The Propinas' complex
Primeiro, é sabido que quem está no ensino superior em Portugal provém na sua larga maioria de famílias da alta classe média; portanto famílias que não têm à partida dificuldades financeiras. Segundo, os filhos desta alta classe média possuem ascendência em pais com habilitações acima da média, mormente habilitações superiores, com larga representação nas profissões liberais. Terceiro, enquanto o numero clausus existir, o ensino gratuito não é um direito, mas sim um privilégio. O ensino gratuito só faz sentido se o primeiro for aberto a todos os que pretendam obter uma formação superior.
Como assim não é em Portugal, não se compreende por que razão todos pagam através dos seus impostos algo que resulta num privilégio para tão poucos. Quinto, a discussão em torno das propinas não possui, em última análise, uma motivação justicialista; ela estriba-se antes numa defesa do capital simbólico e é assim transversal a diversos quadrantes políticos. Esta defesa passa simplesmente por não equiparar o ensino público ao privado. Sexto, os detractores do sistema de empréstimos, referem por diversas vezes que já há desempregados recém-licenciados em quantidade suficiente, e que fazer pagar esse ensino constitui barreira acrescida. Esquecem-se (ingenuamente?) que muitos desses desempregados são provenientes do ensino superior privado e que na realidade são os que verdadeiramente pagaram para ficar no desemprego.
Na luta simbólica pela retenção do ensino público, o pânico com as propinas é exagerado. Não apenas as universidades públicas se encontram bem mais integradas nas redes e circuitos facilitadores de empregabilidade, como são as privadas que têm um capital de credibilidade reduzidíssimo no mercado de trabalho. Fazer equivaler os sistemas não retira em nada a penetração das universidades públicas no mercado de recrutamento e o seu, por vezes, assambarcamento.
Finalmente, em Portugal gerou-se uma situação aberrante que deve ser assacada ao governo de Cavaco Silva e ao primeiro proponente da expansão incontrolada das instituições privadas: Roberto Carneiro. Uma fatia não dispicienda de licenciados foi servida com ensino de má qualidade, más instalações, e má ajuda social. Teve apesar de tudo de pagar por isso. A contabilidade não está feita (pelo menos não a conheço) mas não será muito absurdo suspeitar que são os licenciados das privadas que encontram sobretudo as maiores dificuldades na entrada no mercado de trabalho. Algo que a rapaziada da esquerda deixa passar silenciosamente como uma brisa incómoda. O que aliás, não surpreende. Já alguém ouviu algum deles a berrar pela extinção do numero clausus? Pois não, isso seria retirar a este pessoal o estatuto de excelência.