Saturday, June 30, 2007

Espiritualidade


Conversa sobre espiritualidade. Assunções filosóficas sobre a espiritualidade universal. Teilhard de Chardin e o Dalai Lama. Os homens são todos irmãos e religião significa religar - disse ele. Havia todos os motivos para contestar. Que podia encontrar o bem em todos os seres humanos e que essa dimensão espiritual era o que partilhávamos uns com os outros. Alguém disse que isso existe sem qualquer necessidade de religião; que podemos perfeitamente ter esse sentido de partilha sem recorrer a nenhuma doutrina ou sequer pensar em endoutrinar. Foi então que ele relatou: o seu trabalho missionário no Vietname; a forma como socorriam as vítimas dos bombardeamentos norte-americanos; e como escolhas de vida ou de morte eram exigidas dele e dos seus colegas missionários, pois não tinham instalações para acomodar todos os feridos. Depois vieram os Vietnamitas recuperar a sua terra. Havia pânico em Saigão; os americanos retiravam deixando todos os outros para trás. Os padres missionários foram ficando. Uma noite, dormiam três padres jesuítas e ele eram um deles, quando bateram à porta. Os seus dois colegas foram levados para não mais regressarem. Uma semana depois bateram novamente à porta; só ele já ocupava o quarto lúgubre em que viveram os três missionários. Levaram-no. Durante três meses foi torturado pelos Khmeres Vermelhos numa prisão de Saigão. Conta que nessa altura viu o mal. Mais tarde seria executado; fuzilado no pátio da prisão. Sobreviveu. Só se lembra de ter acordado em Hong Kong, no hospital. Repete, perante o silêncio que o envolvia, que viu o mal. Mas acrescenta que não perdeu a fé no ser humano. Agora ajuda imigrantes ilegais a sobreviver. Presta-lhes cuidados de saúde e luta pela sua legalização. Qualquer argumento livresco; qualquer frase feita retirada de um qualquer artigo de teologia pareceria infame. Ficou tudo em silêncio. Pedimos mais uma cerveja e mudámos de assunto.

Wednesday, June 27, 2007

Sim, com certeza!

Às vezes penso que a esquerda é burra. E que não é o executivo Sócrates que é nhurro, mas a esquerda que é míope. Ou então ter-se-á afundado em tal letargia que já não distingue uma montanha de um rato. O elogio feito por Baptista Bastos ao dr. Filipe Menezes releva desta estultícia (ou será distração, ou será velhice?). Parabéns a Filipe Menezes porque criticou a erosão do SNS? Mas, seguramente mais importante, parabéns ao mesmo por não tê-lo feito quando tinha responsabilidades governamentais. Em que é que ficamos? Baptista Bastos sofre de amnésia ou não sabia como rematar a sua crónica desta semana? Em favor da crítica conveniente passa-se ao lado da análise oportuna, a saber, não é de elogiar quem está calado sobre o assunto quando o seu partido está no governo, mas que critica quando se encontra na oposição. Lendo Baptista Bastos fica-se com a impressão de que o PSD sempre teve em LFM um grande defensor do SNS. Pois, está a mesmo a ver-se não está?

Lança fora d'África


Este post do Insurgente , que me foi dado a conhecer através do Arrastão, merece reflexão e citação. No que segue reproduzo algmas pérolas avulsas dos posts de Patrícia Lança, mas que vale a pena ler na íntegra.


Gregos e romanos, parece a drª sugerir, acreditavam que o sexo anal tinha funções reprodutivas, desconhecimento que os tempos modernos vieram suprir. Não me parece. Nem gregos nem romanos tinham as mínimas dúvidas do que era e para que servia a sodomia e a última coisa com que se preocupavam, em relação a isso, era justamente com a reprodução.
A Patrícia tem uma vida sexual chata, monótona, desengraçada, como qualquer falsa puritana beata supostamente terá. Digo supostamente, porque não acredito que mesmo a singular e beatífica Patrícia se exima aos delírios do prazer e às suas perversões (seja lá o que isso for). Mas o sinal mais sintomático da má-fé destes conservadores modernaços é escamotear todos os outros factores de transmissão do HIV. A prostituição, a toxidopendência, ou o simples contágio através do sexo sem preservativos. Seguindo o inteligente raciocínio da drª Patrícia, o facto de o HIV ter actualmente uma maior incidência nas populações africanas, significa que existiria uma qualquer tendência obscura para a homossexualidade em África – o famoso homossexualis africanus. A verdade é que a Patrícia ou é tola ou é hipócrita – ele haverá outros nomes? – ao não colocar como o mais importante factor de contágio do HIV a recusa em usar preservativos. Mas isso colidiria com os brilhantes ensinamentos do catolicismo do qual a Patrícia é uma fervorosa acólita. A construção do homossexual como bode expiatória revela em toda a sua transparência a pobreza do ideário do catolicismo actual.

Almeida Faria (des)codificado


Este texto sobre o Almeida Faria é interessantíssimo. É de ler e chorar por mais. Fica aqui um pequeno exemplo de uma das partes mais acessíveis. Mas os restantes textos são igualmente de ler; dignos representantes da velha prosa ensaística na sua mais vivaz expressão.

“Também sei que o registo fantástico e o discurso onírico (não apenas dos personagens tipificados, Jô e Tiago), ambos fundados numa reversibilidade já sublinhada entre o visível e o ‘não-visível’, ou entre o dito e o ‘não-dito´, constituem instâncias muito singulares de álibi diegético que garantem uma pulsação profunda e ímpar aos enredos de Almeida Faria. Identidade, neste mundo, e onírica, aparentemente noutro mundo, convivem numa geometria arejada onde se pressupõe sempre uma busca, uma “quête”.” Texto de Luis Carmelo sobre Almeida Faria.

A Madrasta europeia!


Duas coisas se me oferecem dizer sobre esta fotografia. Primeiro, o facto de ter suscitado tão iradas e vexadas reacções obriga a pensar que a retórica da liberdade de expressão não passa disso mesmo: retórica. Segundo, Merkel é dona de uma carinha laroca que vai bem em qualquer corpinho. Duas razões para estender a análise.
Quase que corria o risco de comparar este caso com as caricaturas de Maomé. Que falta de tolerância têm estes alemães que, ao ver a sua chanceler representada de forma ominosa, não conseguem reprimir – como mandam as regras de contenção da liberdade negativa – o seu protesto? Diríamos que não é mais do que um exemplo de liberdade de expressão da máquina jornalística. A representação revela “falta de gosto”, é “insultuosa”, etc, etc, são algumas das críticas com que deparamos folheando algumas páginas web de jornais alemães. Dir-me-ão: mas não vão para a rua partir montras nem pegar fogo aos carros. Verdade; mas talvez porque não precisem. Quem tem toda a imprensa de joelhos a amplificar as suas críticas e a transmiti-las para o resto do mundo, não precisa de se amotinar para chamar a atenção.
O segundo aspecto é ainda mais interessante. A revista que publicou a montagem, pasme-se, é uma revista conservadora. Os polacos, dizem os jornais, gostaram e ficaram babados com a afirmação nacionalista que a imagem subentende. O que se afigura deveras engraçado é que o seu director justificou a traquinice pelo facto de ser um busto de uma modelo de...21 anos. Esta precisão é significativa da esquizofrenia em que vivemos. Na católica Polónia é preciso avisar a navegação sobre a idade da pequena não vá a revista ser acusada de assalto aos bons costumes. Mas o nacionalismo pegajento que a imagem denota, sendo a sua real intenção, não precisa nem de caução nem de questionamento. A carne, meu deus, é a carne!
Finalmente, sim a fotografia é de um mau gosto completo. Mas viva a liberdade de expressão!

Tuesday, June 26, 2007

Má raça

Tive uma conversa interessante durante o almoço. Conversa com mulheres – há que estar sempre atento para não ser desadequado ou impróprio. A conversa versou sobre o harrasment (dito assim soa mais tenebroso). A questão que eu coloquei era a de saber se um tipo que lhe desse na cabeça espetar um beijo suado e melado na boca de uma companheira de trabalho, durante o horário de expediente, lá para trás de uns cacifos na sala do arquivo, se em vez de levar uma estalada no focinho podia ser acusado de harassment. Ou seja, se o acto impulsivo de indomável desejo sexual por uma colega de trabalho podia, no final de contas, ser criminalizado. Não relato experiência pessoal, portanto todos aqueles que se preparam para um momento de espasmódica intimidade através da minha narrativa podem desde já ficar desiludidos. A situação é apenas ilustrativa do argumento. A resposta foi, no entanto, espantosa. Não porque as mulheres presentes até vissem de bom grado a possibilidade de levar um linguado no meio do pó e das teias de aranha, mas porque seria a coisa mais asquerosa, indigna, contranatura que lhes poderia alguma vez acontecer. Porquê? Porque o toque sem premissão é sentido como violação.
Bem sei que o registo do sismógrafo carnal destas coisas varia consoante a latidude e a topografia, e que um toque sambado não é a mesma coisa do que um toque na nevoenta e fria Helsinquia. Mas adiante.
A coisa foi debatida dentro da corela do politicamente correcto, que é motivo, imediatamente, para estar de sobreaviso. Expliquei que não havia maneira de expressar uma paixão sem ser pelo risco da rejeição, mas que a tentativa não podia ser criminalizada. Aliás, servindo-me de Zizek, o Slavoj, acrescentei que paixão sem o seu quê de violência assemelha-se a formulário de centro de saúde. Escândalo! Opróbrio! O tipo é um violador em potência! A porra é que o contra-argumento é torcido e difícil de dirimir. Pois não é que, se fosse num clube, levar uma amassadela, até estava bem, mas na repartição deus nos acude, qué pecado e há que rezar pai nossos e avé marias. Perceber isto: o politicamente correcto é uma lança acerada para pessoas que sofrem de má consciência.

Mas quem é que o leva a sério?


“Não sou militante do PSD e a minha postura tem sido de colaborar com o partido”.

Negrão estava certo. A sua capacidade para usar a metáfora como arma de arremesso político faz inveja a um Maquiavel. O que fez a EPUL se não meter água por todos os lados? Em coerência, a bem da flexisegurança, e no sentido da racionalização dos serviços, devia ser a empresa responsável pela água em Lisboa. Negrão é preclaro e futurológico. Nada a dizer.
O IPAR devia era arranjar casas aos “seguementos sem capacidade económica”, e pois então porque não? Basta ver o desperdício que é o Palácio da Ajuda que podia albergar mais de 50 famílias ciganas – alargadas - por aqueles corredores e salões afora. Em vez disso faz concorrência desleal com os constructores civis, que podiam perfeitamente obter aquele terreno e construir um condomínio de luxo no alto da Ajuda. Para quem já não se lembre, no velho Palácio da Ajuda, aquele que estava em ruínas antes da EPUL, perdão, o IPAD, perdão, o ISN, lá acampar, viviam nas suas redondezas felizes famílias ciganas que partilhavam democraticamente dos jardins contíguos ao palácio. Negrão é um Jacobino! Mais, Negrão é um filho de Proudhon! Mais ainda, Negrão é da estirpe do princípe Kropotkin! O Palácio da Ajuda deve ser devolvido aos ciganos, menos abastados, claro está. Os tempos da nobreza patrimonial habitar o luxo e o fausto acabaram com a social-democracia segundo Negrão.
Foi tudo problema com as siglas, socorre-se o Negrão quando interpelado pelos jornalistas. Espero que o Negrão vá munido com uma lista de siglas para o debate com o Costa. Parece que o futuro tá negro, ó Negrão.

Gay paradie

As paradas gays sempre me pareceram uma grandessíssima palhaçada. Pouco têm a ver com direitos, embora toda a parafernália discursiva em torno das identidades as associe imediatamente com a luta pelos direitos. É fácil fundear nos escolhos da identity politics. Diz o Daniel que isto acontece para mostrarem que os heterossexuais os devem aceitar como eles são: com plumas, lantejoulas e outros apetrechos carnavalescos. As paradas equivaleriam portanto às manifestações das mulheres a queimarem soutiens ou aos desfiles dos negros norte-americanos pelos direitos civis. Nem uma nem outra. Sim, bem sei, há a questão da visibilidade versus a invisibilidade a que os G&L são, supostamente, votados. Será isso verdade? Nunca, como hoje, a homossexualidade ganhou um padrão estetizante, ao ponto de haver profissões consideradas como típicas de homossexuais; e não é um novo tipo de preconceito, é o mercado que assim o ditou (ver Florida). Se há anúncios na Califórnia, para certos sectores, a procurar especificamente gay people, onde é que fica a questão da invisibilidade?
Uma parada G&L tem sempre uma componente de transgressão. Mas transgressão em relação a quê? Não parece ser um desafio às visões e atitudes preconceituosas, nem tão-pouco a um estilo de vida com o qual não se concorda; afinal a maioria dos G&L, finda a parada, voltam às suas vidas, profissionais e familiares, business as usual, e largam as lantejoulas e as perucas. As paradas dos G&L têm qualquer coisa de Saturnália, um período consagrado para a transgressão onde as preocupações com os direitos são sobrepujadas pelo estado de excepção do direito a transgredir.

Ateus de todo o mundo - uni-vos!

O que aconteceu ao ateísmo? Parece que se refugiou nas universidades e nos círculos bem-pensantes. Os lugares políticos estão atascados de beatisse. O que parece uma contradição. Numa altura em que a ciência se contorce para explicar que o Genesis pouco contribuiu para o facto de andarmos a beber coca-cola e a comer batatas fritas de pacote, os nossos governantes benzem-se antes de entrar para o parlamento e confessam as suas tropelias ao capelão do exército. Há qualquer coisa de -até estruturalmente- errado nisto. Até porque a influência do cristianismo (mas estenderia a ideia para qualquer religião) é nefasta; sobretudo naquilo que inscreve de entrincheiramentos, posições irredutíveis, dogmas avulsos e, consequentemente, violência, na vida das sociedades. O ateísmo precisa de se reerguer; e pelos vistos tem que envergar as suas velhas vestes de anticlericalismo, porquanto estamos a retomar a influência dos padres nas questões políticas como já não se via desde os tempos de Richelieu. Precisa de se unir, quer contra a avançada católica quer contra a persistência islâmica travestida de multiculturalismo para que seja mais tragável. Não há meias-tintas: é a religião, no seu global, que precisa de ser travada e combatida a sua investida por um novo reinado das trevas e do obscurantismo. Bush é apenas um exemplo do que esta conjunção pode produzir.

Monday, June 25, 2007

La Palice revisitado

Se os empregadores se opõem à concessão de direitos laborais aos imigrantes em pé de igualdade com os trabalhadores nacionais, não é só porque os empregadores lucrem mais em situações pontuais. Na verdade, os empregadores gostariam que o mercado nacional oferecesse o mesmo patamar mínimo de direitos que lhes permitisse flexibilizar de tal forma os salários que a margem de lucro fosse virtualmente ilimitada. Curiosamente, são as grandes empresas que a nível mundial apresentam margens de lucro decrescentes. São também os grandes sectores de capital intensivo que empregam a maioria da mão de obra não-qualificada. Por seu turno, a maioria dos trabalhadores imigrantes trabalha em profissões pouco qualificadas, no chamado sector dos três Ds (dirty, dangerous and difficult) e está disposto a aceitar estas condições apesar da menor remuneração que em média auferem por comparação com os nacionais. Dizem os economistas que se houvesse paridade salarial, as transferências de trabalho entre países ficariam seriamente comprometidas, dado que estas resultam dos diferenciais no custo do mesmo (por exemplo, Chanda, 2001). O empenho em fluidificar a imigração mantendo o controlo das fronteiras apertado, só aparentemente surge como uma contradição. Caminhamos novamente para os velhos programas para “guestworkers”, mas numa conjuntura de liquidação do estado social – o que faz toda a diferença em relação aos anos 60 do século passado. Não por acaso nenhum país de União Europeia nem nenhum país altamente desenvolvido ratificou a Convencão dos direitos dos trabalhadores imigrantes das Nações Unidas. É que lá vem especificado que se deve respeitar a paridade salarial entre os trabalhadores imigrantes (legais ou ilegais) e os nacionais. Um claro caso de irredutível oposição entre a lógica económica e a bondade do direito.

Friday, June 22, 2007

Samsa, do outro lado da mesa

Encontrava-se sentado do outro lado da mesa. À minha frente, revelando nos seus pequenos olhos um esgar de desconforto. As costas da cadeira não se ajustavam ao seu corpo. As pesadas antenas, só a custo conseguia evitar que batessem repetidamente no lustre do candeeiro. Por vezes tinha que apoiar as patas no tampo da mesa só para se manter em equilíbrio. Não o repugno, perguntou. Não, de todo; antes pelo contrário. Que quer dizer com isso, ripostou. Digo que quando a sua criada me avisou que iria estar em presença de um Mistkäfer gigante, confesso que fiquei preocupado, até amedrontado. Afinal não é todos os dias que isso acontece. De facto, anuiu endireitando uma das antenas que havia descaído levemente sobre o lustre. Mas agora...Diga, diga. Bom, agora não me sinto minimamente atemorizado, embora lhe confesse, mas não me leve a mal, o seu aspecto é absolutamente repulsivo. Mas disse, entrecortou calando-se imediatamente e ficando parado numa expectativa contemplativa. Sim eu sei, continuei, na realidade não me repugna porque apesar de fisicamente repulsivo considero-o muito simpático. Percebo, respondeu cabisbaixo. Talvez outro dia, ainda acrescentou. Não, não, hoje sinto-me perfeitamente motivado; se não fosse hoje não sei quando seria. E a sua irmã, como vai? Bem obrigado, respondeu contrariado por ter que encetar uma conversa sobre a sua esfera íntima. Depois retomou, não sem alguma angústia na voz. Deixei de dormir com ela, obviamente. Obviamente, concordei. Nem podia ser de outra forma, rematou. Claro que não, reafirmei. Felice disse que não se importava desde que abríssemos a janela, porque sobretudo o que ela não suporta é o meu odor putrefacto. Como a compreendo, disse não conseguindo disfarçar um mal estar que entretanto se tinha apoderado de mim ao qual atribui o facto de o quarto estar tão abafado. Por falar nisso, não se importa que eu abra a janela, não? Faça favor, como eu o entendo. Mas dizia? Ah, sim, Felice...pois não vê impedimento para o nosso casamento; diz que o homem que eu era continuo a ser, e que o amor não responde às aparências. Isso deve fazê-lo feliz, suponho. Não, com efeito, deixa-me tremendamente desesperado. Mas porquê?, perguntei procurando conter o espanto que a minha voz revelava. Porque era justamente o homem que eu era que eu não suportava. De que me vale a transformação, se por debaixo desta carapaça continuo a ser o mesmo homem. Estranho, respondi num sussurro. Então não vê qualquer possibilidade? Não, infelizmente. E já avisou os pais de Felice? Escrevi uma longa carta onde os alertava para o facto de estar a pensar submeter-me a uma grande e irreversível metamorfose. E eles? Insistiram que fosse qual fosse o problema, tanto eles como com certeza Felice, me apoiariam na travessia deste período claramente difícil. Mas mesmo assim não ficou satisfeito? Pois de que me serviu a transformação se é ao mesmo homem que toda a gente continua a prestar atenção? Percebo, respondi, embora não o percebesse totalmente. E agora? Agora, é por isso que você se encontra aqui. E então? Chamei-o porque me encontro numa situação insustentável, como já deve ter entendido. O problema do seu novo corpo, suponho? Não, o problema da permanência do meu velho “eu”. E isso incomoda-o? E de que maneira, repontou enfaticamente. Repare, submeti-me à transformação porque queria que todo o vestígio do homem que eu era desaparecesse definitivamente. Em vez disso, o que obtive? Diga, diga, insisti. A compaixão da minha família, o asco da minha criada, mas pior que tudo, a compreensão de Felice; veja lá que até se presta ao sacrifício de viver comigo, mesmo sabendo que sou um ser impossível! O bicho? Não, o homem! E que quer de mim?, perguntei não conseguindo reprimir um riso despropositado. Quero que acabe com este meu tormento. Mas como? Mal o conheço, e para além disso a sua nova anatomia deixa-me perplexo e sem ideias; nem saberia que conselho lhe haveria de dar. Não se preocupe, tranquilizou-me, quero apenas que seja um instrumento, espero que eficaz, na minha última metamorfose. Que será?, perguntei esbugalhando os olhos no que colhi uma reacção de impaciência nos pequenos olhos pontiagudos que se movimentavam em círculos do outro lado da mesa. Quero que ponha um fim ao corpo e ao homem, encheu o quarto com a sua voz resoluta e os seus olhos ainda há pouco irrequietos alcançaram uma rigidez insuspeitada. E como devo fazê-lo? Ora meu amigo, posso tratá-lo assim, interrompeu e, vendo que eu não me opunha àquela familiariedade, prosseguiu de imediato – o que costuma fazer quando encontra uns seres como eu na sua sala de jantar? O homem ou o bicho?, interroguei ainda confuso com esta dualidade. Os dois, cum raio! Pois uso um qualquer veneno daqueles que se compram nas drogarias. Exactamente, pontuou a minha descoberta ainda com a resolução que adquirira nas últimas frases. Pois bem, se é isso que pretende, a mim não me custa nada. Então estamos de acordo: DDT ou simples veneno para ratos? Tanto faz, escolha você; terá que ter algum papel activo nesta história. Concordei, mas senti que o cenho se me enrrugava perante a alusão à minha utilidade. Posso então dar-lhe um abraço, perguntou-me com as patas a deslizarem da mesa para o chão, soerguendo-se à minha frente, não sem esforço, e batendo novamente com as antenas no lustre do candeeiro veneziano que balouçava sobre as nossas cabeças. Venham daí esses ossos...perdão, venha daí essa creatina, acrescentei para dar um tom de jovialidade ao nosso acordo. Abraçámo-nos. As patas tinham pelos eriçados que roçagavam pelo meu rosto; não era de todo desagradável. O odor junto da boca era ainda mais fétido, mas a bonomia daqueles olhos tornavam-no tolerável.




O eixo dos beatos


Começa-se gradualmente a perceber o que aconteceu na Europa neste últimos dez anos. Algo que já estava latente na cimeira dos Açores, que consagrou os líderes Aznar e Barroso como os paladinos do eixo do bem deste lado do Atlântico, e que tem vindo a alastrar como uma vaga poderosa no seio das elites políticas. O beija-mão ao Papa que várias figuras da política europeia pressurosamente alimentaram, tem o seu seguimento nas conversões e confissões de outros tantos. Agora foi a vez de Blair anunciar o seu desejo de se converter ao catolicismo. Só agora o fez porque as condições políticas não o propiciavam anteriormente. Com esta sua decisão, Blair será o primeiro Primeiro-ministro inglês católico, embora rezem as crónicas que de há muito que era praticante. A influência do priorado também já de algum tempo para cá se fazia sentir no Nº10. Os ventos do catolicismo romano começaram a soprar com mais ímpeto a partir do momento em que Blair decidiu substituir as prestações sociais às diversas organisações não-governamentais, pela expansão do sector do providencialismo católico. O mesmo movimento pode ser identificado em Portugal na era do Guterrismo. Esta foi também uma agenda partilhada por Merkel, e não será exagero se virmos na boa vontade sarkoziana para com os imans e as mesquitas a mesma intenção de reforçar o peso da religião na vida dos cidadãos. A encíclica do Papa, que não fala por falar e que se encontra sempre a par das negociatas políticas da elite europeia, enunciava os princípios pelos quais a secularidade do estado, assim como concebida pela república dos Jacobinos, enfermava de diversas maleitas, entre elas a falta de moralidade do exercício público de funções. Fica aí claramente estabelecida que o Vaticano “exige” que a igreja tenha um papel interventor na condução dos negócios de estado. A razão teológica, segunda esta linha, é inseparável da razão de estado.
Também não terá sido por mera coincidência que surge um Papa alemão – ainda por cima com umas credenciais tão duvidosas – no reinado de Merkel. E ainda menos o será, a crescente influência da católica (fanática) Polónia nas decisões europeias. Esta última prima por ser um misto de beatisse reaccionária com nacionalismo rançoso – algo que nunca se deu mal em conjunto. A Polónia, no cenário europeu actual, gosta de exibir a sua faceta de enfant terrible oferecendo, para gáudio dos mais saudosistas, exemplos do mais bárbaro e atrasado conservadorismo. E tudo com o beneplácido do Papa de Roma. Foi, e é, a cruzada nazi contra os homossexuais – lembrar que os professores homossexuais estão proíbidos de dar aulas nas escolas. Foi a renitência hipócrita em implementar legislação antidiscriminação. É o apoio servil aos círculos mais reaccionários do catolicismo na Polónia cujo epítome seria a radio Maria.
Mas a Polónia vem agora exigir que se dêem direitos aos mais pequenos com a justificação absurda do desgaste demográfico durante a II Guerra mundial provocado pelo extermínio nazi. Curiosamente, o mesmo Kaczynski que engendrou esta original teoria demográfica, não se incomodou muito com o facto de o Papa vigente ter estado nas mesmas fileiras que os seus congéneres exterminadores de judeus. Quanto a este pequeno detalhe fica tudo na paz do Senhor.
Olhando com atenção os novos conservadores, é difícil perceber onde acaba a política e começa a beatisse. Estas questões seriam de somenos se eles não detivessem de facto o actual poder na Europa. Ela é a beata Merkel; ele é o beato
Sarkozi; ele era o beato Berlusconi; ele era o beato Aznar; ele é o beato Barroso; ele é o beatíssimo Fratini; ele é o fanático Kaczynski e podíamos continuar pela Rep. Checa, pela Áustria de Shussel, pela Dinamarca do Volkspartei (embora esta não seja da apostólica romana, mas nem por isso é menos beata); e, finalmente o recém-convertido Blair. Este panorama é por demais convincente para que ainda restem dúvidas de que estamos perante uma nova era da cristandade europeia. O Papa sabia-o bem quando proferiu a sua lecture em Ratisbona.

Apesar da boutade de Godard, nem em relação aos filmes americanos eu estaria minimamente de acordo com esta lista.

Blair witch project


Blair rejeitou a Carta dos direitos humanos porque não quer ingerências na “magna carta” britânica, na justiça e no direito. Rejeita igualmente um representante europeu para os negócios estrangeiros, porque isso poria em causa o “papel da inglaterra no mundo”.
Quando será que nós deixaremos de querer ingerências da “magna carta” de Blair?

Obra feita

Era bom começar a pensar, e a perceber, que a oposição do PSD aos projectos infraestruturantes em curso radica na mais pusilânime estratégia política. Dada a queda dos níveis de popularidade de Sócrates após o caso Independente, o PSD tenta por todos os meios – no que tem a imprensa como sua aliada – protelar as “obras do regime” para o próximo ciclo legislativo. A isto se reduziu a política e o governo em Portugal: bulhas de feirantes para ver quem fica com o melhor quinhão de obras públicas.

Os Liliputianos da Europa


Portugal é um país engraçado. Digo-o sem qualquer espécie de condescendência. Mas é de facto um país engraçado; um país que nos faz esboçar um sorriso. Nunca chegamos à gargalhada, porque o seu humor não é assim tão consequente. Será mais como aqueles comediantes esforçados que não conseguindo arrancar gargalhadas furiosas dos espectadores, se contentam em ver um esgar desenhar-se nos seus rostos doutra maneira pétreos.
Numa sucessão de artigos sobre o novo tratado europeu – o que vem substituir a constituição e surge como sua versão abreviada – derrama-se o anti-europaísmo mais vicejante que por cá se conhece. Dir-se-ia, até, que não há mais nenhuma opinião sobre a Europa senão aquela que a rejeita. As razões pelas quais a Europa é colocada à distância por estes encomiastas da nacionalidade, prendem-se sobretudo com questões de soberania. Segundo eles a soberania está ameaçada se a Europa se aproxima de um federalismo constitucional, mesmo que atenuado. Não só o seu raciocínio é errónio como as conclusões falaciosas. Com efeito, o que ainda segura a soberania e a sua eficácia é justamente a Europa. A permanência da soberania depende em grande medida da federalização da Europa. Parece paradoxal, mas é simples constatar que não pode ser de outra forma.
Existem dois cenários possíveis para a Europa: um, coloca a tónica fundamentalmente numa união mercantil, não abrangendo qualquer estrutura política nem qualificando a supra-estrutura europeia para tomar decisões de índole soberana. O outro admite que a Europa não é apenas um mercado preparado e dotado de instituições para facilitar o laissez faire e a esfera negocial, e que devia almejar a uma gradual substituição do espaço de soberania nacional por uma mais abrangente cidadania europeia. O que aqui se encontra fundamentalmente em causa é que tipo de cidadania queremos e que perigos incorre esta consoante os modelos a adoptar. Acresce que não se trata somente da “nossa” cidadania enquanto cidadãos europeus – os que foram supostamente carimbados com o pathos genealógico que inscreve as origens entre Atenas e Israel -, mas também da cidadania de todos os outros que querem pertencer, fisicamente, ao imaginário espaço Europeu. (Porventura, a insistência na genealogia da Europa só reifica as suas fronteiras imaginárias. Que diria Steiner perante o facto de os Lídios, os ascendentes dos Etruscos, por sua vez os antecessores de Roma, serem provenientes da região que hoje em dia se designa Turquia? Se a perspectiva a adoptar fosse a genética (biológica) em vez de a culturalmente genética, não seria problemático aceitar que a Turquia pertence ao pomo criador da Europa.)

A soberania pode ser deslocada e só uma visão ancilosada dessa mesma soberania, que não admite a separação entre estado e nação, pode ainda negar esta possibilidade. Apesar de a negar, é natural que os acontecimentos venham a desmentir este irredutível apelo pela soberania nacional.
As nossas elites parecem ser ferrenhas de uma concepção de soberania devedora de Herder a qual postula a indissociabilidade entre o demos e o Volk. Parece que o que realmente se encontra subjacente a esta birra nacionalista é a retenção do lugar de elite a diferentes níveis; i.e., a elite portuguesa é ciosa do sua posição dentro de fronteiras porque não consegue projectar-se na luta de posições da elite europeia. Veja-se a este propósito a escassez de portugueses nas instituições europeias, por oposição a lugares de destaque ocupados em instituições internacionais. É uma típica reacção de alcateia a defender o seu espaço.

Uma das extensões importantes que a Europa concede aos estados membros é a dos direitos. O aumento dos direitos é antes de mais um aumento de soberania. A carta dos direitos humanos estabelece uma relação com os cidadãos europeus que não é diferente daquela que é estabelecida por qualquer estado democrático com os seus cidadãos. Infelizmente, é justamente esta Carta que foi rejeitada pelos ingleses que vai ficar sem efeito e, por conseguinte, tornar-se-á num simples mono para inglês (apropriadamente) ver.

Thursday, June 21, 2007

Vitovitsky


Há um pintor do qual me apetece falar. Trata-se de Isold Erinst Vitovitsky. Vitovitsky não é muito conhecido no mundo islâmico, embora as suas pinturas sobre índios guaranis tenham ficado famosas na Islândia, quando por lá passou a exposição itinerante “Vitovitsky, o dia em que o diabo perdeu um olho”. Claro que não há apenas um Vitovitsky, assim como não há um só Picasso ou Dali ou Van Gogh. Das diferentes fases de V. aquela que mais me impressiona é a fase das cadeiras. Muitos obstaram que aquelas monumentais cadeiras, desenhadas a grossas pinceladas, com o sua geometria rígida e cores desarmónicas não passavam de uma deficiente interpretação do purismo vanguardista dos Moralianos. Não estou totalmente de acordo. Gosto de pensar que a fase das cadeiras, com as suas versões caleidoscópias de planos sobrepostos e hiperbólicos, foi influenciada pela paixão de Vitovitsky pelo snooker e sobretudo pela famosa bola em arco tensionado da qual ele era particularmente admirador. A geometria confunde-se aí com as tendências deletérias de um mundo (des)moralizante.
A rigidez das suas estruturas, por mais paradoxal que pareça, combina-se com a ductilidade do tecido imagético que nos leva a aceder, não sem esforço anamnésico, a uma hiper-realidade que Vitovitsky tão bem soube captar na pintura “O muro”. Quantas das mais prementes questões da arte actual, sobretudo da crítica pós-paranóica, não se encontram aí convocadas? E no entanto, não podemos deixar de nos surpreender com aquilo que se nos afigura uma retirada subtil do palco de contorsões para onde Vitovitsky parecia encaminhar a sua arte das primeiras fases. As “cadeiras” surgiram portanto, nas palavras de Noel Berman, como a “radicalização de uma espacialidade incorpórea” que é objectivada na impossibilidade (dizemos nós) da harmonia geométrica. Não julgamos estar longe do que pensava o próprio pintor se atentarmos numa das suas entrevistas concedida ao “Virtual Art” em 2005 onde afirmava “gosto de me reconhecer em espaços infinitos que me mantenham vedada a possibilidade do encontro com uma arquitectura da solidez”; donde se pode (deve) reconhecer a desistência de o artista aceder ao nível da captação do hiper-ponto. É justamente numa das suas tentativas melhor conseguidas de descrição do esforço hiper-geométrico que Vitovitsky oferece-nos a deixa necessária ao entendimento da sequência das “cadeiras em contraponto”; citamos de memória “Nada na sequência (pigarreia um pouco e prossegue) revela que entre aquilo que pensamos e aquilo com que traduzimos o mundo das formas possa de alguma maneira ser representável”. É seguramente esta busca da irrepresentabilidade que encontramos disseminada pelas suas últimas obras, mas que conhece justamente o seu paroxismo na sequência das cadeiras. E a morte? Não nos afundamos em simbologia latente sobre a morte e a finitude como quando seguimos as pegadas desenhadas na areia de Tapiés. O trabalho artístico de Vitovitsky possui um outro horizonte: uma irrepresentabilidade do geométrico como negação da plausibilidade das formas. Aqui o que está em jogo não é tanto a anulação do referente, ou se quisermos a irreferencialidade última de todo o significante, mas fundamentalmente a afirmação (negação) da condição virtual de todas as formas.

O Edil e a tartaruga

É um bocado chocante, sim senhora. Não, diria mesmo mais: é um bocado chocante. Só duzentos assessores do PSD numa câmara com 145.000 empregados? Isso é uma bagatela, uma minudência! Contabilize-se: nem chega 0,001 dos empregados, porra! E estar a chatear os cornos dum gajo por causa disto. Acresce que 700 tinham telemóveis pagos, o que quer dizer que havia equidade na distribuição de telemóveis. Se me dissessem, ah é que 205 tinham telemóvel, aí já me cheirava a fishy comó caraças, porque eram só mais cinco do que os assessores do PSD. Mas assim, cum diabo, não há lugar para abusos nem discriminação. Toda a gente andava à babugem da telecel e fodafone. E carros? Eram pá aí 900. Ora porra, mais uma vez, em 145.000 há 900 mortos de fome com carrinho da edilidade. Isto partindo do princípio que cada um tinha o seu, ou seja, sei lá eu se os mangas não tinham pelo menos 10 cada um. Cambada de indigentes, é o que é.
O povo tem que se compenetrar de uma vez por todas: ou quer gente competente, caldeada nas fornalhas da iniciativa privada; ou se sujeita a maltrapilhos, funcionários de carreira que nem imaginam os prazeres de usufruir telemóvel e carro da empresa. Porque se é gente activa – como diz o Pedro S. Lopes -, gente que gosta de trabalhar e que não está para estar parada com o cu no assento parlamentar a ouvir gajos a despejar merdas entorpecedoras, então há que pagar. Sim, porque esta gente da iniciativa privada, primeiro são os administradores, gestores, donos e patrões; segundo, não se sujeitam a um hiato nas suas carreiras multimilionárias por tuta-e-meia. É preciso pagar este escol armani, pagar e bem. Repito: e é se querem qualidade. Se não, ainda chupam com alguém que nem sequer consiga enriquecer à custa do erário público. Ora estes só são de lamentar. Como diz o povão – e esse tem sempre razão – se partes e repartes e dás a melhor parte ao cidadão, deves ser é tolo. E a gente não quer tolos à frente das instituições da república.

Wednesday, June 20, 2007

Os blogs do Próspero

Se os blogs são o equivalente dos diários dos escritores? Não ia tão longe. Por um lado, porque os diários de escritores são escritos por escritores, e nisso já está uma diferença considerável. Por outro, porque os diários de escritores são confecionais, intimistas, por vezes escabrosos, outras melancólicos e sentimentalões; mas sempre oferecendo um mergulho para dentro da alma do próprio escritor. Sem pathos não há diário. Há algum blogue que faça isto? Que eu conheça, não. Em algum blog se vê escrito “...pois durante a última semana estive quase a desfazer-me de tristeza e inutilidade”, como confessa Kafka no seu diário? Não creio e duvido ainda mais. A ejaculação precoce de Pavese, os espasmos de Kafka, a sua debilidade física e psicológica, a esquizofrenia infantil de Pessoa no seu infrene desassossego – isto era a matéria dos diários. Os blogs são prolongamentos do ego; ah sim? Mas de um ego rendido ao marketing! Os blogs vendem-se; vendem-nos. Mas bonitinhos, engraçadinhos, inteligentezinhos, assiadinhos, e muito direitinhos – mesmo quando anda p’ra lá palavrão e disparate em catadupa.
Fiquemos assim, se o diário é o elemento mais intimista na vida do escritor, o blog é o mais arrivista na vida de um jovem (ou sempiterno jovem) pósmoderno. Nos blogs não se discute política; faz-se politiquisse. Nos blogs não se fala da vida; criam-se anúncios dourados. Nos blogs não se têm ideias; dizem-se tiradas. E mesmo aqueles que procuram expender os seus raciocínios, trata-se de mero exercício de uma autocontemplação confrangedora. Uns há que se distraem com as potencialidades hipnóticas dos seus aforismos de trazer por casa, mas que por qualquer razão desconhecida do vulgo, consideram dignos de escarrapachar nas páginas dos seus blogs. Somos então servidos com “Ela nunca dizia nada à mesa do pequeno almoço. Mesmo quando calçava as meias ao contrário”; ou então, em jeito escolástico, “a coincidência entre a metanálise textual e as suas funções metafóricas. Conclua-se que é válido para a humanidade” (ambas são inventadas). Outros há que escrevem resmas de linhas enlevadas em lógicas subreptícias e prolixas (entre os quais me incluo) com a estranha esperança de que alguém os considere senão brilhantes, pelo menos dignos de atenção – uma tristeza. Outros avançam as suas posições ideológicas com despudor e desfaçatez; e há até espaço para ideias que já não se admitiam dentro dos limites da razoabilidade, circularem impune e impantemente, como as levas de reaccionarismo fascista com que por aí vamos chocando. Enfim, ele há de tudo. Mas vida, vidinha? Nem pó. A blogosfera é uma imensa caixa de ressonância da hiper-personalidade. Em termos prosaicos: do umbiguismo. Ele é tagarelice em barda, fazendo lembrar o Mário de Carvalho no início dos coronéis e das piscinas. Tagarelice exponenciada à sua mais alta potência.
Que não me vejam como algum velho do Restelo alimentando o ressaibo das más ou escassas leituras dos seus dejectos literários. Entendamo-nos, não vem daí mal nenhum ao mundo. Assim como não vinha quando o outro escrevia sobre os bicos que fazia aos soldados quando, libertinamente, se passeava por Braga. São os blogs os substitutos dos diários dos escritores? Duvido. Inclino-me mais para que sejam os coveiros dos mesmos.

Tuesday, June 19, 2007

Freakonomics

Uma das discussões interessantes no círculo de economistas heterodoxos é a que versa sobre as motivações humanas. Rejeitando a ideia simplificadora de um agente racional que maximiza as suas escolhas, estes economistas vêm (re)lembrar que muitas das acções humanas estão longe de obedecer a este padrão quase que algorítmico. Na verdade, ao sublinharem a relevância dos costumes, dos hábitos culturais, dos valores que são recebidos numa sociedade, não fazem mais do que prestar atenção aos factores socializantes. Aceite-se portanto como falsidade o mito do homem (da mulher) desencarnado do seu contexto. Algo que qualquer cientista social das ditas ciências menos duras (ou mesmo moles, ou amolecidas) não teria qualquer dificuldade em aceitar. Aliás é sobre isso que andam a escrever vai para mais de 100 anos. Os economistas descobriram-no agora. Grandes nomes, laureados com o Nobel e outros prestigiados prémios parecem querer inflectir aquilo que era dado como facto consumado: uma hegemonia sem rival do neoliberalismo e da retórica da maximização da utilidade. Deixem o povo escolher – gritava o velho Friedman a plenos pulmões! Privatizem que isto há-de encontrar o seu equilíbrio – esbracejava o doido anarquista Rotbath no seu banho de ácido sulfúrico para impenitentes do Welfare State. Agora chega-se paulatinamente à conclusão que a coisa não é tão preto no branco: que as pessoas fazem escolhas baseadas em informação incompleta e que, mormente os factores institucionais, possuem uma importância não negligenciável no condicionamento dessas mesmas escolhas. Para além disso, que mesmo as escolhas efectuadas sobre o pressuposto de maximização da utilidade, quando agregadas, não chegam muitas vezes à optimização de resultados. Por conseguinte, o homo economicos, esse anjo impoluto da economia mainstream, está sob pressão. Significa que cabe à economia elaborar novos e mais robustos modelos que integrem estes factores latentes; elementos transfugas das leis do equilíbrio. Talvez. Mas também é aceitável pensar que justamente por integrar factores institucionais e soft variables (como a cultura) a premissa segundo a qual o indivíduo totalmente racional e maximizador da utilidade não existe, possa simplesmente estar a negar-se a ela própria.


Admitindo que os factores sociais e estruturais possuem um peso sobre as decisões económicas, não é igualmente aceitável que esses mesmos factores têm vindo a cimentar uma visão, e portanto uma prática, que imprime nos nossos comportamentos o imperativo da acção racional? Não é a acção racional, maximizadora, aquela que é premiada e incentivada, tendendo todos os enviesamentos a serem expurgados como perturbações de um sistema? Não nos é inculcado sistematicamente que as nossas acções devem ter alvos específicos, concretos, e que devem obedecer ao princípio da maior utilidade meios-fins? Este parece ser aliás uma espécie de códice subjacente a toda a ciência gestionária; ou seja, a toda a retórica que visa eficientizar comportamentos. Na mesma linha de raciocínio, a behavioral economics escrutina os enviesamentos ao modelo de acção racional perfeita. Mas com que objectivos? Sem dúvida com a finalidade da correcção. A obsessão com a estrutura correctiva de uma dada organização ou sistema comunicacional encontra nos dias de hoje o seu apogeu: códigos de conduta, aprendizagem contínua, formação quer em áreas técnicas quer no melhoramento das capacidades comportamentais; afinamento do espírito de grupo, alinhamento das idiossincrasias pela “missão” da empresa, organisação e por aí adiante. Nada disto é novo e podemos facilmente equacionar estes exemplos com os dispositivos bio-políticos e a sua acção sobre o corpo assim como foram analisados por Foucault. Mas se este for o padrão socializador; se é justamente este modelo que nós, enquanto pessoas, introjectamos e que permite definir as nossas práticas e trocas sociais, será assim tão extraordinário que estejamos a assistir a um treino permanente no sentido da maximização da acção? E que, como indivíduos, quando socializados com sucesso, nos estejamos a tornar nos agentes maximizadores racionais pressupostos pela economia neo-clássica? Nas próximas gerações talvez venhamos a descobrir que o comportamento humano passou a corresponder exactamente ao ditado pelos modelos económicos. Quando isso acontecer não terá sido tanto a economia que explica os comportamentos económicos, mas sobremaneira os comportamentos que se ajustaram aos modelos económicos.

Relatório minoritário

Uma das coisas que mete mais nojo na polémica em torno do relatório da CIP é o facto de a direitinha portuguesa acusar em uníssono o governo PS de mentir. Não tenho particular admiração pelo governo nem por Sócrates. Mas não me custa muito admitir que seja a CIP que esteja a mentir. Só que isto é uma ideia demasiado disparatada para ser sequer considerada pelas cabeças pensantes da roufenha direita portuguesa. Afinal, os amigos são para as ocasiões.

Angelus Novus

Paul Klee - Angelus Novus
O círculo está fechado. Não eram os opostos que se completavam; não era a união última do nazismo com o comunismo que indicava a aproximação dos extremos. Não sei que nome lhe dar, mas terá mais a ver com a “realização da história” do que propriamente com diferenças ideológicas.
Sucede que a democracia, e aquilo que (des)apropriadamente se convencionou recentemente designar por teologia de mercado acabaram por cumprir a história com uma vingança. Imaginemos que a história se cumpre – coisa que é de rejeitar logo à partida. Mas imaginemos que sim, seguindo as pisadas de Fukuyama, esse grande hegeliano fin de siécle. O que diz a teologia de mercado? Que o mercado é uma condição histórica inexorável e, enquanto tal, nada é possível fazer para a contrariar. Que o sacrifício humano é aceitável quando serve para o progresso geral e que as leis do mercado não se compadecem com vítimas, exigindo antes para o seu bom funcionamento um exército de sacrificados voluntários. Fukuyama quando falava de democracia o que tinha realmente em mente era o mercado. E é justamente a justaposição entre história e mercado que Fukuyama enuncia. As leis do mercado são o equivalente das leis históricas; melhor, as leis do mercado cumprem as leis históricas, são uma sua imanência. Bill Gates não estava assim tão enganado quando afirmou que eles – os grandes grupos económicos – eram os verdadeiros comunistas do século XXI. Não pelo seu papel de distribuidores de riqueza e promotores da igualdade social; ao invés, o que se encontra subentendido nas palavras de Gates é que aquilo que “eles” fazem está de acordo com os desígnios da história. E identificar desígnios da história na acção humana constituía o âmago do comunismo soviético.

Três horas bem passadas

Monday, June 18, 2007

O último dos teólogos


Um dos sintomas de senilidade e profunda confusão que assolam a Igreja católica e o catolicismo em geral pode ser identificado nos textos de César das Neves. Os dilemas são pungentes e, acreditamos, de difícil resolução para quem bascula entre a razão – por obrigação da sua vida mundana – e a fé. Os dois princípios não são irreconciliáveis como Aquino procurou demonstrar. Porém, há um elemento estranho que se intrometeu entre estas duas dimensões e esse, sim, é difícil debelar. Refiro-me à sociedade de consumo. A sociedade de consumo pode parecer de somenos, ou quando muito um fenómeno paralelo que não tem porque se imiscuir nesta contenda. Todavia, ela intersecta ambas, fé e razão, no âmago da sua plausibilidade. E porquê? Porque a sociedade de consumo tem por finalidade responder às questões existenciais, se possível, substituí-las por objectos que possuam a capacidade de as sublimar. E porque a fé, sobretudo para os mais recentes neo-existencialistas, como Tillich, pretende ser a resposta para o vazio existencial – aquilo que Freud designou por “pulsão para a morte”. São dois princípios concorrenciais: as respostas às “questões últimas” oferecidas pela fé e estas mesmas questões resolvidas através da pulsão consumista. Se o death drive radica na presença, aliás, na confrontação, com o não-ser, a pulsão consumista tem vindo a herdar o seu papel enquanto pretensão existencial. Pois o que é a incapacidade de satisfação e a sua mutabilidade permanente projectando-se na necessidade do “novo” senão o vazio aberto pelo não-ser? O que é a renovação permanente a que o consumismo nos obriga senão a consciência aguda da finitude?
Porém, a crítica ao putativo estado desregrado e amoral da sociedade actual nunca consegue ganhar corpo nas palavras e ideias dos arautos do catolicismo. A dificuldade, quase penosa, que o Papa actual evidencia para recupar os ícones da fé sujeitando-se em simultâneo à aceitação tácita da sociedade de consumo. A crise simbolizada por esta encruzilhada encontra-se bem patente na catarse crítica contra os homossexuais e o aborto. Com toda a certeza, ninguém na plena posse das suas faculdades considera estes dois elementos como mais do que epifenómenos de uma desorientação mais generalizada – do ponto de vista de um católico, sublinhe-se. E no entanto foram estes os tópicos eleitos para servirem de bode expiatório. Ou seja, já nem a teologia se consegue sufragar através da razão – mesmo que apologética ou metafísica. O catolicismo, perdido de referências lógicas, actua como um simples mecanismo de gestão do preconceito. Esta expiação da inutilidade interna da doutrina através dos “outros” faz-se com objectivos pouco concretos, as mais das vezes deambulantes, segundo a natureza incerta das suas diatribes. Nisso a prosa de César das Neves é exemplar. Tal como um Quixote esconjurado das profundas do Inferno, César das Neves brande a sua lança contra os moinhos de vento da imoralidade. Mas uma coisa permanece como rastro insidioso que ele, na sua cavalgada, vai deixando pelo caminho: a total ausência de teologia.
É provável que assistamos mais e mais ao engendrar de inimigos exteriores e ao acumular de perigos. Afinal a retórica do catolicismo não enjeita afinidades com toda a retórica que pretende justificar o poder em bases irracionais.

O Sofista 2


Pacheco Pereira, inevitável e contundente (já me vai faltando a adjectivação) profere mais um dos seus julgamentos sobre a vida política nacional – guilty!
Anda tudo com medo, cagaço, “miaufa”, e até o escol do emprendedorismo nacional se borra com o draconiano Sócrates. Nem nos tempos do espectro de Santa Combadão vivia a nação transida, petreficada até, como vive agora com os humores do nosso primeiro. É claro que a CIP está tolhida de medo, como aventa a nossa mais querida luminária da direita. Tanto medo que nem sequer conseguiu falar directamente com o primeiro-ministro – por causa das represálias, está claro – e teve que requerer uma audiência, com todo o secretismo que se lhe conhece – uma bela de uma contradição – ao pai dos povos, sua Ex. o Presidente da Res(pubica). Mais uma vez o raciocínio deste homem é duma clarividência quase profética. E que não julguemos de somenos que só ele, talvez vítima da estultícia que acode a todos os heróis no momento do Ipiranga, se mostra intrépido perante os ventos inquisitórios que por aqui sopram.
Ah, se não houvessem homens como o PP!!!


(fotografia é cortesia do Kaos)

Medo de represálias

Fico banzado com tanta estupidez e capciosidade. Agora são os galfarros da CIP a dizerem que têm medo de represálias. Está mesmo a ver-se: tanto medo tinham que levaram a cabo um estudo paralelo sem pedir cavaco a ninguém senão ao próprio. Se isto é medo de represálias quando eles não o tiverem espera-se que escarrem na cara do Sócrates; o que simbolicamente já fizeram.

Sunday, June 17, 2007

O Sofista



Pacheco Pereira é uma personalidade conflitual. O que quero dizer com isto não é que o “homem” PP seja particularmente propenso ao conflito; mas parece no entanto albergar uma personalidade cindida, quebrada, que não se completa senão numa sofistica de carácter público. Assim temos o estudioso PP que tenta analisar e relatar os acontecimentos com objectividade; depois temos o intelectual orgânico PP que faz serviços ao partido em que milita – e é justamente aí que a sua sofística encontra o molde e, igualmente, a vazão.
Porque PP é um sofista equilibrado aceitam-no como um homem que carrega consigo a cruz da democracia; ou seja, um homem que opina e pensa pela sua própria cabeça, sendo nisso por vezes até considerado um heterodoxo – imagem que ele próprio cultiva – contrapondo-se ao poder de arregimentação das fileiras partidárias. Não é verdade. E é sobretudo a sua elasticidade sofística que lhe permitiu criar essa imagem e imprimi-la na opinião pública portuguesa.
Num artigo recente do Público, PP agita-se a favor da greve. Parece normal que um estudioso da militância comunista e anarquista tivesse muito para dizer sobre a greve enquanto fenómeno social. Mas PP envereda por outro caminho; um trajecto que lhe permite prevenir percalços e sobressaltos. Começa por sinalizar de que lado está – e isto é uma constante nos textos de PP que indicam sempre no correr do texto – como Hitchcock fazia no início dos seus filmes em relação ao móbil do crime– qual é a sua posição, política, em relação a um determinado assunto: Eu não estou de acordo com quase tudo o que a CGTP defende, sou a favor de muito mais do que a "flexisegurança", a solução de meias tintas em voga, em matéria de lei laboral, mas longe de mim ter desprezo por quem defende as suas ideias e os seus interesses.
Desta afirmação enfática parte PP para a premissa segundo a qual a greve, como legítimo mecanismo de protesto, tem vindo a ser sistematicamente sabotada. Mas por quem? A conclusão é surpreendente: pelo estado e, particularmente por este governo socialista. Até se pode concordar que uma tal equação é verosímil, mas não pelas razões que PP apresenta. PP insurge-se contra o governo que, supostamente, estaria a minar a possibilidade da greve e para o provar mente deliberadamente: Claro que os desdenhosos vão dizer que muitos dos que "fizeram" greve vão depois meter baixa ou apresentar qualquer justificação para não virem nas listas de grevistas e receberem o dia em que não trabalharam. Alguns o farão, uns porque precisam do dinheiro, outros porque estão habituados a este tipo de truques e querem ficar no melhor de dois mundos. Mas muitos fazem-no pela mesma razão que milhares de outros portugueses não fizeram greve: porque têm medo, medo de perderem o seu precário emprego, medo de serem colocados numa lista qualquer de excedentes, medo de serem mal classificados na função pública por um chefe que muito provavelmente é hoje da "cor" do Governo. Este medo explica por que razão a única sondagem realizada mostrava que a maioria dos portugueses apoiava a greve e tão poucos acabaram por a fazer.
PP sofisma descaradamente, porque acabamos por ter a representação da greve – que note-se, começou por ser um fenómeno geral – acantonada à função pública. As justificações enunciadas por PP são todas relativas à função pública: as listas dos excedentários, medo de serem mal classificados e chefes de outra “cor”. E no entanto a maior adesão à greve foi justamente na função pública, nomeadamente no grupo dos professores. É verdade que o desencontro entre a vontade de fazer greve e a prática da mesma denota medo. Mas este medo encontra-se, a julgar pelos insignificantes números da adesão no sector privado, onde as pessoas estão a prazo, onde o contrato colectivo de trabalho se tornou um anacronismo, onde enfim a flexisegurança e muita mais impera. PP não tira a conclusão – mais que lógica – de que é a tal flexisegurança “e muito mais”, que ele tanto parece apreciar, que enfraquece a greve, que a destrói como arma de protesto político, que lhe tira as condições de reivindicação. Como pode então PP ser a favor da flexisegurança e “muito mais” – e neste “muito mais” esconde-se algo obscuro que nem ele própria tem coragem para confessar – e ao mesmo tempo achar que a greve deve funcionar como forma de protesto legítima dos trabalhadores? Não pode. Mas devia tirar a conclusão óbvia: não se pode ser a favor de “muito mais” do que a flexisegurança e da greve como mecanismo de pressão em simultâneo. Simplesmente porque a flexisegurança existe para acabar com a greve. Neste contexto só podemos pensar que a greve para PP não passa de um momento estilizado; porventura ressoando-lhe a outros tempos, em que ele se achava radical e oposicionista.
Custa-me acreditar que um homem inteligente como PP não se aperceba da extrema falsidade das suas análises. O Pereirismo é uma forma de sofisma sistematizado.

Friday, June 15, 2007

It's the Economy or are we simply stupid?


Eu sou daqueles que considera extremamente salutar a discussão da localização do aeroporto até à exaustão. Neste interim, movimentam-se milhões. Empresas de estudos de impacto ambiental arrecadam boas maquias. Os técnicos, geralmente professores universitários que, noutros contextos se queixam do pecúlio que auferem, amanham-se com milhares de contos o que dá para financiar as pequenas empresas de consultoria que gerem em paralelo com as suas actividades académicas. Por sua vez, estas pequenas empresas de consultoria empregam outros técnicos, com menos nome no mercado, a preços bem mais razoáveis, o que favorece um decréscimo no custo dos factores variáveis de produção. Estes últimos ainda sub-contratam outros que se encontram mais abaixo na escala de prestígio e que funcionam como tarefeiros qualificados.
Do outro lado, não do Tejo, mas num mundo oposto às locubrações da academia, mexem-se como formigas em atarefado carreiro os gestores de todos os grandes e pequenos negócios que uma tal empresa acarreta: os gestores imobiliários telefonam aos amigos para que estes comecem a especular sobre o valor dos terrenos; enquanto a coisa se encontra num impasse, “task forces” e comités reunem-se em hotéis de luxo, em salas climatizadas, e apresentam os estudos que foram encomendados ao primeiro grupo aqui referido. Grandes almoçaradas e jantaradas, onde se encontram todos estes nababos, alimentam a indústria da restauração que por sua vez paga ordenados de miséria aos trabalhadores imigrantes com estatuto temporário – o que, a bem dizer, é melhor do que estar no desemprego. Só aqui já a economia se sobressaltou e distendeu em espasmos negociais não sei quantas vezes; e ainda nem sequer um metro de terra foi terraplanado ou um balde de alcatrão foi posto ao lume.
O contribuinte, que geralmente tem uma visão minimal destas coisas, não consegue vislumbrar a bigger picture, como dizem os britânicos. Por isso não se apercebe que aquilo que aparentemente surge como porfia política, cuja finalidade passa por ser a conquista de espaços numa guerra (ideológica? partidária?) posicional, não é mais do que um estímulo multiplicador para a economia. Que estas duas dimensões se confundam cada vez mais, eis o que o neoliberalismo conseguiu na perfeição.

Thursday, June 14, 2007


O nosso vate da nova geração de direita não se refreia no que respeita ao disparate

“Começamos com as comunidades judaicas, plenamente integradas na Europa, antes da década de 1930. Mas depois as perseguições têm início com a chegada de Hitler ao poder em 1933; a normalidade é desfeita; (…)”

Em que história terá ele retirado a ideia de as “comunidades judaicas, plenamente integradas na Europa” antes de 1930? Se havia região onde elas tivessem razoavelmente integradas seria no velho Império Otomano, mas na Europa…
Já que é um tão grande admirador das políticas actuais de Israel ser-lhe-ia proveitoso ler qualquer coisa de Amos Oz. Talvez aprendesse finalmente algo de útil sobre o anti-semitismo.

Ejaculatio praecox

Houve quem tivesse orgasmos por essa blogosfera afora com a tirada de Saramago sobre a estupidez da esquerda. A direita portuguesa excita-se com pouca coisa. É caso para perguntar se não sofrerá de ejaculação precoce.

"A Persistência do Olhar"


Este título foi roubado a uma tese qualquer, num tempo já indistinto. O olhar é um dos temas predominantes na filosofia do século XX; se calhar dos outros séculos também, mas disso não faço a mínima ideia. Minto. Há pelo menos um momento absolutamente consagratório para a importância do olhar e, em verdade, para a sua entronização como princípio filosófico. Refiro-me à Fenomenologia do Espírito, de Hegel (quem mais?), sobretudo o excerto onde se expõe a dialéctica do olhar. Em inglês o “gaze”, em espanhol “la mirada” em croata “piljiti”; seja qual for a língua ou o dialecto, o olhar possui uma prepoderância desde que Hegel nos convidou a pensarmo-nos através do outro. O “gaze” fez caminho pela psicanálise, e o maior esgaziado de todos foi Lacan com os seus espelhos e a mirror stage. Mas já a bruxa da Branca de Neve tinha inaugurado a importância do reflexo segundo o espelho lacaniano. E a conclusão? Há quem permaneça permanentemente na fase do espelho, preso, agrilhoado qual Prometeu, sujeito a nunca se olhar através do colectivo, ou seja, a substituir o espelho pelo simbólico. Raios-parta se não é isso que acontece à maioria das pessoas? Repare-se que é a Branca de Neve que ganha a partida, mas a que preço? Será que podemos ser os mesmos depois de bebermos da água do Lete, e dar-mos um aperto de mão ao Hades? Sucede que o sono da Branca é um arremedo de morte. Acorda para o amor? Mas já não é a mesma; atravessou a fronteira que separa os vivos dos mortos – renasce como espectro.
Sartre estava preocupado com o “olhar” e dessa preocupação aduziu praticamente toda a sua filosofia. O mesmo que o outro, o das máscaras, que se submeteu à persistência do olhar deixando-se objectivar, no seu enigmático patuá diz-se...coisificar.
Ora o olhar, o “gaze”, “la mirada” objectiva, coisifica, e é justamente na sua persistência que nos confrontamos com a necessidade, indeed, a indispensabilidade, de sermos olhados. Quem olha quem, e como se olha, são as questões que se encontram nos fundamentos da ética. É claro que ao sermos olhados somos roubados de nós próprios, que de qualquer das maneiras, este “próprio”, torna-se numa impossibilidade caso não sejamos olhados.
Os portuguese curiosamente prestaram pouca atenção ao olhar. Em vez de persistência o que encontramos na cultura portuguesa é uma espécie de indolência do olhar. Indolência essa que se sagrou em expressões canónicas como “olhos de carneiro mal-morto” ou “olhos de bezugo”. Qualquer delas invoca mais do que a permanência do “gaze” a sua simples desistência, ou se quisermos, o seu adiamento. O olhar quando invocado pelos pensadores portugueses ou é um olhar para dentro, mistificação solipsista, ou é um olhar para o além – o futuro, o passado, o destino –olhar contemplativo que não actua nem se envolve. Raramente é um olhar para o “outro”.

Wednesday, June 13, 2007

Gajas por Lisboa






Lisboa é um caos. Não há forma de negá-lo. É caca de cão por todo o lado; é os jardins de erva murcha a empalidecerem os pulmões da capital; é o Monsanto sem vida, abandonado a desportistas e fanáticos do alterofilismo; e é o Parque Mayer desprezado pelos lisboetas apesar da sua ecléctica oferta cultural. Lisboa precisa de um novo Camões para cantar os feitos dos corvos que navegam na sua caravela cheia de verdete.
Perante isto, a única escolha que podemos fazer para a próxima liderança da capital tem que ser criteriosa e pautar-se pelos mais altos desígnios de compromisso e afeição pelas pedras da calçada, reavivando, se possível, o teleférico que liga o Sousa Martins à Almirante Reis, desejo expresso mediunicamente pelo próprio em conversa com a Santa da Ladeira.
Mas como escolher, dada a qualidade dos candidatos e a inovação trazida pelos seus programas? Como garantir que a cidade das sete colinas não fica sem umas tantas como resultado de projectos megalómanos enfiados pela garganta abaixo dos lisboetas por algum Lopes ou Soares?
Vendo-me a braços com estas questões prementes; querendo contribuir para um futuro onde as crianças só possam enrolar dejectos de cão, em pequenas quadrículas de papel mate, em áreas concecionadas para o efeito, optei por um sistema consciencioso e, julgo, garantidor de uma escolha responsável – a tromba das gajas que fazem parte das listas de candidatos. Porém, não querendo parecer demasiado prosaico, quiçá até rude e infundamentado, há um je ne sais quoi que me guia a escolha: não é tanto as gajas de per si, mas aquilo que os responsávei pela imagem de campanha conseguiram fazer com elas. Se estes conseguiram recauchutar uns tantos trombis, o que não conseguirão fazer pela aparência de Lisboa.
Como não sou sexista e respeito a escolha dos eleitores decidi não pôr uma legenda indicando a que partido pertence cada uma das contempladas. Cabe ao votante consciencioso optar com razoabilidade.

As lentes desfocadas de VGM


É significativo como os acontecimentos são filtrados pelas nossas posturas políticas ou simplesmente pela maneira como nos enquadramos num cadeirão de cabedal a fumar um charuto cubano e a beber um whisky velho. VGM faz um arrolamento de imaginários meliantes; potenciais figuras de duvidosa moral e de ainda mais dubitativa humanidade; pérvidos resquícios da sociedade que se abandonaram à iniquidade covarde. No seu afã fantasista oferece-nos diversos figurinos que compõem a galeria de malandros segundo a definição que esta categoria assume no espírito revoltado de VGM.
Gostaria de tentar uma outra lista imaginária que, longe de substituir a primeira, tem por mero objectivo complementá-la.

Isolino Desmoralizante, acusado de tráfico de influências e de favorecer sistematicamente a mesma construtora a troco de benesses obscuras, a jurar que os milhões que tinha arrecadado na Suíça eram para mais tarde construir orfanatos e para serem legados à obra de caridade dos Monges da Serapilheira Rota.

Ricardo Lacinhos, acusado de falência fraudulenta e de ter deixado 3.000 trabalhadores no desemprego, a afirmar enfaticamente, por entre acessos de ira e de choro, que tinha dado descanso aos trabalhadores por mero humanitarismo cristão, porque as condições de trabalho eram de tal forma árduas que até o coração se lhe partia.

Oliveira Não Vai em Futebóis, acusado de esbulhar o capital dos associados e de desviar fundos da sociedade Pontapé-na-Bola para proveito próprio, a clamar por justiça invocando o facto de o clube não jogar pêva e que por isso descapitalizá-lo seria um acto de misericórdia para os sócios.

Beltrão Azeviche, acusado de ter terraplenado uma duna que se encontrava numa área protegida de um parque natural, para fazer um campo de golfe, a garantir que os passeantes se queixavam reiteradamente que lhes entrava areia para os olhos e que sobretudo isto era a causa da maior parte do troçolhos nos olhos das criancinhas de Vila da Penugem Farta.

Até podia ser assim, se a RTP os encontrasse na cadeia. Mas a verdade é que também o Estado tem as lentes desfocadas.

Politika

Uma das coisas que me deixa a cismar no magnífico romance de Koestler “Darkness at noon” é o facto de Rubashov, quando instado pelo companheiro da cela ao lado a descrever uma relação sexual, onde ele é o protagonista, se recusar a fazê-lo.
Talvez o moralismo católico não seja antídoto para o totalitarismo pagão.

Tuesday, June 12, 2007

Assalto ao aeroporto!


Eh pá, ajudem-me. Quantos aeroportos é que nós (vocês e outros) conhecemos que fiquem na margem oposta de um rio em relação à capital? Eh pá, francamente, esclareçam-me, iluminem-me, mas onde está a oportunidade de colocar um aeroporto internacional que só tem como via de acesso à capital duas pontes? Eh pá, belisquem-me, mas que sentido faz despejar no centro de Lisboa – é para lá que desembocam as pontes – mais trânsito de pesados, alguns até com mercadorias perigosas, sabendo que a cintura industrial de Lisboa fica precisamente no lado norte do Tejo? Eh pá, segurem-me, mas como é que se servem os passageiros que aterram em Alcochete –ou ainda mais patético, no Poceirão - das linhas ferroviárias do Norte e já agora do Sul, sendo que a rede da Fertagus exclui o Barreiro, Montijo e Alcochete? Eh pá, e como é que o Francisco Vanzelina tira do bolso um estudo prontinho, encadernado e já com ISBN onde se descobre que o campo de tiro de Alcochete é a melhor alternativa? Eh pá, e como é que “Francisco Van Zeller - que se fez acompanhar de Ernâni Lopes e do ex-ministro do Ambiente Carlos Borrego - sublinhou a "grande coincidência de pontos de vista" com Cavaco Silva” coincidindo a coincidência de pontos de vista com o repto de Cavaco para se repensar a localização do aeroporto? Eh pá, como é que Cavaco Silva antecipou prescientemente que havia tal estudo e qual oráculo de Delfos afisou os consortes a tempo de evitar a catástrofe?
Ota talvez não venhamos a ter; mas de sermos papados como otários disso é que já não nos safamos.

Sarko de lacraus


É com alguma apreensão que devem ser entendidos os esforços para retomar uma símile da constituição europeia. Depois do voto “contra” macivo dos franceses e dos holandeses poucas esperanças restavam que a constituição renascesse qual phoenix saída das cinzas. Sobretudo porque um dos principais proponentes desta versão aligeirada foi igualmente um dos seus principais críticos na sua versão mais consagratória. Sarkozy é o homem que aparece agora a apelar a um mini-tratado onde as reformas essenciais sejam contempladas. Blair prestou-se rapidamente a secundar a opção instruindo, segundo os boatos, Gordon Brown a fazer o mesmo. Dado que este só estará em cima da mesa para discussão lá para meados de Dezembro, será Brown a fazer as exéquias da defunta constituição e a dar o banho lustral ao tratado miniatura. Assim de repente temos portanto a Inglaterra, a França e as insuspeitas Polónia e República Checa por detrás do mini-tratado. A Inglaterra é o suspeito do costume: não gosta nem sequer da palavra constituição. Os outros três são estranhos companheiros de ocasião. Se a ideia de constituição, com os seus contornos mais federalistas, foi liminarmente afastada pelos franceses - entre eles o partido de Sarkozy que nunca fez grandes esforços para vender a ideia -, é com suspeição que esta nova tentativa deve ser encarada. O que serão “as reformas fundamentais” de que fala Sarkozy e para as quais os mecanismos decisórios próprios da União não se afiguram suficientes?

Outlandish Empire


Pois é um objecto heteróclito num contexto de libertação artística. Diz-se de tudo, do mais óbvio ao mais evidente. Por exemplo diz-se que Lynch se senta na cadeira do realizador e que se recreia a seu bel-prazer ignorando por completo as expectativas do espectador. Diz-se, e é com ênfase que se o faz: ou porque isto é sinónimo de artista de vanguarda ou porque há que justificar o filme de alguma maneira. Confesso que não encontro justificação. Por mais rebuscada ou por mais resignada que ela seja. Os lugares comuns saltam das gavetas dos críticos qual enxame a quem se tivesse zurzido a colmeia. Dizer que Lynch está no seu universo, que ninguém o entende e que o filme é surpreendente porque não pensa no espectador é uma redundância. Toda a grande arte, ou todo o grande artista, ignora as expectativas do público, seja ele real ou virtual. Duchamp não agarrou em dois urinóis e transformou-os numa obra de arte a pedido do público. A criação artística ficaria paralisada se a isso obedecesse – é isso que se passa em grande medida com Holliwood. O que separará então os urinóis de Duchamp e o filme de Lynch? Ambos são expressões idiossincráticas que não são enquadradas na expectativa comum e daí parecem retirar a sua condição artística. Só que o filme de Lynch é mau; simplesmente é uma obra menor de um dos maiores realizadores da actualidade. Não vale a pena enrolarmo-nos em explicações, em tentativas de interpretação, ou mesmo na aceitação perversa do Lynch que não pode falhar. Inland Empire é um falhanço, e não porque torna a sua leitura demasiado hermética, mas justamente pelo contrário: porque o cliché está demasiado omnipresente e nem sequer é salvo pela estética video. Sim, é verdade – está lá o onírico, o mergulho nos abismos da psyche, o pesadelo que acaba em redenção quase beatífica. E depois? Que Lynch arrisque tudo a provar que o cinema é, parafraseando Badiou, a arte impura por excelência, só mostra quão grande é o seu falhanço. Nem tão-pouco se trata de uma luta interna entre a pressão estetizante e a narratividade. Mais honesto será aceitar que o filme de Lynch é um vazio de inspiração com alguns gadgets à mistura. Ficamos à espera de melhores dias.

Monday, June 11, 2007

Underworld


Não se compreende o que é que se passa ali. O ensejo voyeurista que se confunde rapidamente com a consumação no pecado. As cadências expectantes de um desejo obsceno que enforca o amor como se degola um porco para o sangrar. Essa vaidade do corpo, dos gestos, das posturas, que faz lembrar bonecos de cera em exposição; manequins de vitrina assediados por mil e um olhares cobiçosos. Corpos frígidos expostos com um despudor de crianças a brincarem com paus de fósforos. Uma prédica negra nas traseiras da Igreja. Porém, rec com o sentido comunitário – os fantasmas que se passeiam com o desconcerto de almas amaldiçoadas à procura de melhor morada. Tudo ao lusco-fusco, porque a realidade é lapidar e essa não mente (mas também não desmente) e não falsifica a ilusão do desejo. Que é que se passa ali? Um estranho masoquismo. Uma partilha imoral disfarçada de contacto, de aproximação, de generoso ofertário; mas que é apenas distância, desprezo, puro gozo vazio pela posse de cadáveres. Possuir uma lura num interstício de podridão imaginada, da tangência do estupro que assola o tacto, isso sim é cerimónia suficiente para o aviltamento do corpo, do espírito, da paixão. O que se passa ali é uma procissão macabra de solitude. Ou então – para que não sejamos sempre os copistas de um humanismo de cabeceira – um imenso enfado pelas coisas vivas.

"Conferencismo"


A maior parte das conferências, seminários, mesas redondas, jantares quadrados, discussões atordoadoras e sonos perdidos, são um elogio ao desperdício. Lá andam uns nababos a passearem-se pelos melhores (ou razoaveizinhos) hotéis por essa europa afora a dizer umas tretas tonitruantes outras apenas enfadonhas, na sua maioria simplesmente repetitivas e por isso mesmo (já) inaudíveis. O Gandhi diria: I will tell you once more what I have told you many times before – e por aí se poderia resumir todas as prestações académicas, abalizadas de gestores da coisa pública e doutras coisas menos públicas; tudo bem encadernado em fatiotas de ir à missa e em powerpoints de fim-de-estação. A isto se deu o pomposo nome de “workshops”. Como vivemos numa comunidade que se estende quase até aos Urais, já não dá para nos encontrarmos todos à esquina a tomar um café e a mandar uns bitates para o ar. Não. É preciso marcar hotéis, organisar conferências, “chamar por papers” e atafulhar umas tantas salas de sabedoria enlatada que se distribui com o à-vontade de um desenlace novelesco.
E para que é que isto serve? Para empregar académicos ou projectos de académicos ou académicos penhorados que o mercado de trabalho teima em rejeitar. É uma indústria como outra qualquer que cria a ilusão de que existem miríadas de ideias a circular – quando na realidade se serve as mais das vezes os mesmos pratos requentados -, de que a actividade científica precisa de fora, de espaços internacionais de discusão, onde se nutrir. Mas justamente, se a refeição já tem vários anos, onde subsistem ainda os nutrientes? A sensação de tempo perdido com que se sai destas coisas, o sentimento letárgico que nos invade e a interrogação que fica a pairar sobre as nossas cabeças anestesiadas tem alguma coisa a ver com aquelas noites mal dormidas em que acabamos por descabeçar num sono entropecedor que se agarra teimosamente ao início da manhã.
E finalmente chega o momento da pergunta sacramental: e se o dinheiro que se gasta com esta transumância de expertise, de empilhamento de papel, de burocracia avulsa, de arrolamento, do compendiar, do publicar, do propagandear, fosse simplesmente investido directamente nos problemas que tanta sageza ociosa discute até à exaustão?