são críticos da “U.S leadership in world affairs”, com países como a Inglaterra, a Holanda e a Romania, a serem, no entanto, maioritariamente favoráveis a esta liderança,
Turkish respondents continued to have the most critical
views of U.S. and EU leadership in world affairs,
with 74% of Turkish respondents who viewed U.S.
leadership in world affairs as undesirable, an increase
of five percentage points since 2006. For the first
time, a majority (54%) also viewed EU leadership as
undesirable, an increase of seven percentage points
since 2006. Similarly, only three percent approved of
President Bush’s handling of international policies and
83% disapproved.
Por outro lado, ainda há 17% de europeus que são favoráveis à política externa de George Bush; Turcos, são apenas 3%. Perante isto ainda acham que a Turquia é um país atrasado?
A emenda e o soneto
Devo retratar-me perante o comentário que RTavares amavelmente deixou aqui no Qualquer. De facto, entusiasmei-me e tresli o texto de RTavares inventando um “sentir-se português” onde outra expressão se encontrava. As minhas desculpas pela minha deficiente citação. Sucede que o que se encontra no texto original é ainda pior do que o “sentir-se português”. Caso para glosar a da emenda e do soneto. Então que diz RTavares? A propósito da integração dos imigrantes em Portugal, RTavares avança a proposta de conceder a nacionalidade a imigrantes que completassem um qualquer grau de ensino superior. A sugestão parece bondosa. Todavia, remete imediatamente para a questão de saber em que medida são os imigrantes com qualificações superiores mais estimáveis do que os imigrantes desqualificados ou menos qualificados? A resposta é fácil dentro do contexto de uma economia que se pretende “de ponta” e que, como diz o Rui, compete pelo primeiro lugar na corrida à tecnologização com os Estados Unidos entre outros. Este era o projecto da Agenda de Lisboa – ultrapassar os Estados Unidos em termos científicos em 2010.
Dois pontos prévios. Primeiro, interpretar a imigração norte-americana através do “green card” é erróneo. Estima-se que mais de 2.500.000 imigrantes se encontram ilegais nos Estados Unidos. Estes, como é evidente, não contribuem para o desenvolvimento das indústrias high tech, mas sim para o sector dos 3 Ds (dirty, dangerous and difficult). Constituem no entanto uma fatia não despicienda do PNB norte-americano, para além de permitirem a flexibilidade dos termos de contratação; mais ou menos o que a população de imigrantes ilegais faz na maioria dos países. Segundo, Portugal pode querer imitar o modelo Canadiano, que sem dúvida possui razões de sobra para ser aliciante, mas a estrutura de desenvolvimento sectorial portuguesa não é a mesma da canadiana. Portugal tem apostado em grandes obras conducentes a surtos de procura de trabalho para a qual a mão-de-obra imigrante tem contribuído para colmatar a falta de oferta nacional. Ou seja, Portugal quer trabalhadores qualificados, mas precisa desesperadamente de trabalhadores não-qualificados. Com esta estrutura de desenvolvimento sectorial, por que diabo seriam os trabalhadores qualificados privilegiados em termos de nacionalidade em relação aos seus congéneres menos qualificados? Não sei se RTavares se apercebeu da tremenda injustiça que o seu raciocínio encerra.
Mas há mais. Expandindo o argumento, há necessariamente uma correlação entre o esforço académico e a recompensa de ser português que está a ser proposta. Correlação entre esforço académico, como se este ganhasse uma primazia moral em relação a qualquer outro tipo de esforço. Então diz RTavares:
Dois pontos prévios. Primeiro, interpretar a imigração norte-americana através do “green card” é erróneo. Estima-se que mais de 2.500.000 imigrantes se encontram ilegais nos Estados Unidos. Estes, como é evidente, não contribuem para o desenvolvimento das indústrias high tech, mas sim para o sector dos 3 Ds (dirty, dangerous and difficult). Constituem no entanto uma fatia não despicienda do PNB norte-americano, para além de permitirem a flexibilidade dos termos de contratação; mais ou menos o que a população de imigrantes ilegais faz na maioria dos países. Segundo, Portugal pode querer imitar o modelo Canadiano, que sem dúvida possui razões de sobra para ser aliciante, mas a estrutura de desenvolvimento sectorial portuguesa não é a mesma da canadiana. Portugal tem apostado em grandes obras conducentes a surtos de procura de trabalho para a qual a mão-de-obra imigrante tem contribuído para colmatar a falta de oferta nacional. Ou seja, Portugal quer trabalhadores qualificados, mas precisa desesperadamente de trabalhadores não-qualificados. Com esta estrutura de desenvolvimento sectorial, por que diabo seriam os trabalhadores qualificados privilegiados em termos de nacionalidade em relação aos seus congéneres menos qualificados? Não sei se RTavares se apercebeu da tremenda injustiça que o seu raciocínio encerra.
Mas há mais. Expandindo o argumento, há necessariamente uma correlação entre o esforço académico e a recompensa de ser português que está a ser proposta. Correlação entre esforço académico, como se este ganhasse uma primazia moral em relação a qualquer outro tipo de esforço. Então diz RTavares:
O imigrante terá um estímulo adicional para se qualificar, e o país sentirá que o imigrante se esforçou para ser português.
Devemos por conseguinte entender que o esforço resultante do trabalho na construção civil, no sector da restauração, no sector das limpezas, no comércio retalhista, etc, etc, não merece o mesmo apreço por parte do “país” do que o resultante do esforço académico. Façamos um exercício académico, como deve de ser, para terminar: ponham-se no lugar do imigrante que trabalha e que não tem qualificações superiores, nem condições ou vontade para as obter, e que vê alguém chegado há três ou quatro anos, e este, porque saca um canudo, obtém a nacionalidade. Política equitativa, não é?
adenda: a última estimativa que encontrei sobre imigração ilegal ronda os 12 milhões de pessoas. A cifra reproduzida no texto está manifestamente desactualizada.
Do Atoleiro das Directas sem passar pela Aljubarrota das nacionais
Na contenda pela direcção do PSD, o mais interessante não foram os contendores, foram as tentativas tanto frustes como cómicas de resgatar um dos pretendentes ao lugar. Neste contexto, dois nomes são particularmente assinaláveis: Pacheco Pereira e VGM. Raras vezes se terão visto esforços tão desmedidos quanto infrutíferos para salvar um candidato consensualmente medíocre. E esta empresa foi levada a cabo pelos dois maiores intelectuais do partido em questão. Foi notório o esforço propagandista no incensar sistemático de Marques Mendes por estes dois membros do PSD, quer nas suas contribuições jornalísticas quer nas prestações blogosféricas. Mas é ainda mais surpreendente quanto esta toada celebratória e de adulação quase divina se tornou tanto mais insistente quanto se aproximavam as directas no PSD. Quando é que vimos Graça Moura tecer loas tão desproporcionadas a alguém - que não seja a ele mesmo -, a algum companheiro de partido ou lider partidário? Nem com Cavaco me recordo de tal euforia encomiástica.
Todavia, a saliência destes momentos não advém das características do candidato em questão, mas sim, e por contraste, da míngua delas. Era difícil convencer alguém que Marques Mendes tivesse porte para ser mais do que o líder que (se) segura (a)o timão, por mais que seja obrigado a bolinar, na travessia do deserto que todos os partidos enfrentam em momentos de crise. Assim como era evidente o desencontro carismático entre um António Guterres e um Ferro Rodrigues, também Marques Mendes, apesar das enfáticas – e desequilibradas – moratórias de extrema confiança por parte dos dois intelectuais social-democratas, fica bem aquém do pressuposto carisma de Cavaco. Mas aqui o problema agudiza-se: porque Marques Mendes vem apenas rematar uma já longa lista de personalidades do PSD que falham retumbantemente o teste do carisma. Bem sei que o carisma é uma herança pré-moderna, que pouco tem a ver com os processos gestionários de que se serve a política actual. Contudo, convém não substimar a importância, mesmo no mais enfadonho tecnocrata – como foi Cavaco no início – desta emulsão carismática onde devem ser mergulhados os líderes que o pretendem ser ou continuar a ser. Foi, parece-me, essa a função cumprida pelos dois intelectuais - e agora já posso utilizar o termo -, orgânicos do PSD – uma invenção de carisma onde apenas se vislumbrava o cinzentismo do homem do aparelho partidário.
A tentativa de reconstruir um Marques Mendes com postura de Estado contra um Filipe Menezes populista, de pouca confiança, mais afecto a "taticismos" e golpes de manga, colidiu com a imagem que todos conheciam de Marques Mendes. Se houve alguma coisa que popularizou um Marques Mendes aparelhista, um yes man da hierarquia partidária, um oportunista sem escrúpulos, foi essa fantasia da cena política nacional chamada Contra-informação. O aspecto “popularucho” do programa não nos deve enganar. Ali ficou bem vincada a imagem do que era e o que poderia ainda vir a ser Marques Mendes: o subalterno que grita “ganda nóia” cada vez que o chefe tem uma ideia brilhante. Esta impressão estava bem viva no eleitorado português, e inevitavelmente no eleitorado do PSD. A tentativa de reformular este estigma pecou, se tanto, por tardia. De repente, Pacheco Pereira e Vasco Graça Moura, reinventam um Marques Mendes à imagem do Santo Condestável, de um Aquiles que é capaz de morrer pela oposição ao tirânico governo sócrates. A Aljubarrota de Marques Mendes vir-se-ia a saldar em fracasso e nem sequer chegou a opô-lo ao seu arqui-inimigo José Sócrates – nem sequer chegou a ser uma Aljubarrota, portanto. Em verdade, ficou pelo atoleiro das directas no PSD onde, mais uma vez, e contrariamente ao seu epígono, o Condestável, sofre aqui vergonhosa derrota. O “basismo” dizem-nos PP e VGM, esse monstro de sete cabeças, a turba desenfreada que não conhece a autenticidade e infalibilidade da elite; foi o “basismo” de Filipe Menezes que provocou a derrocada de São Mendes. Até pode ter sido. Agora o que não pode é ser escovado para baixo do capacho como se tratasse de um epifenómeno resultante do populismo de Menezes. Se as bases apoiaram Menezes contra o candidato favorito da intelligentzia isso significa que as bases já não confiam nos palpites da intelligentzia. E nem é difícil perceber porquê. Pacheco Pereira e VGM teriam que explicar o seu silêncio comprometido aquando da fuga de Durão para o Brasil actual: a União Europeia. Ainda hoje, Pacheco Pereira maldiz a sorte do seu partido por ter entronizado Santana Lopes, omitindo sagazmente, que foi Durão quem percipitou a situação ao optar por uma exemplar cooptação sucessiva ao bom estilo dinástico. Durão desaparece do horizonte de sentido dos dois plumitivos – quão conveniente. É má prática não olhar para as lições da história, como Santayana nos avisou. Porque se quisermos retraçar a história de uma crise ela leva-nos inevitavelmente à desistência de Durão. Desconfio que as bases não ficaram contentes; desconfio que ainda hoje sublimam o abandono do pai sem perceberem o porquê desta quebra de solidariedade. É claro que a intelligentzia também não lhes conseguiu explicar. A orfandade das bases do PSD tem clamado por um pai adoptivo vezes sem conta. As respostas têm sido as mais das vezes canhestras, e as bases resolveram escolher Menezes with a vengeance.
Todavia, a saliência destes momentos não advém das características do candidato em questão, mas sim, e por contraste, da míngua delas. Era difícil convencer alguém que Marques Mendes tivesse porte para ser mais do que o líder que (se) segura (a)o timão, por mais que seja obrigado a bolinar, na travessia do deserto que todos os partidos enfrentam em momentos de crise. Assim como era evidente o desencontro carismático entre um António Guterres e um Ferro Rodrigues, também Marques Mendes, apesar das enfáticas – e desequilibradas – moratórias de extrema confiança por parte dos dois intelectuais social-democratas, fica bem aquém do pressuposto carisma de Cavaco. Mas aqui o problema agudiza-se: porque Marques Mendes vem apenas rematar uma já longa lista de personalidades do PSD que falham retumbantemente o teste do carisma. Bem sei que o carisma é uma herança pré-moderna, que pouco tem a ver com os processos gestionários de que se serve a política actual. Contudo, convém não substimar a importância, mesmo no mais enfadonho tecnocrata – como foi Cavaco no início – desta emulsão carismática onde devem ser mergulhados os líderes que o pretendem ser ou continuar a ser. Foi, parece-me, essa a função cumprida pelos dois intelectuais - e agora já posso utilizar o termo -, orgânicos do PSD – uma invenção de carisma onde apenas se vislumbrava o cinzentismo do homem do aparelho partidário.
A tentativa de reconstruir um Marques Mendes com postura de Estado contra um Filipe Menezes populista, de pouca confiança, mais afecto a "taticismos" e golpes de manga, colidiu com a imagem que todos conheciam de Marques Mendes. Se houve alguma coisa que popularizou um Marques Mendes aparelhista, um yes man da hierarquia partidária, um oportunista sem escrúpulos, foi essa fantasia da cena política nacional chamada Contra-informação. O aspecto “popularucho” do programa não nos deve enganar. Ali ficou bem vincada a imagem do que era e o que poderia ainda vir a ser Marques Mendes: o subalterno que grita “ganda nóia” cada vez que o chefe tem uma ideia brilhante. Esta impressão estava bem viva no eleitorado português, e inevitavelmente no eleitorado do PSD. A tentativa de reformular este estigma pecou, se tanto, por tardia. De repente, Pacheco Pereira e Vasco Graça Moura, reinventam um Marques Mendes à imagem do Santo Condestável, de um Aquiles que é capaz de morrer pela oposição ao tirânico governo sócrates. A Aljubarrota de Marques Mendes vir-se-ia a saldar em fracasso e nem sequer chegou a opô-lo ao seu arqui-inimigo José Sócrates – nem sequer chegou a ser uma Aljubarrota, portanto. Em verdade, ficou pelo atoleiro das directas no PSD onde, mais uma vez, e contrariamente ao seu epígono, o Condestável, sofre aqui vergonhosa derrota. O “basismo” dizem-nos PP e VGM, esse monstro de sete cabeças, a turba desenfreada que não conhece a autenticidade e infalibilidade da elite; foi o “basismo” de Filipe Menezes que provocou a derrocada de São Mendes. Até pode ter sido. Agora o que não pode é ser escovado para baixo do capacho como se tratasse de um epifenómeno resultante do populismo de Menezes. Se as bases apoiaram Menezes contra o candidato favorito da intelligentzia isso significa que as bases já não confiam nos palpites da intelligentzia. E nem é difícil perceber porquê. Pacheco Pereira e VGM teriam que explicar o seu silêncio comprometido aquando da fuga de Durão para o Brasil actual: a União Europeia. Ainda hoje, Pacheco Pereira maldiz a sorte do seu partido por ter entronizado Santana Lopes, omitindo sagazmente, que foi Durão quem percipitou a situação ao optar por uma exemplar cooptação sucessiva ao bom estilo dinástico. Durão desaparece do horizonte de sentido dos dois plumitivos – quão conveniente. É má prática não olhar para as lições da história, como Santayana nos avisou. Porque se quisermos retraçar a história de uma crise ela leva-nos inevitavelmente à desistência de Durão. Desconfio que as bases não ficaram contentes; desconfio que ainda hoje sublimam o abandono do pai sem perceberem o porquê desta quebra de solidariedade. É claro que a intelligentzia também não lhes conseguiu explicar. A orfandade das bases do PSD tem clamado por um pai adoptivo vezes sem conta. As respostas têm sido as mais das vezes canhestras, e as bases resolveram escolher Menezes with a vengeance.